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Divisão de votos de eleitores de Lula na disputa local é maior desafio para campanha de Marília

Laércio Portela / 13/10/2022
Imagem de um varal estendido na rua com várias camisas vermelhas, de Lula, penduradas. Duas pessoas em segundo plano aparecem de lado na calçada

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A primeira rodada de pesquisas para o Governo de Pernambuco deixou evidente o que as urnas no primeiro turno já haviam registrado: os eleitores de Lula estão divididos no voto para governador e, para vencer, Marília Arraes (SD) precisa convencer a maior parte deles a também votar nela. Nesse sentido, a caminhada com o ex-presidente no Centro do Recife na manhã dessa sexta (14) é encarada como o principal evento da reta final da disputa e deverá ser bastante explorada no guia de rádio e TV e nas redes sociais da candidata.

Pesquisa Ipec divulgada na terça (11) mostrou que Raquel Lyra (PSDB) abriu vantagem sobre Marília, com 50% das intenções de voto contra 42%. Nos votos válidos, sem contar brancos e nulos, Raquel pontua 54% contra 46% da oponente. A análise da taxa de rejeição também beneficia a candidata tucana para quem 18% do eleitorado disse que “não votará de jeito nenhum”, enquanto 32% dizem o mesmo para Marília. Na mesma pesquisa, Lula obteve o apoio para presidente de 68% dos entrevistados contra 25% de Bolsonaro (PL).

Em tese, provocar a casadinha do voto de presidente com o de governadora não será uma tarefa fácil para Marília, considerando o quadro da votação no primeiro turno, quando o candidato oficial de Lula, Danilo Cabral (PSB), ficou em quarto lugar na disputa. Importante considerar aqui o desgaste de 16 anos de governo do PSB, a má avaliação da gestão do atual governador Paulo Câmara (PSB) e a demora na definição do candidato governista. A relação e vinculação do nome de Marília – candidata do PT à Prefeitura do Recife em 2020 – com Lula também está num outro patamar.

Nesse segundo turno, Raquel Lyra disse que assumiria uma “posição de independência” e não anunciou apoio nem à candidatura de Lula e nem à de Bolsonaro.

Para entender melhor o cenário eleitoral, a Marco Zero Conteúdo analisou a votação do primeiro turno nas 20 cidades mais populosas do estado. Marília venceu em quatro delas: Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Goiana e Serra Talhada. Raquel obteve mais votos em seis: Recife, Vitória de Santo Antão, Caruaru, Gravatá, Garanhuns e Igarassu. Considerando apenas o voto nesses maiores colégios eleitorais, Raquel conquistou 677.072 mil votos (67,06% do seu total) contra 541.162 de Marília (46,07% de sua votação geral).

Votação para o Governo do Estado no primeiro turno das eleições de 2022 em Pernambuco

Votação para Presidente da República no primeiro turno das eleições de 2022 em Pernambuco

O quadro mostra uma certa concentração de votos de Raquel no Recife, na Região Metropolitana e no Agreste a partir do polo de irradiação de Caruaru, onde foi prefeita por duas vezes, tendo renunciado ao mandato este ano para concorrer ao Governo de Pernambuco. No caso de Marília, seus votos estão mais espalhados pelas regiões do estado, o que, na soma, lhe garantiu a maior votação geral no primeiro turno com 1.175.651 votos e 23,97% contra 1.009.556 e 20,58% de Raquel.

Numa disputa estadual que teve, pela primeira vez, quatro candidatos competitivos disputando uma vaga no segundo turno, a influência dos três que ficaram para trás também deve ser considerada nessa segunda etapa da disputa eleitoral. O ex-prefeito de Jaboatão, Anderson Ferreira (PL), por exemplo, que governou por dois mandatos o segundo município mais populoso do estado e ficou em terceiro lugar, venceu em sete das 20 maiores cidades: Jaboatão, Paulista, São Lourenço da Mata, Abreu e Lima, Olinda, Camaragibe e Carpina. Cidades onde a Assembleia de Deus, à qual a família Ferreira é vinculada, tem presença e influência mais efetiva.

Candidato do bolsonarismo no primeiro turno, Anderson Ferreira tem dito que aguarda uma orientação do presidente para definir seu posicionamento no segundo turno para o governo local. Marília Arraes já disse que, ao contrário do que aconteceu na disputa pela Prefeitura do Recife há dois anos, não há a menor chance de ela se unir com Anderson por conta da ligação dele com Jair Bolsonaro. Afinal, a casadinha com Lula é a principal aposta da candidata do Solidariedade para chegar ao Palácio do Campo das Princesas.

Acontece que os expressivos votos dados a Anderson na RMR estarão em disputa nessa nova fase da eleição. Detalhe, das sete cidades mais populosas onde Anderson obteve mais votos do que seus concorrentes, em quatro Raquel ficou em segundo lugar, em duas Marília e Miguel em uma.

