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Especialistas advertem: eleições podem fazer mal à saúde

Débora Britto / 18/10/2018

Uma sensação de sufocamento, falta de ar, angústia, insônia, aperto no peito, ansiedade, medo, pânico, paralisia e sentimentos de desesperança acompanharam diversas pessoas nas semanas que antecederam o primeiro turno das eleições. Com a proximidade do segundo turno, a confirmação da polarização que vinha se formando no país têm agravado estes sintomas e propagado um mal-estar generalizado entre as pessoas envolvidas nos debates políticos e, principalmente, entre as que se veem na mira do discurso de ódio proferido por Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República.

Antes, de alguma forma, havia uma separação entre o que era tratado como “relações pessoais” e como “política”. Isso parece ter acabado para boa parte da população, tomando outras proporções, atingindo diversas pessoas. O adoecimento psicológico, fruto dessa tensão, tem reflexos no corpo. Não faltam nas redes sociais relatos de pessoas que estão em sofrimento. Em sua maioria mulheres, pessoas que fazem parte da sigla LGBT, pessoas negras e também pessoas que não sabem como agir em meio ao caos de informações, mentiras e acusações na internet, grupos de Whatsapp e também nas famílias e nos ambientes de trabalho.

É o caso de Maria*, recifense, que vem tomando remédios para dormir por causa da ansiedade. “Tenho tentando fazer caminhadas todos os dias, tenho tentando tirar da cabeça o assunto, mas confesso que não tenho tido muito sucesso. Mas logo, logo isso acaba, para bom ou ruim”, conta. Acompanhada por um médico, ela explica que mais do que uma sensação, sua doença é real e piorou com o cenário político.

“Eu estou realmente abalada! Na hora do almoço meu chefe veio na minha sala explicar porque ele ia votar no coiso… eu tive outra crise de ansiedade e tomei um remédio para controlar a arritmia… a doença é real. Eu queria ser ignorante, e não pensante, para conseguir sobreviver a tudo isso”, relata.

Como ela, diversas pessoas compartilham a sensação de não saber o que fazer e dizem se sentir adoecidas pela possibilidade da vitória de um candidato que direta ou indiretamente ameaça suas vidas.

Um espaço de psicologia no Recife deu início a um plantão durante o mês de outubro. A ideia surgiu devido às demandas urgentes de pacientes que procuraram ajuda psicológica devido ao contexto de incertezas, apreensão e medo relacionados às eleições. Lucas Sobreira, psicólogo e psicanalista que vem atendendo no plantão psicológico do espaço Igarapé, conta que são diversos os casos de pessoas que não sabem como lidar com a tensão do cenário político brasileiro. “O que tem surgido no consultório é medo. As pessoas estão assustadas, ansiosas. Existe muito mais medo nas minorias, mas também existe medo do lado de lá. No momento em que virou dicotômico, questão de bem ou mal, todos as lados têm o bem e o mal”, diz.

O impacto da ascensão de uma figura como Bolsonaro, segundo ele explica, rompe com o pacto civilizatório e autoriza que outras pessoas espelhem atos de violência nos seus ambientes. “Ele se autoriza a falar do que quiser e ele não sofre nenhuma sanção, nem ética nem jurídica. Essa autorização vai aos poucos autorizando os outros a serem violentos. O processo de civilização e socialização é de entender que você não pode tudo. A ascensão de Bolsonaro foi uma ascensão de quebra de valores morais e éticos que regiam uma sociedade”, explica Lucas. Para quem observa isso acontecer, o sentimento de total desproteção é quase inevitável.

[pullquote]Comparado com o presidente norte-americano Donald Trump – antes em tom de piada, recentemente como um alerta – a candidatura de Bolsonaro à presidência da República tem afetado as pessoas de diversos modos. Nos Estados Unidos, uma publicação analisou o efeito da eleição de Donald Trump sobre a saúde mental de americanos que fazem parte de grupos atingidos pela política adotada pelo presidente americano e apontou que a eleição fez milhares de pessoas reviverem traumas.

Segundo os relatos, a eleição de Trump significou que vários americanos aceitam comportamentos que, em algum momento, motivaram abusos e causaram traumas em diversas pessoas. “A eleição por si só acendeu uma memória diferente: de sofrer abusos enquanto todas as outras pessoas diziam que estava tudo bem”, cita o artigo.[/pullquote]

Angústia generalizada

“Só tenho escutado demanda de sofrimento com relação o cenário político do Brasil. Eu percebo sintomas que a pessoa nem consegue identificar como uma crise de ansiedade generalizada, com a pessoa sem conseguir dormir, buscando medicação de forma autônoma, às vezes sem fazer contato comigo”, conta a psicóloga clínica e social e professora universitária Etiane Oliveira.

Ela conta que a mudança nos relatos de pacientes foi percebida também por outros profissionais. “Claramente é um público que está marcado pela configuração das minorias, são mulheres, gays, mulheres negras assustadíssimas”, relata. Uma paciente ficou impossibilitada de trabalhar devido ao sofrimento causado por esta tensão. “Para ela, o grande desafio seria se manter saudável nesse cenário para cuidar de outras pessoas” diz.

