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Crédito: Facebook
O sistema da Justiça Eleitoral que divulga as despesas dos partidos e candidatos nas eleições de 2020 mostra que, no ranking dos fornecedores, a empresa que mais recebeu pagamentos das candidaturas foi dLocal Brasil Pagamentos, uma jovem e quase desconhecida empresa que chegou ao Brasil em 2016, meses depois de ser criada no Uruguai.
Na manhã de segunda-feira, 9 de novembro, o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrava que R$ 17,3 milhões já haviam sido pagos à startup uruguaia. No entanto, apenas uma pequena parte desse valor ficará na conta corrente da empresa, pois a maior parte terá como destino os cofres do Facebook, seu principal cliente no Brasil. A dLocal é uma processadora de pagamentos que possibilita às multinacionais de tecnologia receber de seus clientes em diferentes moedas.
O segundo lugar do ranking de fornecedores é o próprio Facebook, que, no mesmo dia 6, havia recebido R$ 11,9 milhões.
No entanto, apuramos junto a fontes da multinacional que alguns candidatos colocam Facebook como a empresa a qual usou dinheiro para a campanha e outras colocam a processadora de pagamentos. O ideal, do ponto de vista contábil, seria que todos colocassem Facebook.
Resumindo, a gigante de tecnologia de Mark Zuckerberg faturou, até agora, R$ 29,2 milhões com as eleições municipais brasileiras.
Para se ter a ideia do que isso significa, os números finais das eleições municipais de 2016 mostram que a empresa que mais faturou naquele ano recebeu R$ 7,1 milhão. A soma do faturamento dos cinco maiores fornecedores de 2016 da relação do TSE – todas elas empresas de marketing político e consultorias em estratégia digital – é próximo aos valores parciais do Facebook em 2020.
Convertidos os valores em dólar, a primeira colocada do ranking 2016 recebeu pouco menos de US$ 2,2 milhões ao final do 2º turno. O Facebook já faturou quase US$ 5,4 milhões antes mesmo da realização do 1º turno. Isso, segundo o TSE, porém a própria plataforma registra na ferramenta Biblioteca de Anúncios que, desde agosto, partidos e candidatos impulsionaram 641 mil anúncios que geraram R$ 56,5 milhões, ou US$ 10,5 milhões.
De acordo com a assessoria do Facebook, os valores se referem a custos com impulsionamento, ou seja, postagens patrocinadas. A lista dos candidatos que mais gastaram anunciando nas redes sociais do Facebook (Facebook, Instagram ou usando serviços de Whatsapp Business) reserva uma surpresa para os pernambucanos.
A candidata a vereadora que mais investiu nessas plataformas em todo o país foi a empresária Andreza Romero (PP), que, até o fechamento desta reportagem, havia desembolsado mais de R$ 245 mil para convencer os eleitores do Recife que é uma defensora dos animais de estimação. No Brasil, ela só foi superada por dois candidatos a prefeito de Fortaleza nesse tipo de gasto.
Andreza pagou ao Facebook duas vezes mais do que a delegada Patrícia Domingos (Podemos), a candidata a prefeita do Recife que mais investiu nas redes sociais (R$ 120.000,00) até agora. João Campos (PSB), Mendonça Filho (DEM), e o coronel Alberto Feitosa (PSC) aparecem logo em seguida na lista dos candidatos pernambucanos que mais investiram nas plataformas da empresa.
De acordo com sua prestação de contas à Justiça, 65% dos gastos de sua campanha foram com impulsionamento nas redes sociais. De acordo com a coordenação da campanha da empresária, o Instagram e o WhatsApp concentram a maior fatia do investimento, com resultado “acima do esperado”.
Os dados públicos do Facebook registram valores um pouco maiores para Andreza Romero (R$ 271 mil). É provável que a diferença se explique pelo tempo necessário para que o TRE e o TSE levem para processar as documentações das prestações de contas. O mesmo vale para as demais candidaturas.
A nota enviada pela equipe de Andreza explica que “O momento que estamos vivendo exige estratégias que contribuam tanto com a campanha eleitoral quanto com as medidas de convivência com o coronavírus (…) Nessa reta final, estamos seguindo a determinação do TRE, o que torna as redes sociais mais necessárias ainda”.
A Marco Zero procurou as assessorias das principais chapas majoritárias na disputa no Recife na tentativa de escutar as pessoas responsáveis pela atuação digital das candidaturas, mas, provavelmente pelo ritmo intenso da reta final de campanha e dos desfalques provocados pela Covid-19 nas equipes, nenhuma delas respondeu a tempo.
Sem os marqueteiros e estrategistas digitais dos candidatos, recorremos a dois pesquisadores que acompanham o uso da tecnologia nas eleições brasileiras. Rogério Tineu, doutor em Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e (PUC-SP) e pesquisador no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da mesma instituição, acredita que “a concentração de recursos dos fundos partidários e eleitorais numa só empresa multinacional parece caracterizar a formação de um monopólio”.
Tineu lembra que, das quatro principais plataformas de redes sociais, três pertencem à empresa de Zuckerberg. “Acredito que os candidatos estão usando mais o Instagram nessas eleições, mas essa ainda é uma impressão pessoal”, especula o professor paulista, para quem as restrições impostas ao Whatsapp levou o marketing das campanhas a migrar para o Instagram.
Tineu afirma que, na condição de pesquisador, a pergunta a ser feita é “O usuário da rede percebe que aquele conteúdo é patrocinado? O cidadão sabe que aquilo é um anúncio?”. O Facebook informou que os anúncios dos políticos são acompanhados do aviso que se trata de uma propaganda eleitoral.
Outro fator preocupa Tineu: “A análise dos dados do comportamento dos eleitores e dos próprios candidatos numa escala nacional, será usado pelo algoritmo e pelos estrategistas da empresa para definir qual será a atuação para influenciar em 2022. A eleição atual é um balão de ensaio para a próxima”.
No Recife, outro pesquisador indica que há aspectos positivos no uso de plataformas das gigantes globais da tecnologia. Professor do curso de propaganda da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e especialista no uso das mídias sociais no marketing político, Fernando Fontanella acredita que destinar volumosos recursos para empresas como o Facebook poderá mudar a forma como se faz campanha eleitoral no Brasil.
Para Fontanella, a principal mudança se daria no trato com os fundos eleitorais e partidário, ou seja dinheiro público: “Todos sabemos como se usa os gastos de campanha para lavar dinheiro ou alimentar o caixa 2 que enriquece candidatos, presidentes de partido e tesoureiros. Não dá para imaginar o Facebook, o Twitter ou o Google fornecendo nota fiscais frias, com um valor acima do executado, para que o partido ou o candidato possam fazer pagamentos por fora, não contabilizados”.
Segundo ele, do ponto de vista da publicidade, as mídias sociais vendem a atenção do público, mas essa atenção é limitada porque o tempo do público é limitado. “Os candidatos pagam para disputar a atenção do eleitor. E se você tem mais gente disputando um público com perfil semelhante, você precisa dar o lance maior, isso acaba inflacionando o custo com comunicação. Ou seja, vai se gastar mais, concentrando recursos numa única mídia e não diluindo esses gastos com dezenas de empresas locais, como acontecia antes”.
Com a marca Facebook vinculada ao escândalo da Cambridge Analytica que resultou na eleição de Donald Trump em 2016 e o Whatsapp relacionado à distribuição maciça de desinformação que ajudou a eleger Bolsonaro no Brasil, a empresa norte-americana está divulgado os cuidados que tomou para melhorar sua imagem nas eleições municipais brasileiras:
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.