Se Anderson conseguiu, a partir de sua atuação em Jaboatão, ampliar seu arco de votação para a RMR e Raquel fez o mesmo no Agreste, a partir de Caruaru, o mesmo se deu com o quinto colocado na disputa, o ex-prefeito de Petrolina Miguel Coelho (União Brasil), que venceu na cidade que era administrada por ele e teve boa votação nos principais municípios do Sertão. Levando em conta os 20 maiores colégios eleitorais, Miguel saiu vitorioso em Petrolina e Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste, a única cidade em que Bolsonaro venceu Lula no primeiro turno, repetindo o mesmo feito de 2018 contra Fernando Haddad (PT). Ao contrário da postura de indefinição de Anderson, Miguel anunciou de pronto seu apoio a Raquel Lyra nesse segundo turno.

O pai de Miguel, o senador Fernando Bezerra Coelho, ex-líder do governo Bolsonaro no Senado, já declarou voto em Raquel e no atual presidente neste segundo turno. Raquel também tem tido apoios público de eleitores de Lula. Nesta quinta (13), o Movimento Ética e Democracia, formado por advogados, economistas e profissionais liberais, lançou carta de apoio a Lula e à candidata tucana, entre os seus integrantes estão José Arlindo, ex-secretário do governo Jarbas Vasconcelos, o economista Jorge Jatobá, também ex-secretário de Jarbas, e o ex-vereador Jaime Asfora.

Quarto colocado na disputa ao Governo do Estado, Danilo não venceu a eleição em nenhum dos 20 maiores municípios pernambucanos, ficando na maioria deles na quarta ou quinta posição. Seu melhor desempenho foi um segundo lugar em Serra Talhada e um terceiro em Garanhuns e São Lourenço da Mata. Um quadro evidente do desgaste político do PSB. Afinal, Danilo tinha o apoio oficial de pelo menos 11 prefeitos dessas 20 cidades, contra três de Raquel e quatro de Marília, um de Anderson e um de Miguel.

O PSB, aliás, declarou apoio a Marília em nota, sem citar o nome dela, mas se posicionando em favor “da candidatura que for apoiada pelo presidente Lula”. O PT teve uma postura de maior engajamento partidário no apoio à candidata do Solidariedade, anunciando sua posição em coletiva à imprensa com a presença de Marília, do senador Humberto Costa (PT) e dos deputados e deputadas eleitas pelo partido para a Câmara e a Assembleia.

Nas 20 maiores cidades do estado, Lula ultrapassou os 60% da preferência do eleitorado nas quatro em que Marília obteve mais votos, em três das seis lideradas por Raquel (em Caruaru ficou com 56,02%), mas apenas em uma das sete vencidas por Anderson (em Jaboatão obteve 54,25%), o candidato oficial de Bolsonaro. Lula também ultrapassou os 60% em Petrolina e perdeu em Santa Cruz do Capibaribe.

Socióloga vê apoio velado de Raquel a Bolsonaro e diz que Marília deveria dar demonstração pública de compromisso com as pautas dos movimentos sociais

Entrevista Carmen Silva, socióloga integrante do SOS Corpo

Os números da votação no primeiro turno indicam um quadro de divisão dos votos do eleitor de Lula em várias candidaturas ao Governo do Estado, inclusive naquelas que não o apoiaram. Como você analisa esses dados? O que o resultado do primeiro turno pode indicar para o segundo turno na disputa entre Raquel e Marília?

Os dados do primeiro turno indicam várias coisas que a gente precisa configurar aqui. Uma primeira é o desgaste da gestão do PSB. O fato de o candidato da situação, Danilo Cabral, não ter ganho e ficar em situação desfavorável nas 20 maiores cidades do estado é um indicativo de que o povo pernambucano não aguenta mais esse modelo de gestão que o PSB implantou aqui. Por outro lado, esse foi o candidato apoiado pelo ex-presidente Lula no primeiro turno em função das alianças construídas nacionalmente, que favoreceram o primeiro lugar de Lula nessa fase da disputa. Esse resultado do primeiro turno em Pernambuco indica também que o voto de Lula está diluído entre os eleitores que votaram nas mais diferentes possibilidades que estavam colocadas ao Governo do Estado. Ou seja, as duas candidatas que chegam ao segundo turno, Raquel e Marília, têm votos de eleitores que votam em cada uma delas e em Lula. Não dá para dizer o mesmo em relação a Bolsonaro. Os dados também indicam que a possibilidade de um segundo turno configurado localmente da mesma forma que está configurada a polarização nacionalmente não é muito provável. É mais difícil. Agora, o fato de Raquel ter saído na frente nas primeiras pesquisas de intenção de voto não é um indicativo de que isso vai se manter durante todo o mês da campanha. Inclusive porque a campanha está em curso e crescendo muito, tanto a de Raquel quanto a de Marília, mas também a de Lula, que está crescendo muito mais e que, agora, declarou voto em Marília.

PSB, PT, PCdoB e PDT, entre outros partidos, anunciaram o apoio à candidatura de Marília Arraes. Nessa sexta, Marília vai ter evento com Lula no Recife, que deve ser explorado no guia de rádio e TV e nas redes sociais. O quanto todos esses movimentos podem ser suficientes para garantir a casadinha de votos entre Lula e Marília no segundo turno?

