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Extrema-direita usa fake news para atacar novo programa de saúde para população trans

Raíssa Ebrahim / 20/12/2024
Esta é uma foto tirada de baixo de uma grande bandeira com as cores da bandeira do orgulho trans (azul claro, rosa e branco). A perspectiva mostra várias pessoas caminhando ou paradas sob a bandeira, levantando-a com as mãos, criando uma sensação de união e celebração. As silhuetas das pessoas aparecem contra a luz filtrada pela bandeira, sugerindo que o evento acontece ao ar livre, possivelmente em um protesto ou marcha.

Crédito: Sindicato dos Psicólogos de SP

A extrema direita brasileira volta a atacar os direitos da população trans no país líder em transfeminicídios no mundo. Dessa vez, tentando barrar o Programa de Atenção à Saúde da População Trans, que amplia os atendimentos à comunidade, formada por mais de quatro milhões de pessoas no Brasil. Um marco na saúde pública, o projeto foi apresentado pelo Governo Lula no último dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos. 

O chamado Paes Pop Trans apresenta avanços significativos em relação às portarias que regulamentavam os serviços prestados pelo SUS. Mas políticos como os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Clarissa Tércio (PP-PE) e a ex-deputada federal Janaína Paschoal estão tentando barrar o programa espalhando mentiras e fake news. Para entrar em vigor, a portaria precisa ainda de publicação em Diário Oficial.

Na rede social X (antigo Twitter), acusando o governo federal de ser negacionista, Nikolas anunciou, no último dia 13, que iria protocolar um pedido de informação exigindo as bases científicas que embasam as decisões do Paes Pop Trans. Também antecipou que, quando a portaria for publicada, apresentará um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar o programa.

No Instagram, Clarissa atacou o projeto invertendo a narrativa ao dizer que ele é “parte da agenda de manipulação e erotização das nossas crianças e adolescentes”. E disparou: “Isso é brincar com a vida das nossas crianças e dos nossos adolescentes. Lula e essa ministra incompetente (Nísia Trindade, ministra da Saúde) querem transformar o Brasil num laboratório de experimentos ideológicos sacrificando as nossas crianças, mas nós não vamos aceitar essa loucura”.

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O que Clarissa Tércio e Nikolas Ferreira não dizem é que o novo programa governamental é uma adequação da política oficial às decisões tomadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) – entidade conhecida pela sua postura conservadora – em 2019. A Resolução no 2.265 do CFM dispõe sobre o cuidado específico a pessoas transgênero. A decisão foi anunciada em janeiro de 2020, em pleno governo Bolsonaro. Por isso, as medidas previstas no Paes Pop Trans já são adotadas na prática dos serviços privados de saúde e nos serviços públicos de alguns estados.

A presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, rebate: “A saúde trans não é uma ideologia, é um direito assegurado pela constituição para todas as pessoas, sem nenhum tipo de discriminação e atendendo às suas necessidades também específicas”. A Antra junto a outras associações e movimentos que lutam pela defesa da comunidade trans têm feito cobranças ao Ministério da Saúde pela publicação da portaria, articulado parlamentares em defesa da causa e acionado a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal.

Bruna lembra que existe atualmente uma agenda política contra os direitos trans a nível internacional, capitaneada pela extrema direita em diversos países através de ataques e tentativas de negação de direitos. “Esse projeto político, jurídico, econômico e social passa exatamente pela tentativa de institucionalizar a transfobia e impedir que pessoas trans vivam plenamente a sua identidade”, critica.

A extrema direita lança mão de teorias conspiratórias através da disseminação de fake news e de mentiras — o que não é nenhuma novidade. Na época do projeto de identidade de gênero de Jean Wyllys, ex-deputado ameaçado que teve que deixar o Brasil, uma das fake news, ainda no início dos anos 2010, era que a luta da comunidade trans era por cirurgias em crianças.“É uma mentira desenfreada”, protesta Bruna, lembrando que essa onda conservadora utiliza de pseudo teorias, pânico moral, manipulação de dados e negacionismo científico para tentar emplacar uma narrativa.

“É importante dizer que menores de 18 anos não passam por nenhum tipo de intervenção cirúrgica. Diminuiu de 18 para 16 o acesso à hormonização, com o devido acompanhamento e consentimento dos pais e responsáveis”, evidencia. O Paes Pop Trans garante que o que já é feito em termos de supressão puberal, como é feito por indicação clínica para crianças que não são trans, também esteja acessível para as crianças trans, fora do caráter experimental ou de pesquisa, que já conta com bastante material, muitos artigos e está dentro dos padrões internacionais de segurança.

Médicos saem em defesa da política

Dezenas de médicos e médicas se reuniram em uma carta destinada ao corpo editorial do Jornal Métropoles para esclarecer que o Ministério da Saúde não está fazendo redução de idades sem permissão, após publicação da matéria “Conservadores se revoltam com redução de idade para tratamento trans”.

O investimento previsto do governo federal para implementação do programa é de R$ 152 milhões até 2028, sendo R$ 68 milhões em 2025, o Ministério da Saúde pretende ampliar de 22 para 194 os serviços especializados no SUS.

O Paes Pop Trans, explica Bruna Benevides, é extremamente importante, pois atualiza uma política que já tem mais de 10 anos de existência na estrutura do SUS e passa a atender os padrões mais atuais de cuidado integral em saúde para pessoas trans em todos os ciclos de vida, desde a infância até pessoas trans mais velhas.

“Além disso, amplia a rede de ofertas de serviços, visto que o que temos hoje é insuficiente, o que gerou uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro por negar o acesso à cirurgia a uma mulher trans”, complementa. “Também houve a despatologização, a atualização do olhar sobre a transgeneridade. Enquanto o programa não for efetivamente publicado em sua portaria, o Brasil segue violando esses tratados, principalmente da Organização Mundial da Saúde (OMS), que reconheceu que a transgeneridade não é uma doença”, alerta Bruna.

Ela ressalta ainda que a transição de gênero, as modificações corporais e as demais demandas integrais da saúde “precisam estar na ordem do dia como uma medida essencial para assegurar qualidade de vida, dignidade, cidadania e principalmente enfrentar os altos índices de violência, automedicação e busca de clínicas clandestinas”.

Tudo isso terá, defende a presidenta da Antra, impacto na transfobia institucional ainda é muito presente no atendimento nas unidades de saúde brasileiras, onde ainda há muita resistência médica, o que acaba afastando a comunidade trans desses cuidados.

Alguns avanços do Paes Pop Trans

> Redução da idade mínima para:
– Hormonização cruzada: 16 anos, com autorização dos responsáveis
– Procedimentos cirúrgicos (como mastectomia e redesignação genital): 18 anos;
> Bloqueadores de puberdade disponíveis para crianças trans a partir dos primeiros sinais da puberdade;
> Inclusão de 20 novos procedimentos na tabela do SUS;
> Criação de linhas de cuidado específicas para crianças e adolescentes trans;
> Acompanhamento à população trans em todo o ciclo de vida, incluindo a garantia de cuidado a sua rede de apoio e a valorização do cuidado no território.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com