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Estudo calcula 20 mil crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual no Grande Recife

Maria Carolina Santos / 18/05/2023
Em uma avenida, com sinal fechado, pessoas carregam faixa laranja com frases alusivas ao Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual das Crianças e Adolescentes: Abuso sexual infantil é crime - Disque 100 e denuncie

Crédito: ONG Maio Laranja/Divulgação

Hoje, 18 de maio, Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual das Crianças e Adolescentes. Por essa razão, neste mês está sendo lançado um conjunto de estudos que revelam um cenário desolador na Região Metropolitana do Recife, com uma estimativa de 20 mil crianças e adolescentes em situação de exploração sexual comercial.

Realizada pela Freedom Fund em parceria com a Fiocruz e a ONG Gestos, a pesquisa “Um holofote sobre vítimas invisíveis: crianças em situação de exploração sexual comercial na RMR, Pernambuco, Brasil” ouviu 603 profissionais do sexo, atualmente com idades entre os 18 e os 21 anos, que estiveram envolvidas há pouco tempo em situações de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA).

Todas as entrevistadas pela pesquisa eram mulheres cis. Por questões éticas, a equipe de pesquisa não pôde entrevistar pessoas com idade inferior a 18 anos que estão atualmente submetidas a situações de abuso ou exploração.

De acordo com Débora Aranha, do Freedom Fund, não existe outra pesquisa atual no Brasil que tenha estimado a população de crianças e adolescentes exploradas sexualmente. “As pesquisas existente trabalham basicamente com os dados oficiais nos registros, que são extremamente subnotificados”, afirma.

Mas analisando as pesquisas mais antigas sobre o tema, Recife fica em uma péssima posição. “Uma outra pesquisa da Fiocruz, já antiga, apontou que na capital pernambucana 63% das profissionais do sexo foram exploradas sexualmente com menos de 18 anos, e era a maior porcentagem entre as 12 capitais pesquisadas”, cita.

Perfis de envolvidos na exploração sexual comercial

Outra pesquisa sobre o tema e também lançada neste mês foi realizada pelo Freedom Fund em parceria com Instituto Promundo e, por meio de 52 entrevistas qualitativas, traçou dois tipos de perfis: o da pessoa que pratica a exploração sexual contra a criança e/ou adolescente, e o perfil de facilitadores envolvidos na organização do processo de exploração sexual comercial e que se beneficiam desta exploração.

Perfil do explorador-comprador:

• Homem entre 40 e 50 anos, casado, com uma boa condição financeira (em comparação à criança e/ou adolescente).

Não possui relação familiar com as vítimas.

• 50% têm uma clara preferência por pessoas com menos de 18 anos (percentual estimado por adultos que fazem trabalho sexual).

• Majoritariamente brasileiros, mas em territórios turísticos são encontrados também estrangeiros.

• O que leva os homens a esse tipo de comportamento é uma característica negativa e intrínseca aos mesmos, descrita como “safadeza”. A “safadeza” é entendida como uma escolha dos homens, não uma patologia.

Perfil do explorador-facilitador:

• Entre todos os perfis de entrevistados, a maior parte dos relatos apontou para uma recorrência significativa de mães intermediando seus/suas filhos/as.

A situação econômica das famílias está diretamente ligada à ocorrência da ESCCA.

• É menos claro quantas mães ou familiares sabem que suas filhas estão envolvidas na ESCCA e não fazem nada para impedir a exploração, contra quantas usam força ou ameaças para submeter suas filhas à ESCCA.

• Guias turísticos podem ser intermediários das situações de exploração.

• Em relação aos valores recebidos em troca dos atos sexuais e ao montante que é repassado para a criança/adolescente, os entrevistados estimam que aproximadamente entre 5% e 25% dos valores ficam com a criança/adolescente, enquanto o restante é retido pelo/aintermediário/a.

Os estudos foram financiadas pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, no âmbito do Programa para Erradicação da Escravidão Moderna, por meio do Freedom Fund.Há também outro estudo feito pela Universidade Federal de Pernambuco com a Universidade de Nottingham, também em parceria com o Freedom Fund, que analisou as experiências de atendimento nos serviços de apoio. Todas os estudos estão disponíveis no site da Freedom Fund.

Duas perguntas para Débora Aranha, do Freedom Fund no Brasil

Cartaz em dois tons de laranja com desenho de uma flor de pétalas amarelo escuro e botão central laranja, ao lado de frases escritas em letras pretas: 18 de Maio - Faça Bonito - Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

A pesquisa mostra dados chocantes da exploração sexual no Grande Recife, como o fato de 21,3% das entrevistadas tinham menos de 15 anos quando estiveram envolvidas numa situação de ESCCA pela primeira vez. Como o poder público pode/deve agir para proteger as crianças e adolescentes?
Existem muitas ações que precisam ser feitas pelo poder público para erradicar a exploração sexualidade de crianças e adolescentes, no campo da prevenção, responsabilização de autores e atendimento a crianças e adolescentes vítimas. As pesquisas apresentam dezenas de recomendações, com destaque para a necessidade de elaboração de um plano setorial de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, que estabeleça prioridades, garanta orçamento adequado e articule as políticas e programas de forma que não sejam ações isoladas.

Há um grande desafio na prevenção, que não está garantida nem na legislação nem na política, e é fundamental: uma estratégia de prevenção onde a escola possua um papel central na educação para auto-proteção da violência sexual, na identificação dos sinais do abuso e da exploração sexual e notificação de casos. É preciso que os profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescentes sejam qualificados para o atendimento adequado e bom acolhimento das vítimas, de forma empática, e levando em consideração a criança como um sujeito de direitos. O acesso ao sistema especializado de justiça da infância e juventude também precisa melhorar. É fundamental a integração dos serviços e a implantação da lei da escuta protegida. Essas são algumas das ações fundamentais. Além disso é importante que o poder público fortaleça as ações de enfrentamento ao racismo e a violência de gênero, visto que as vítimas são na maioria meninas negras.

Qual a importância de pesquisas como essas para a construção de políticas públicas de enfrentamento a ESCCA?
Esperamos que essas pesquisas possam informar as políticas públicas e os programas para que elas sejam mais efetivas, baseadas nos dados científicos. E baseada também no que as crianças e adolescentes, que são vítimas e são atendidas nos serviços de apoio, nos dizem. As políticas públicas precisam estar baseadas em dados científicos robustos e nas vozes das crianças e adolescentes sobreviventes. Estas pesquisas nos trazem essas perspectivas.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org