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Crédito: Arquivo pessoal
“Recebi muitas coronhadas na cabeça, passei uma semana sentindo dor e com a cabeça inchada”. Douglas Gomes, de 23 anos, foi um dos quatro detidos no ato do dia 29 de maio, no Centro do Recife. O entregador foi outra vítima da PM que não sabia que aconteceria um protesto e não participava da manifestação daquele dia, mas, enquanto passava de bicicleta pela Ponte Duarte Coelho, foi atingido por uma bala de borracha e imobilizado pelos policiais do Batalhão de Choque.
Douglas foi ao centro da cidade apenas para pegar um videogame que estava na assistência técnica e não imaginava que seria recebido por balas de borracha e bombas de efeito moral. Ele afirmou que passou pelos manifestantes na Conde da Boa Vista e seguiu tranquilamente, mas, quando chegou à ponte, foi surpreendido pela ação dos policiais.“Uma das balas pegou na minha perna e eu vi na hora que a bala pegou no olho do senhor que estava com a camisa branca, aí ele caiu no chão e as pessoas começaram a tentar tirar ele de lá, mas os policiais continuaram atirando e jogando bomba”, relatou.
O senhor de camisa branca referido por Douglas é Daniel Campelo, autônomo de 51 anos que perdeu o olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha atirada por policiais.
Depois de presenciar tamanha violência, Douglas ficou em choque e pensou em reagir, mas disse que não teve tempo de realizar a ação. “Na hora que eu vi um monte de tiro, gás, bomba, o senhor estirado no chão sem ninguém pra socorrer, a minha reação foi pegar alguma coisa pra me defender. Então, eu segurei uma pedra e ameacei jogar, mas nem deu tempo, quando eu vi, os policiais já estavam em cima de mim, me batendo muito”, disse.
isso aconteceu perto de meio-dia e foi a primeira sessão de espancamento a que foi submetido pelos policiais naquele sábado. “Os policiais já vieram batendo em mim e disseram que quando eu chegasse na delegacia ia apanhar mais”, revelou Douglas.A violência continuou por horas. O entregador foi algemado no momento da detenção e só foi solto por volta das 17h30, após prestar depoimento ao delegado Ednaldo Araújo, na Central de Flagrantes da Polícia Civil.
Antes disso, Douglas testemunhou de perto outras ações abusivas dos policiais contra os manifestantes enquanto estava preso na viatura:
“Eles [policiais] já chegaram batendo em mim, dizendo que eu estava jogando pedra e já me colocaram em uma viatura e a minha bicicleta na outra. Eles ficaram rodando pela cidade. Eu vi no momento que eles dispararam mais balas contra os manifestantes que não estavam fazendo nada. Também vi o momento que passaram pela vereadora [Liana Cirne] e jogaram spray de pimenta no rosto dela. Eu estava dentro da viatura. Só depois disso foi que eles seguiram para a delegacia”.
Ao chegar na delegacia, o entregador, que estava com um ferimento na perna, causado por uma bala de borracha disparada pelos policiais, permaneceu algemado em um corredor e não pôde ir ao banheiro ou beber água. Douglas demorou para ser entregue pela Polícia Militar à Polícia Civil, o que dificultou o contato com a advogada que o representa, Fernanda Borges, que só conseguiu falar com ele horas após a chegada do detido à delegacia.
Os policiais militares acusaram o entregador de atirar pedras contra a viatura e o delegado imputou os crimes de desacato, desobediência e dano ao patrimônio público ao detido. No momento do depoimento, Douglas disse que pensou em revelar as agressões que tinha sofrido pelos policiais, mas optou pelo silêncio: “eu fiquei com medo de dizer isso, porque eles podiam bater mais em mim”.
Douglas assinou o Boletim de Ocorrência e, após o pagamento da fiança, foi liberado e segue em liberdade aguardando uma decisão judicial para saber os rumos do processo criminal que corre em seu nome.
O delegado quis estipular uma fiança de R$ 5 mil ao entregador, mas após o apelo da advogada, o valor estabelecido foi de R$ 1 mil. Para Douglas, um custo alto demais e impossível de ser desembolsado.
“Eu jamais teria condição de pagar mil reais. Eu não tenho nem um trabalho de carteira assinada. Se não fossem as advogadas e os políticos que estavam lá na hora pra pagar por mim eu ainda estaria preso”, declarou o entregador.
Casado e pai de duas filhas, Bruna, de três anos e Eloá, de dez meses, Douglas sustenta a família com a renda recebida pelas entregas e pelos serviços de alvenaria prestados esporadicamente. “Ultimamente as coisas não estão muito boas pra mim não. A pandemia aumentou o número de desempregados e muitos começaram a fazer entrega. A concorrência ‘tá’ grande e o lucro ‘tá’ fraco”, disse.Para seu alívio, a bicicleta com que faz as entregas, acabou sendo devolvida pelo delegado.
O autônomo não conseguiu terminar o ensino médio porque precisou começar a trabalhar muito cedo e hoje sente dificuldade em conseguir um emprego de carteira assinada devido a falta de formação. Douglas, que está fazendo bico como pedreiro, aproveitou a entrevista e pediu ajuda para conseguir um emprego formal, ou a sua contratação para prestar serviços de entrega ou alvenaria.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.