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Em resposta às ameaças do governo Bolsonaro, candidaturas indígenas crescem 32%

Maria Carolina Santos / 29/08/2022
Em primeiro plano, porém levemente desfocada, o aviso uso exclusivo de parlamentares na lateral de uma tribuna onde uma jovem mulher indígena de cabelos pretos compridos ocupa a porção direita da imagem. Ela aparece dos ombros para cima, usando um cocar de penas amarelas, laranjas e vermelhas, vestindo uma blusa ou vestido de tecido laranja.

Crédito: Liar Bianchini/APIB Comunicação

As candidaturas indígenas no Brasil tiveram um aumento de 32% em relação a 2018, mostra uma pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o coletivo Common Data. Do total de 27.951 candidaturas registradas para as eleições deste ano, 172 pessoas se autodeclaram indígenas no Brasil. Numericamente, são 42 candidaturas a mais que em 2018.

Considerando a proporção de indígenas entre todas as candidaturas, houve um aumento de 0,47% para 0,62%. Parece pouco, mas é um aumento significativo porque mostra que os indígenas estão com representação porporcional à população nessas eleições. No censo de 2010, o IBGE indicou que 896.917 indígenas vivem no Brasil, equivalente a 0,5% da população brasileira.

Essa representação, porém, não acontece em todas as regiões do Brasil. As candidaturas estão concentradas na região Norte (41,86%) seguido por Nordeste (20,34%), Sudeste (19,18%), Centro-Oeste (11,04%) e Sul (8,72%) . Ainda segundo o Censo de 2010, dos 896.917 indígenas que vivem no Brasil, 342.836 estão na região Norte (38,22%); 232.739 (25,94%) no Nordeste; 143.432 no Centro-Oeste (15,99%); 99.137 no Sudeste (11,05%) e 78.773 no Sul (8,78%), o que revela como a população indígena principalmente no Nordeste e no Centro-Oeste ainda segue sub representada em termos de candidaturas.

Em relação aos estados, o destaque é para Roraima, com 27 candidaturas, e Amazonas, com 18. Pernambuco tem 8 candidatos e candidatas autodeclarados indígenas, o maior número do Nordeste. Alagoas e Goiás aparecem no estudo negativamente como os estados com menor número de candidaturas indígenas, apenas uma em cada estado.

Para o coordenador executivo da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme), Sarapó Pankararu, os quase quatro anos de governo Bolsonaro, e de ataques à causa indígena, foram um alerta. “Percebemos a necessidade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Apoinme de dialogar para que a gente pudesse colocar nomes nossos na politica, para buscar esses espaços de poder e de representação. Para que possamos ter a nossa voz dentro do congresso e das assembleias legislativas”, afirmou, em entrevista à Marco Zero. “Um exemplo muito claro de perseguição que nós indígenas sofremos é o caso do cacique Marcos Xucuru, que foi eleito em Pesqueira e foi perseguido desde sempre, não podendo assumir a prefeitura”, disse.

No começo deste mês, o TSE confirmou a inelegibilidade do cacique Marcos Xukuru e determinou novas eleições em Pesqueira (PE). Ele foi impedido de assumir o cargo por conta de uma condenação de 2015 na Justiça Federal por crime contra o patrimônio privado, no incêndio de uma residência particular em 2003, depois de ele ter sofrido um atentado e quase ter sido morto em um dos episódios da histórica disputa por terras no território indígena.

Mobilização contra Marco Temporal em Brasília nos meses de abril e maio de 2022. Crédito: Hellen Loures/Cimi

Nestas eleições, o movimento indígena em Pernambuco fez uma articulação forte para uma candidatura coletiva com representantes, incluindo dois caciques, de cinco etnias: atikum, fulni-ô, pankararu, kambiwa e truká. A candidatura se chama Coletivo Indígena de Pernambuco, é para a Assembleia Legislativa e sai pelo partido Rede Sustentabilidade. “É a forma que estamos vendo de conseguir espaço, de ter garantia de fala e de que vai ter alguém como nós, que sente as mesmas dores. Temos pensado que nós mesmos temos que estar nos espaços de diálogo, de poder, onde se decide as coisas. Aqui em Pernambuco a Assembleia Legislativa é um local que decide a política do nosso estado e a gente precisa estar lá, sendo nós mesmos os protagonistas da nossa história” diz Sarapó.

É nas assembleias estaduais que se encontram o maior número de candidaturas indígenas, segundo a pesquisa Inesc/Common Data. Quase 60% (59,88%) são para deputado(a) estadual e 31,97% para federal (31,97%). O número de indígenas é mínimo ou inexistente para cargos majoritários: não há nenhum candidato ou candidata para a presidência, apenas uma vice-presidente, duas candidaturas ao senado e duas a um governo estadual, com quatro candidaturas à vice-governador(a).

Maioria escolheu partidos de esquerda

A pesquisa na base da dados do TSE também mostrou que das 172 candidaturas de pessoas indígenas, 98 estão concentradas em partidos de esquerda (56,97%). Com 24 candidaturas, o PSOL ocupa o primeiro lugar entre os partidos, seguido do PT (22). O PCB e o Unidade Popular, no campo da esquerda, são os partidos com menos indígenas entre os candidatos, ambos com apenas uma candidatura. Os partidos de centro lançaram 19 candidaturas indígenas (11,04%), concentradas no PROS, que lançou 06 candidatos e candidatas. Já na direita, foram 55 candidaturas indígenas (31,97%), com destaque para o PL, partido do presidente Bolsonaro, com 11 nomes.

Ainda que os homens sejam a maioria, a equidade fica a poucos percentuais: são 82 (47,67%) mulheres candidatas e 90 (52,32%) homens candidatos. É um percentual de mulheres bem acima do total de candidaturas, onde as mulheres correspondem a apenas 33,5% das candidaturas.

Há, porém, um fator observado na pesquisa: o maior percentual de suplentes e vices é de mulheres indígenas. São 6 mulheres (ou 7,41%) na condição de suplente ou vice. “É um percentual muito maior do que encontrado em outros estratos de gênero/raça: a média, geral de suplentes em relação a raça é de 2,45%. Essa discrepância entre a média de suplentes/vice mulheres indígenas e a média de suplentes/vice geral possibilita a leitura que a candidatura de mulheres indígenas ainda não são prioridade dos partidos”, diz trecho da nota técnica do Ines/Common Data.

O estudo destaca também que duas candidatas indígenas ao Congresso Nacional utilizaram nas suas candidaturas o seu nome social. São candidaturas ideologicamente opostas: a tenente Silvia Waiapi (PL), do Amapá, é apoiadora de Bolsonaro, e Indinarae Siquieira (PT), do Rio de Janeiro, é uma ativista da causa trans.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org