Além dos partidos citados, também declararam apoio a Marília, o PSOL e o PCB, que são partidos de esquerda, e um conjunto de movimentos sociais, como o MST, o MTST, o Fórum de Mulheres de Pernambuco, a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, entre outros. Isso indica que o campo associado às lutas sociais e o campo de partidos políticos mais à esquerda todos declararam apoio a Marília, baseados na casadinha, no fato de que Lula apoia Marília e interessa para a eleição de Lula que se amplie a margem de votação do ex-presidente aqui em Pernambuco. Pra Lula, interessa ter um governo de Pernambuco que seja aliado no plano federal de seu governo por isso interessa apoiar a candidata que desde o primeiro turno estava manifestando apoio à sua candidatura, que tem uma trajetória de trânsito no campo da esquerda. Embora Marília hoje esteja no Solidariedade, ela já foi do PSB e do PT. Por outro lado, para Marília interessa nacionalizar a disputa em Pernambuco exatamente porque o presidente Lula foi muito bem votado no estado. Pra Raquel, tudo indica que não interessa nacionalizar. Em vídeos que estão circulando na internet com ela dialogando com eleitores em espaço que parece de mercado público, talvez a feira de Caruaru, ela revela que não tem nada contra Bolsonaro, portanto, se ela não tem nada contra, ela tem algo a favor. Mas ela já informou que não vai se posicionar na eleição pra presidente. Ou seja, não interessa pra Raquel nacionalizar, fazer a disputa casada. Afinal, Lula é o candidato com maior expressão no eleitorado pernambucano. Ela quer puxar o debate para as questões do estado. Mas aí ela precisava colocar em debate qual é o modelo de desenvolvimento para Pernambuco que quer apresentar? Quais são as políticas públicas que ela quer apresentar? Como é que ela entende a questão da inclusão das pessoas em situação de pobreza, das mulheres, do povo preto, do povo sem terra e sem casa no orçamento público do estado? Ao dizer que não apoia nenhuma das candidaturas pra presidente, Raquel expressa um apoio velado a Bolsonaro. A candidatura Bolsonaro é uma candidatura trabalhada em torno da desinformação, das fake news e também dos crescentes episódios de violência Então, na medida em que essa associação entre Bolsonaro e Raquel for feita, ela tende a ser fragilizada na disputa estadual. Uma outra consideração importante a fazer é a do fundamentalismo religioso. Na medida em que vários candidatos da extrema direita expressam apoio a Raquel e vão pra essa campanha, isso configura que, apesar dos bons modos e da aparência da candidata Raquel, ela expressa um campo político que é contrário às pautas da sociedade, às pautas dos movimentos sociais e da esquerda. Ou seja, ela está representando em Pernambuco uma articulação da direita tradicional com a extrema direita e com o fundamentalismo religioso que dá força a essa extrema-direita. Essa é uma variável importante também de ser levada em conta.

Pela primeira vez, temos duas mulheres disputando o segundo turno das eleições para o Governo. O que do ponto de vista programático e também de discurso político pode ser decisivo ou importante para a conquista do voto especificamente das mulheres – que são maioria entre os eleitores – nesse segundo turno? Acredita que as candidatas podem se comprometer com a agenda e as pautas feministas aqui no estado ou devem passar ao largo desse debate com receio de perder apoio de setores mais conservadores?

Eu diria que nenhuma das duas candidatas tem uma trajetória de vínculo com a agenda feminista, apesar de serem mulheres que ocupam esse lugar na política em função das conquistas históricas do movimento feminista. Penso que, pela atual situação do debate eleitoral, elas tendem a passar ao largo do debate feminista, não manifestar apoio às nossas pautas porque elas estão disputando entre si também setores mais conservadores, mais religiosos e tal. Todavia, eu acho que seria muito importante que a candidata Marília, que tem recebido apoio dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda, buscasse demonstrar algum compromisso nesse segundo turno com a agenda das pautas feministas, assim como com as pautas antirracistas, com as pautas do MST, do MTST, com as pautas antiproibicionistas, contra o genocídio da juventude negra, contra o encarceramento, pelos direitos das mulheres, pela legalização do aborto ou, pelo menos, pela melhoria do atendimento ao aborto legal na rede pública do estado. Porque se ela não fizer isso, a campanha pode torná-la muito semelhante à campanha da adversária. E como foi lembrando na primeira pergunta, Raquel saiu na frente nas primeiras pesquisas de intenção de voto e para que isso seja revertido é necessário que haja um diferencial da candidatura de Marília. Seria o momento de ela demonstrar que esse diferencial (do apoio de Lula e do campo progressista) faz sentido. Isso ajudaria a candidata a se diferenciar de Raquel e ampliar o empenho que esses movimentos já estão fazendo em levar o seu nome na campanha e apoiar o crescimento da sua possibilidade de vencer a eleição.

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República