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Crédito: Mariama Correia
Na entrada da escola municipal Maurício de Nassau, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, três homens com adesivos de um candidato abordavam eleitores no domingo (6), durante as eleições do Conselho Tutelar. Eles conferiam a seção e encaminhavam o votante para outra integrante da equipe, dentro do prédio.
Um carro e um táxi se revezavam no transporte dos eleitores para outros locais de votação daqueles que não estavam registrados nas 15 seções da escola. Quando os veículos paravam na porta, os cabos eleitorais do candidato Fábio Batista dos Santos, conhecido como Fabinho, sinalizavam: “É nosso!” e orientavam os motoristas sobre o destino. “Não estou recebendo dinheiro para fazer isso”, assegurou Severino Júnior, um dos motoristas, que disse ser parente do candidato.
Por telefone, o candidato Fabinho negou que tenha contratado serviços de transporte para as eleições. “Parentes e amigos, que aderiram à minha campanha, disponibilizaram seus carros para levar familiares para a votação. Não autorizei qualquer distribuição de material de campanha no dia da votação”, destacou.
Dentro da mesma escola em Casa Amarela, eleitores enfrentavam filas e dificuldades para votar. “Não encontraram meu nome”, queixou-se a aposentada Marluce José da Silva, que sempre participa da escolha. Na sua primeira votação para o Conselho Tutelar, o açougueiro Valter Costa não teve sorte. A urna eletrônica da seção dele quebrou atrasando os registros. “Pensei nas crianças da comunidade porque, se acontece alguma coisa, é ao conselheiro tutelar que a gente recorre”, disse enquanto aguardava na fila, explicando sua motivação para votar este ano.
Assim como Valter, muita gente saiu de casa no domingo para participar pela primeira vez das eleições do Conselho Tutelar, que aconteceram em nível nacional. No Recife, onde os votos ainda não foram contabilizados, a prefeitura já adiantou que o número de eleitores foi maior do que o registrado na última disputa, em 2016. Filas e desorganização foram relatadas em várias seções eleitorais.
De fato, em todo o país, a temperatura das eleições do Conselho Tutelar subiu este ano. Ao atacar as garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) defendendo, por exemplo, o trabalho infantil, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) pode ter causado o efeito reverso, colocando a missão de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes realizada pelos conselheiros tutelares em evidência, mobilizando mais eleitores e mais atenção da mídia para a disputa.
A eleição dos conselheiros também está mais politizada. A participação de políticos durante as campanhas não deixa dúvidas de que a influência territorial dos conselheiros tutelares está na mira de parlamentares e seus partidos, indicando que será usada no pleito municipal do próximo ano. Importante ressaltar que os conselheiros tutelares eleitos agora terão mandato de quatro anos, mas poderão ser reeleitos indefinidamente graças à lei assinada por Bolsonaro. Antes a recondução era permitida apenas uma vez.
Pautas conservadoras e religiosas também ganharam força nos slogans e nas falas dos concorrentes às vagas, assim como a influência ativa das igrejas evangélicas, elementos que têm atiçado o caldeirão da política brasileira. Pastor da igreja pentecostal Jubilando com Cristo, em Casa Amarela, Gilson Francisco foi à escola Maurício de Nassau para registrar seu voto na candidata Ellen Brito. Ele disse que Ellen chegou a participar de um culto na igreja, onde foi apresentada como candidata aos fiéis. “Conheço o trabalho dela, por isso apoio”, disse. Embora não tenha dados sobre a maior participação de evangélicos na disputa, a prefeitura do Recife registrou uma maior quantidade de documentos ligados à igrejas pentecostais nos registros de candidaturas este ano.
O transporte de eleitores por equipes de candidatos flagrado pela reportagem é proibido pelas regras que orientam a eleição do Conselho Tutelar. A disputa segue um regramento municipal e não as normas do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), como nas disputas para cargos do Legislativo e do Executivo. “Vários candidatos ofereceram algum atrativo em troca do voto, como dinheiro. Eu não aceitei de ninguém”, contou o trabalhador da construção civil Osvaldo Oliveira, que vota na Região Político Administrativa (RPA) 3, sem dizer nomes. Eleitores denunciaram a compra de votos com cestas básicas na RPA 6, mas não há registros que comprovem.
Apesar dos relatos de eleitores e da reportagem, o Comdica (Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente), órgão responsável pela votação, informou que nenhuma irregularidade foi registrada nas eleições do Recife até agora.
Entretanto, problemas técnicos e a desorganização foram marcantes. Muitas pessoas confundiram o local de votação, determinado a partir da seção das eleições normais. Algumas encontraram locais de votação fechados. Muitas das 360 urnas eletrônicas, desenvolvidas pela Empresa Municipal de Informática (Emprel), apresentaram problemas no Recife e, na maioria das seções, não havia técnicos para solucionar os problemas. O Comdica informou que os votos foram registrados manualmente nessas seções, sem prejuízo à votação, mas não detalhou quantos equipamentos apresentaram falhas.
Além dos problemas no Recife, por erros nas cédulas de votação, as eleições foram suspensas em Olinda, depois de denúncia do Ministério Público. A prefeitura local informou que aguarda divulgação de nova data pelo Conselho Municipal de Direito da Criança e Adolescente de Olinda (Comdaco).
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).