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Entenda a PEC da “privatização das praias”

Marco Zero Conteúdo / 28/05/2024
A foto retrata uma cena movimentada na praia, com várias pessoas e guarda-sóis coloridos espalhados pela areia. Ao fundo, um aglomerado denso de prédios altos se ergue próximo à linha da costa, criando um contraste marcante entre o cenário natural da praia e o desenvolvimento urbano. O céu está limpo, com poucas nuvens, sugerindo um dia ensolarado perfeito para atividades na praia. Essa imagem é interessante, pois mostra a interação entre o lazer humano e a vida urbana moderna, tudo isso em meio a um ambiente natural à beira-mar.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

por Wanessa Oliveira, da Mídia Caeté

Mais uma vez, o parlamento brasileiro se debruça sobre um projeto legislativo que tenta privatizar as praias. Nesta segunda-feira, 27, o Senado Federal promoveu audiência pública para debater a proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a transferência de propriedade de terrenos da Marinha – ou seja, do litoral brasileiro –  para estados, municípios e proprietários privados.

De autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jody (Cidadania-PA), a PEC chega ao Senado sob relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Por todos os lados, o Projeto vem sendo considerado um retrocesso, abrindo espaço para a boiada da especulação imobiliária em territórios que deveriam ser protegidos constitucionalmente, o que pode agravar ainda mais o racismo ambiental contra os povos das águas (comunidades pesqueiras, ribeirinhas, etc), e aprofundar catástrofes ambientais em um contexto em que as mudanças climáticas ocupam o cerne do debate sobre a segurança da humanidade. Até a noite desta segunda, 27, a consulta pública no site do Senado – que você pode visualizar e votar clicando aqui – apontava uma rejeição impactante à proposição com 55.645 votos contrários à PEC e apenas 917 favoráveis.

O técnico da Divisão de Praias da Gestão de Territórios Costeiros e Marginais (CGMAR), da Secretaria do Patrimônio da União, João Azevedo, elucidou algumas informações que explicam a PEC – e o porquê de dizer não a essa proposta.

O que são os Terrenos de Marinha?

No Decreto-Lei 9.760, 1946, os Terrenos de Marinha se estendem por uma faixa de 33 metros medidos a partir da Linha Preamar Médio (LPM) de 1831, nas áreas com influência das marés. Além disso, os terrenos de marinha se constituem ainda em importante transição entre a praia (bem público de uso comum do povo) e terras alodiais (privadas, ainda que possuídas, ou eventualmente devolutas), em face das suas possibilidades de enquadramento na condição de uso comum do povo ou dominial.

Por que a União tem de continuar com a propriedade dos Terrenos de Marinha?

Como os Terrenos de Marinha se localizam no pós-praia, para o lado continente, frequentemente sobrepostos com áreas de grande importância ambiental e densamente povoadas hoje (2024) que após a grande crise climática no Rio Grande do Sul, a União por meio da SPU de forma transversal com Ministério do Meio do Ambiente e do Clima e Ministérios das Cidades poderá com a propriedade dos Terrenos de Marinha contribuir na gestão patrimonial e ambiental para evitar estes riscos climáticos e sociais que ocorrem na costa marítima brasileira:

1. risco de alteração da dinâmica/perda na biodiversidade costeira e marinha (ecossistemas, espécies e diversidade genética)

2. risco de perda dos serviços ecossistêmicos, turísticos e bem-estar humano;

3. risco da alteração do modo de vida e usos do espaço e recursos naturais da sobrevivência das comunidades tradicionais, a exemplo, dos pescadores, marisqueiros e quilombolas e demais grupos minoritários que vivem das atividades oriundas do mar para subsistência e criação cultural;

4. risco de danos às infraestruturas presentes nas zonas costeiras (portos, aeroportos, usina nuclear, ferrovias, hidrovias e rodovias).

Estado ou mercado: quem é o melhor gestor dos Terrenos de Marinha?

A tese equivocada da interpretação da economia neoclássica (neoliberalismo) do pós Segunda Guerra Mundial (1945) que só o mercado (indivíduos e agentes privados) resolve todas as falhas do Estado (tido como gastão e corrupto) e assim promove uma gestão eficiente para distribuição da riqueza, repetida e vendida como a solução no caso da transferência para o particular da gestão dos Terrenos de Marinha, não é decisão certa e estratégica.

O Estado brasileiro, segundo a Constituição de 1988, deve ser o verdadeiro responsável pela gestão dos Terrenos de marinha para defesa do acesso gratuito e livre às praias (bem de uso comum do povo), para proteção ambiental e para garantia da sobrevivência econômica, social e cultural das comunidades tradicionais.

Se não fosse a insistência do Estado brasileiro na Nova República Federativa de 1988 em se tornar um líder, articulador e coordenador do território, da população e da economia no país, estaríamos subordinados à ganância e às falhas do mercado.

Se dependesse só do mercado ele faria, o que já se faz na clandestinidade, comercialização de órgãos humanos e tráfico de crianças, bem como, a desigualdade de oportunidade, renda, gênero e raça dentro da legalidade institucional brasileira. É assim muito importante, que Estado Brasileiro continue como grande responsável pela gestão dos Terrenos de Marinha como uma grande defesa estratégica para proteção territorial e ambiental de mais de 60% (segundo o IBGE) da população brasileira que vive defrontes do mar, na costa de mais 10.000 quilômetros ao longo do oceano Atlântico.

A foto mostra um canteiro de obras em uma área de praia. Existem vários prédios inacabados com estruturas de concreto expostas, cercados por andaimes e materiais de construção. Os edifícios estão em diferentes estágios de conclusão, alguns possuindo apenas a estrutura básica, enquanto outros já têm paredes e parte do telhado instalados. Uma cerca azul percorre o perímetro da área de construção, separando-a da praia de areia. Ao fundo, há palmeiras e outras vegetações tropicais, além de um céu claro com poucas nuvens. O oceano é visível em um dos lados da imagem, com ondas suaves chegando à costa.
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
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Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

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