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Crédito: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados
A audiência pública realizada pela Câmara Federal sobre as ameaças contra as escolas, na noite de quarta-feira, 19 de abril, juntou especialistas, educadores e autoridades que tentam desconstruir o pânico alimentado nos grupos de whatsapp de pais de estudantes de todo o país. Durante a sessão especial da comissão de Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) disse estar otimista com os rumos das providências que estão sendo tomadas pelo Governo Federal e avisou que “o Brasil não pode aderir ao pânico”.
Cara foi um dos coordenadores do grupo multidisciplinar que, durante o período de transição realizada após a vitória de Lula nas eleições presidenciais, elaborou um relatório com recomendações para evitar ataques de grupos extremistas nas escolas, cujo conteúdo foi revelado pela Ponte Jornalismo, parceira da Marco Zero, em dezembro do ano passado.
Na época em que o documento foi entregue aos coordenadores da transição, o Brasil contava 16 ataques com 36 mortes e 72 feridos. Hoje, são 20 ataques, com 41 assassinatos e 82 pessoas feridas.
Os participantes da audiência, convocada pelos deputados pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Ana Paula Lima (PT-SC), alertaram que o pânico e a urgência estão concentrando as discussões em torno de instalação de equipamentos, segurança armada, construção de muros altos, cercas elétricas e grades nas janelas. Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB), outra coautora do relatório sobre o assunto, foi categórica:
“Detectores de metal e guarda armada não irão evitar o extremismo de direita. Esses jovens querem o confronto, por essa razão os equipamentos de segurança vão tornar as escolas alvos ainda maiores. Nos Estados Unidos, essa estratégia não evitou nada”, afirmou.
Isabel Seixas de Figueiredo, diretora do Sistema Único de Segurança Pública do Ministério da Justiça, apontou outros problemas que esses recursos podem provocar. “Um muro alto impede que a polícia veja o que acontece lá dentro; grades não permitem fugas pelas janelas em caso de ataque. Medidas adotadas às pressas podem piorar as coisas”, resumiu.
As recomendações que constam no relatório elaborado na transição adotam uma linha completamente diferente. “A lógica é não transformar a escola em presídio, a melhor prevenção é um ambiente saudável e democrático. Na segurança pública há consenso de que ambientes degradados promovem a violência”, explica Daniel Cara. Segundo ele, o documento não limitou-se a fazer 16 recomendações, mas “criou um fio lógico apontando o caminho para materializá-las”.
Inicialmente, os coautores do documento esclarecem que o fenômeno não se trata de violência “nas” escolas, mas sim de violência “contra as escolas”, mobilizada pelo neonazismo e fascismo.
Ou seja, não se trata de algo genérico, sem responsáveis, mas situações geradas pelo avanço do extremismo, da desinformação, da pregação do ódio e do culto às armas de fogo que tomaram conta do país com o bolsonarismo. Esse ponto foi enfatizado por outros participantes, a exemplo da professora Catarina Santos e o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves.
Cara explicou que as recomendações devem subsidiar protocolos de segurança nas escolas brasileiras, das creches municipais às universidades. De acordo com Josenanda Franco, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), os cursos para viabilizar a concretização disso nos estados e municípios começam ainda em abril.
Em seguida, o Ministério da Educação deverá realizar um seminário internacional para que gestores públicos de todos os estados possam conhecer e compartilhar iniciativas bem sucedidas, como a da Noruega, focada em retirar jovens dos grupos de ódio, ou do Observatório de Segurança Escolar de Diadema, em São Paulo. O último ponto do relatório seria a promoção de campanhas de mobilização social para retirar jovens cooptados pelos grupos extremistas.
O otimismo de Daniel Cara, mencionado no início deste texto, está assentado no fato de, pela primeira vez no mundo, um Governo Federal e outras esferas governamentais nos estados e municípios estarem prontas para desenvolver uma ação integrada para combater esse tipo de violência.
Os jovens e adolescentes atraídos pelo extremismo já se escondem nas profundezas da deep web para arquitetar seus crimes. Massacres são combinados quase à luz do dia em comunidades no Twitter e Tik Tok. Quem explicou o funcionamento desses grupos de “glorificação de assassinos, atiradores de escola e supremacistas brancos” foi a jornalista Letícia Oliveira, especialista em monitoramento online de grupos de extremistas.
Leticia detalhou os resultados de três ações de monitoramento. O primeiro, de Sofia Schurig, do site Núcleo Jornalismo, que durante quatro meses acompanhou as atividades de uma comunidade de jovens “sectarizados” (termo adotado pelos estudiosos do tema no lugar de “radicalizados” e que define aqueles que se tornaram intolerantes e intransigentes em razão do fanatismo) nas plataformas digitais. As postagens desse grupo – em português, inglês, espanhol e russo – geraram, pelo menos, 340 milhões de visualizações.
Schurig localizou postagens ligadas à preparação dos ataques às escolas em Vitória (ES), em agosto de 2022, e em Barreiras (BA), no mês seguinte.
O monitoramento feito pela própria Letícia, junto com outras duas pesquisadoras, identificou 225 contas no Twitter com imagens, vídeos e frases homenageando assassinos e estimulando novos massacres. “Desses perfis, 56 foram suspensos pela plataforma, 40 estavam fechados para o público, porém ainda ativos, e 132 permaneciam abertos e ativos”, relatou a jornalista.
De acordo com Letícia, sem serem incomodados pelos moderadores do Twitter, estavam nessas comunidades os perfis dos adolescentes e jovens responsáveis por quatro ataques e uma tentativa (em Vitória; Barreiras; Escola Thomázia Montoro, em São Paulo; Manaus e Santa Terezinha de Goiás).
Por fim, foi apresentado o resultado do monitoramento realizado pela Agência Lupa, publicado nesta quarta-feira comprovando que uma ação organizada, com perfis que se somaram àqueles monitorados por Letícia Oliveira e Sofia Schurig, geraram as ameaças às escolas a partir de domingo, 9 de abril, para gerar pânico na população.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.