“É um novo sofrimento que está chegando na clínica. Talvez em outros países que tenha uma situação de colapso político isso seja uma demanda frequente, mas aqui não é”, conta a psicóloga, que atende em clínica há 20 anos. Em um dos dias mais cheios de atendimento, a profissional não contabilizou nem uma pessoa que não tenha citado a situação política na sessão.

Há também casos de famílias com integrantes gays que, ainda assim, declaram apoio a Bolsonaro. “As pessoas estão se sentindo muito ameaçadas pelos vínculos mais próximos, que é o que tem demarcado ainda mais o sofrimento. A sensação de desamparo é muito grande”, observa Etiane. Em geral, ela relata que são mães preocupadas com situação de filhos, mulheres negras e gays, principalmente os que têm uma expressão da sexualidade mais livre que, segundo ela, já estão sofrendo ataques pelas redes sociais.

Para o psiquiatra e psicanalista Evaldo Melo de Oliveira, há dois aspectos de sofrimento com relação à política brasileira que chamam atenção nos diversos casos que têm recebido em seu consultório: um é o que ele chama de esgarçamento das relações afetivas, sociais, profissionais e familiares com polarização da política. O outro é a angústia existencial com a própria condição.

A incerteza com o próprio futuro acomete tanto pessoas mais velhas quanto jovens, explica o psiquiatra. “O sentimento do tempo perdido é mais frequente nas pessoas acima de 50 ou 60 anos que viveram o processo da ditadura ou o final dela – e não estou falando de pessoas que foram presas. Quando essas pessoas de repente se veem na expectativa de vivenciar algo semelhante isso provoca uma desestabilização emocional severa”, comenta.

Nos jovens, o que acontece muitas vezes é ruptura da ideia de viver em uma sociedade estável. “A radicalização traz a sensação de instabilidade institucional e isso mexe muito não só com imaginário, mas também com o real”, ele explica. Como resultado desses sofrimentos motivados por uma condição externa, sintomas como estresse, angústia, ansiedade e, em algumas pessoas, movimentos depressivos vêm sendo observados por profissionais que trabalham diariamente com a saúde mental.

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Segundo Evaldo, o impacto deste adoecimento tende a agravar, mas pode impulsionar outras respostas que fortaleçam as pessoas. “Quando o medo se transforma em realidade ele ganha uma força, porque o medo anterior era só a expectativa. O interessante é que diante de uma pressão psicológica a mente usa de artifícios de tentar minimizar o mal. Por um lado, há um momento em que o medo é avassalador. Por outro lado, a pessoa talvez tenha sensação de que não seja tão ruim assim. É uma tentativa de se consolar”, explica.

Quem são as pessoas mais afetadas

Lucas Veiga, psicólogo e mestre em psicologia que estuda o impacto do racismo na população negra, acredita que, independentemente do resultado das eleições, os efeitos do clima que tomou o país serão prolongados e continuarão a debilitar pessoas que se veem na mira dos discursos de ódio insuflados por Bolsonaro.

“O clima de ameaça a negros, mulheres e lgbts está muito intenso. Crises de ansiedade e humor deprimido são algumas das respostas do psiquismo a essa atmosfera de violência. Evidentemente que uma vitória de Haddad colocaria a questão em outros termos e produziria certo alívio, mas a tensão já está instaurada e será um trabalho coletivo desmontá-la”, explica.

Sofrimento tanto para “esquerda” como para “direita”

Para Evaldo, a sua experiência mostra que mesmo pessoas com ideologia à direita, com perfil conservador, também têm expressado angústia com o momento político. “Mesmo no espectro da direita existem pessoas sensíveis que mesmo defendendo a questão do estado mínimo, do conteúdo liberal, pessoas que são mais conservadoras nos seus costumes também estão angustiadas pois dizem saber que essa direita que está prestes a assumir não as contempla”, conta.

Do mesmo modo, pessoas no campo da esquerda sofrem pelo que o médico chama de “frustração do sonho” que, em algumas pessoas, poderia se tornar ódio. Caso que pode ser exemplificado com antigos eleitores do Partido dos Trabalhadores que hoje declaram voto em Bolsonaro ou mesmo expressam o “antipetismo”.

“Isso é um tempo da angústia. O cotidiano do seu consultório demonstra angústia que começa por uma frustração. Quantas vezes eu dei a minha cara a tapa e a frustração com o sentimento de traição com a esquerda. Essa frustração com o sonho para mim é a coisa mais grave no sentimento da esquerda. Há um sentimento básico de frustração que em algumas pessoas se transforma em ódio”, explica.

Plantões psicológicos emergenciais no Recife

Espaço Entrelaços
Dia 25 e 26 de outubro – 9h às 18h
Dia 27 de outubro – 8h às 12h
Informações: (81) 99101-3412

Plantão Psicológico Colibri
Dia 19 de outubro – 18h às 21h
Informações: (81) 99772-8086

Plantão Psicológico Igarapé
De segunda a sexta-feira – consultar horários dia a dia
Informações: (81) 99966-2143

*Maria é nome fictício, utilizado para preservar identidade da fonte.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.