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Experiências de resistência nos territórios fortalecem ativismo político

Marco Zero Conteúdo / 30/08/2019

Oficinas do Ocupa Política na comunidade do Bode

Por Débora Britto, Maria Carolina Santos e Raíssa Ebrahim

selo ocupa políticaPartindo da ideia de que não dá para pensar o ativismo político sem pensar na potência das vivências nos territórios, o Ocupa Política se espalhou pela periferia do Recife e de Olinda na tarde e noite da sexta  (30), realizando oficinas, conversas e atividades culturais no Centro, no Coque, na comunidade do Bode, na Ilha de Deus e em Xambá. Em comum, a afirmação das identidades locais como caminhos de resistência e a construção de estratégias para subverter os espaços institucionais de poder.

Bairro do Recife

O Bairro do Recife concentrou o maior número de oficinas, oito, com temas variados. No Museu Afro, o Coletivo Humanista de Pernambuco realizou uma encontro com técnicas de fortalecimento pessoal para ativistas. Em dias em que as notícias ruins parecem superar em muito as boas, a oficina mostrou a necessidade do autocuidado. O coletivo também dá aulas de não violência em escolas. Vinícius Pereira e Domênica Rodrigues foram os facilitadores. “É impossível não ser afetado, mas ativistas têm que entender que as dores são nossas, mas não nos pertencem”, disseram.

Para quem pensa em sair candidato nas próximas eleições, a Oficina de Comunicação Digital para Campanha Política foi de grande importância, com Flávia Moreira, que trabalhou na vitoriosa campanha da Bancada Ativista à Assembleia Legislativa de São Paulo. Na aula, ela mostrou estratégias para se comunicar efetivamente com o eleitor. Uma dica preciosa foi que é preciso definir quem é seu público e quem quer se candidatar no próximo ano deve correr: é preciso começar desde já a movimentar suas redes sociais, produzir conteúdo e, mais importante, saber quem é seu público alvo e expandi-lo.

A oficina IndianizaBH teve que mudar de lugar e de horário. Ao chegar na Praça do Arsenal, local previamente marcado, a oficineira Avelin Buniaca Kambiwa considerou o lugar inadequado. A oficina foi então para o Incitti, pertinho do lugar previamente marcado. Avelin apresentou o trabalho que faz junto ao mandato coletivo da Gabinetona, em Belo Horizonte. É um projeto de letramento indígena nas escolas, onde ela repassa conhecimentos indígenas e faz o que chama de “contracolonização”. “Ou nos pintam como o indígena ingênuo, a Iracema, ou como o indígena alcoólatra, doido, o capeta. A nossa condição de ser humano é negada. Quem deve decidir o que os indígenas querem, o que é bom ou ruim para os indígenas são os indígenas, e mais ninguém”, afirmou Avelin.

Oficina sobre letramento indígena

Oficina sobre letramento indígena

Coque

No caminho entre o centro e a zona sul, o Coque é um território que sofre há décadas com o estigma da violência. Fato refletido inclusive no corriqueiro ato de se pegar um uber ou um táxi: muitos recusam a corrida. A comunidade, no entanto, não desiste e segue na resistência por uma vida mais tranquila. O Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (Neimfa) é um dos espaços dessa resistência e foi o local que acolheu as oficinas do Ocupe Política.

Alvaneide Carvalho conversou sobre política e artes com crianças de 1 até 13 anos. “Fui mostrando desenhos de pessoas e explicando que política é feita por pessoas. E deve ser feita para todas as pessoas”, afirmou. O coletivo Manguecrew deu uma oficina de grafitagem tendo como tela o muro do Neimfa. Quinze jovens participaram da ação, entre eles Beatriz da Silva e Daniele de Oliveira. “Nós desenhamos um personagem negro. Um personagem forte e resistente”, descreveu Beatriz. No encerramento, o maracatu Estrela Dalva encheu de batuque a noite no Coque.

Bode e Ilha de Deus

A tarde da sexta no Bode foi para discutir “A macropolítica da cultura periférica de aquilombamento”. A comunidade de tradição pesqueira está cravada no bairro do Pina e integra a paisagem da Zona Sul do Recife junto com shopping, empresariais e espigões condominiais. Lá, cerca de 7 mil famílias – sendo que mil delas ainda vivem em palafitas – aguardam há décadas por requalificação e conjunto habitacional, no terreno do antigo aeroclube do Recife, às margens da expressa Via Mangue.

Para Gilmara Santana, da Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas (ANJF), o tema da macropolítica tem que ser visto como forma de subversão de poder, para sobrevivência e salvação. “O único instrumento de política que tenho é a minha voz. E a minha democracia é o meu corpo em trânsito”, diz ela, lésbica, do Cabo de Santo Agostinho e também integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.

O acelerador social local Stilo, do Coletivo Pão e Tinta, reforça que “a institucionalidade foi feita para nos manter longe, mas é nosso lugar também”. “Não queremos mais ser público-alvo, queremos estar nos lugares de decisão. Em 2020, queremos saber quais são as campanhas pretas e periféricas que vão colocar a cara nos santinhos”. O encontro aconteceu na Livroteca Brincante do Pina, um marco da resistência do Bode, que ficou abandonado por mais de uma década em consequência de disputas políticas. Hoje o local é ocupado pela população e por iniciativas locais como o Pão e Tinta e o Palafitt Produções.

Já na Ilha de Deus, com a forte presença da resistência feminina, o tema do encontro foi “Território e regularização fundiária”. À beira da Bacia do Pina, a comunidade fica num dos maiores parques de manguezais urbanos do Brasil.

“Nossa experiência de capilaridade política e habilidade de construir comunidades, que a gente trouxe nos navios negreiros, é o que tentamos resgatar com nossos mandatos coletivos e na política, na importância de resgatar a memória de uma cultura que continua viva”, disse Andreia de Jesus, deputada estadual da Muitas em Minas Gerais.

Xambá

Terreiro de Xambá

Terreiro de Xambá

No território do Terreiro de Xambá, em Olinda, a programação do Ocupa Política trouxe a história de resistência do primeiro quilombo urbano do Nordeste, que tem a família da nação Xambá de candomblé à frente desde a década de 30. Desde a perseguição à religiosidade de matriz africana até a conquista do Centro Cultural de Xambá, espaço que também foi ameaçado pela construção de um terminal de ônibus no bairro.

Além de conhecer o terreiro e a história, uma roda de conversa sobre fé, feminismo e política colocou no mesmo espaço os anseios e reflexões de anciãs do terreiro e jovens evangélicas progressistas.

Marileide Alves, produtora cultural e filha de Santo do Terreiro de Xambá, citou a resistência materializada pelas mãos das mulheres como a força da casa Xambá. “O terreiro é de Iansã e foi pelas mulheres que se chegou aos dias atuais por conta de suas articulações politicas, na comunidade, entre os filhos e as filhas de santo”.

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Marco Zero Conteúdo

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