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Em Olinda, por enquanto, carnaval só para quem tem dinheiro

Giovanna Carneiro / 05/01/2022

Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo/Arquivo/2018

O anúncio do cancelamento do carnaval de rua de Olinda em 2022, feito pelo prefeito Professor Lupércio na manhã desta quarta-feira, surpreendeu alguns e trouxe preocupação para muitos. Com o aumento de casos de gripe e da expansão do contágio da variante Ômicron em Pernambuco, a rede de saúde do estado vive um momento de alta na busca por leitos de tratamento da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag). Diante da situação de risco, o gestor olindense afirmou que prefere priorizar a saúde de moradores e turistas e cancelou os festejos pelo segundo ano consecutivo. Quanto às festas privadas, o prefeito se absteve e afirmou que a realização de eventos de carnaval pagos dependem da determinação do governo do Estado, que ainda não se pronunciou.

Para o infectologista Bruno Ishigami, a permissão do carnaval privado e a proibição dos festejos de rua contradizem as ações de prevenção à pandemia e ao surto de gripe. “A partir do momento em que você proíbe festas públicas e possibilita a realização de festas privadas, é mais uma vez a desigualdade aparecendo de forma escancarada e dizendo que se você não tem dinheiro para ir a uma festa privada você não tem direito ao lazer”.

Na opinião de Ishigami, as medidas de prevenção só terão efeito positivo na contenção dos vírus respiratórios caso haja um aumento das restrições para o público em geral. “Hoje a gente já tem fila na UTI. A gente não tem tantos dados porque o sistema do Ministério da Saúde está fora do ar e isso compromete a nossa vigilância epidemiológica, mas a gente já consegue visualizar. Se tem fila de UTI significa que tem muito caso e a partir do momento que você permite a realização de uma festa de rua ou uma festa privada com milhares de pessoas você favorece a transmissão e vai sobrecarregar ainda mais o serviço de saúde”.

De acordo com a Secretaria de Saúde de Pernambuco, até o dia 4 de janeiro, 143 pessoas estavam na fila de espera da UTI e 122 pessoas esperavam por um leito de enfermaria.

No início da noite desta quarta-feira, a Prefeitura do Recife também anunciou a suspensão do carnaval de rua em 2022, mas ainda não deu detalhes sobre o planejamento de assistência à cadeia produtiva da festividade.

Trabalhadores prejudicados por mais um ano

O carnaval de Olinda é conhecido como um dos maiores eventos de rua do Brasil e conta com a presença de milhares de turistas. A festa é responsável pela geração de renda de parte da população olindense e mesmo da Região Metropolitana do Recife. São vendedores ambulantes, músicos, produtores musicais, catadores, camelôs e outras diversas atividades econômicas realizadas no período carnavalesco que garantem a segurança financeira para diversas famílias. Portanto, o que para muitos pode ser mais um ano sem poder frevar nas ruas para outros significa não ter alimento no prato nem dinheiro para suprir outras necessidades básicas.

A fim de amenizar os impactos econômicos do cancelamento da festa, o prefeito de Olinda anunciou um auxílio emergencial destinado aos profissionais que atuam no carnaval. Ao todo, serão distribuídos R$ 3 milhões divididos em dois eixos. O primeiro eixo contempla artistas, agremiações, grupos e catadores cadastrados em cooperativas de reciclagem. Já o segundo eixo será destinado a concepção e execução de festivais, que serão selecionados através de um edital.

Os detalhes de distribuição da verba ainda serão divulgados, mas, tudo indica que o modelo utilizado em 2021 será mantido, o que preocupa os trabalhadores, uma vez que, tanto o número de pessoas contempladas quanto o valor do dinheiro distribuído é muito baixo se comparado ao que seria faturado no carnaval. Os artistas, por exemplo, receberam apenas 30% do cachê pago no carnaval de 2020, com o valor limite de R $10 mil. Já os catadores receberam R $250 cada.

“Ano passado a gente não recebeu o auxílio, mas esse ano eu espero que a gente consiga. Infelizmente o valor é muito baixo para uma banda que tem nove pessoas, fora o pessoal da produção, mas pelo menos já é alguma coisa para ajudar quem está sem trabalho”, afirmou Mamão Xambá, músico da banda Abê Adu Lofé.

O artista afirmou ainda que precisou vender alguns equipamentos para conseguir se manter na pandemia e que a saída tem sido tocar em festas privadas. “Eu toco em festas privadas, mas pequenas, para 100 ou 200 pessoas. Meu medo é que a prefeitura queira barrar até essas festas menores, porque essas eles barram, mas aquelas festas grandonas que o ingresso custa R$ 500 e acontece nas áreas mais nobres eles deixam”, disse.

Circuito de festas privadas

Muitas festas privadas de grande porte, que já são conhecidas do público pernambucano e acontecem nos períodos pré-carnavalesco e carnavalesco, já estão confirmadas e com ingressos à venda, entre elas: Camarote Olinda, Carvalheira na Ladeira e Olinda Beer.

Utilizando a justificativa que as festas privadas contam com uma fiscalização maior e cobram o comprovante de vacinação dos participantes, boa parte da população acredita que os eventos pagos acontecerão normalmente, apesar do alerta feito por médicos e especialistas para o aumento do contágio e da ocupação de leitos em hospitais das redes pública e privada.

“O comprovante de vacinação é um argumento fantasioso, eu diria, porque não existe esse controle e, além disso, já tiveram outros eventos na Europa com a população adequadamente vacinada, testada e ainda assim houve transmissão do vírus. A gente precisa entender que a função da vacina enquanto estratégia preventiva é evitar casos graves e óbitos, sozinha ela não contém o contágio, e até pode conter, mas só quando tivermos mais de 90% da população totalmente vacinada”, declarou Bruno Ishigami.

“A gente já passou da hora de avaliar a realização de novas restrições, se a gente for comparar o cenário que a gente tem hoje de fila de UTI, a gente vai perceber que em outros momentos da pandemia, com essa mesma quantidade de pacientes na fila, a gente tinha restrição de aglomerações de forma significativa”, reforçou o infectologista.

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Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.