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Falta de doses e de dados atualizados atrasam a vacinação em Pernambuco

Maria Carolina Santos / 25/05/2021

Crédito: Marcos Pastich/PCR

Há semanas, a professora aposentada Alzinete Diniz, moradora de Petrolina, no Sertão do estado, vive a angústia de não saber quando vai receber a segunda dose da vacina contra a covid-19. Ela já deveria ter completado o esquema de vacinação desde o dia 26 de abril. “Estou agoniada, porque sabemos que está faltando CoronaVac a nível federal. As vacinas acabam na cidade e a gente fica no aguardo de novas remessas. O que dizem é que, com a demora, não há perda de eficácia, mas acho que já dizem isso pra não assustar o povo”, lamenta.

Do outro lado do estado, em Igarassu, a militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, Pergentina Vilarim, viu a euforia de tomar a vacina se transformar em revolta. “Quando abriu a vacinação para pessoas com 60 anos, eu fiquei muito feliz. No dia em que tomei a primeira dose foi muita emoção”, lembra. Mas quando chegou no dia 26 de abril, data também da segunda dose dela, as vacinas acabaram no posto antes que ela fosse contemplada. “Disseram que não tinha vacina e não explicaram mais nada, só que era pra aguardar”, diz.

Na última remessa de CoronaVac que chegou a Pernambuco, na quinta-feira passada, dia 20 de maio, foram 58,6 mil doses, que fizeram com que 103 cidades zerassem o déficit de segundas de dose. A falta ocorreu porque, confiantes na recomendação do Ministério da Saúde de que não havia necessidade de guardar as segundas doses dos dois últimos lotes entregues, muitos municípios não fizeram estoque.

No entanto, ainda há 46.323 moradores de 82 municípios pernambucanos que seguem sem previsão de quando irão tomar a segunda dose da CoronaVac . De acordo com o secretário estadual de saúde, André Longo, o estado só deve receber novo lote desse imunizante na segunda quinzena de junho.

Um levantamento da Folha de S. Paulo com dados do DataSus, sistema de informações do Ministério da Saúde, revelou que 1,7 milhão de brasileiros receberam a 2ª dose do imunizante com atraso, enquanto outras 159 mil pessoas receberam antes do prazo.

Apesar de hoje o Brasil ter uma previsão de compra de 563 milhões de doses, a grande maioria das doses só ficará disponível no segundo semestre ou até mesmo em 2022. Até lá, a vacinação no país segue amplamente dependente do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) que vem da China tanto para o Instituto Butantan, que prepara a CoronaVac, quanto para a Fiocruz, parceira da AstraZeneca. Hoje, por exemplo, o Butantan e a Fiocruz se encontram com as produções paradas por falta de insumo, mas com a expectativa de retomada ainda durante esta semana.

Como fica a eficácia?

Assim como Alzinete e Pergentina, os 104.983 pernambucanos que receberam ou vão receber a segunda dose com atraso têm uma pergunta: será que isso vai comprometer a eficácia da vacina?

Para o pesquisador da Fiocruz Pernambuco e e membro da Academia Pernambucana de Ciências, Rafael Dhalia, o essencial é que as pessoas não deixem de tomar a segunda dose, mesmo fora do prazo. “Eu diria que pode diminuir a eficácia, mas não a comprometer. Se existe um intervalo ideal recomendado pelo Ministério da Saúde, que é de 28 dias entre a primeira e segunda dose da CoronaVac, é porque estudos foram realizados e observou-se uma maior eficácia quando este intervalo é respeitado. Entretanto, também se sabe que uma dose-única não é suficiente para proteger das formas graves de Covid-19, portanto tomar a segunda dose (mesmo que atrasada) é fundamental para garantir a proteção contra a doença”, diz.

Com a falta de CoronaVac, há quem se pergunte se as segundas doses não poderiam ser substituídas por vacinas da AstraZeneca ou Pfizer. O mesmo levantamento da Folha de S Paulo também constatou que 16,5 mil brasileiros já receberam doses de vacinas diferentes.

Na semana passada, o Ministério da Saúde chegou a autorizar que mulheres grávidas que receberam a primeira dose de AstraZeneca se vacinassem com a segunda dose de CoronaVac ou Pfizer. Mas, dias depois, voltou atrás e recomendou que o esquema vacinal só fosse completado após o puerpério, deixando as gestantes com atraso de meses.

Para Dhalia, a “mistura” de vacinas é inevitável, diante da escassez de doses e das peculiaridades de cada vacina. “Eu diria que pode sim ser mais um elemento para driblar as interrupções na distribuição de vacinas no Brasil e no mundo. O principal antígeno destas vacinas, é a proteína “spike” do Sars-Cov-2, portanto as diferentes formulações baseadas em: adenovírus (AstraZeneca), vírus inativado (CoronaVac) ou material genético – RNA (Pfizer), têm em comum a apresentação do antígeno Spike para o nosso sistema imune”, explica.

Na semana passada, o estudo espanhol CombivacS divulgou o resultado da avaliação do uso combinado de vacinas da Pfizer e da AstraZeneca em 663 pessoas, com ganhos na resposta imune e sem aumento das reações adversas graves. “Iniciativas como a combinação de doses das vacinas da AstraZeneca com a da Gamaleya (Sputnik V), como da AstraZeneca com a da Pfizer, já estão em estudo e deve a vir se tornar uma necessidade, e realidade, muito em breve”, reitera Dhalia.

Falta do Censo 2020 prejudica distribuição

À falta nacional da Coronavac e à recomendação para que não se fizesse estoque de doses, se junta a incerteza de quantas pessoas devem ser vacinadas nos grupos prioritários de cada município. Na distribuição nacional, o Ministério da Saúde divide as vacinas pelos estados de acordo com as estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São os estados que definem a distribuição pelos municípios.

Em Olinda, mais de 100% dos idosos já recebeu a vacina há mais de três semanas – ainda que novos idosos procurem diariamente os pontos de vacinação. Em Igarassu, o número de idosos também foi subestimado, o que contribuiu para a falta de vacinas. “Nossa estimativa era de que seriam três mil pessoas entre 60 e 74 anos. Já vacinamos 4,3 mil, ou seja, 1,3 mil pessoas a mais do que o esperado. A falta do Censo traz esses problemas”, comentou o secretário de saúde de Igarassu, Igor Morais.

Em Pernambuco, não está claro como as vacinas são distribuídas entre os municípios, quando se trata da vacinação de idosos. Na coletiva de imprensa promovida pelas autoridades do estado no dia 13 de maio, a Marco Zero perguntou à superintendente de Imunizações da Secretaria Estadual de Saúde, Ana Catarina de Melo, qual eram os critérios adotados pelo estado. Ela respondeu que “a distribuição das doses para o público de idosos é feita em cima da estimativa do IBGE. Essa estimativa sempre foi utilizada há anos para as campanhas de vacinação contra a Influenza, sem nenhum prejuízo, sem nenhum problema”.

Acontece que as estimativas de população feitas pelo IBGE para municípios não são divididas por faixas etárias, ao contrário do que acontece com as estimativas do País e das unidades federativas. Não há, portanto, como o Governo do Estado saber ou estimar, pelo IBGE, quantos residentes acima de 60 anos existem em determinado município.

O demógrafo e tecnologista do IBGE em Pernambuco, Marcelo Dantas, explica como são feitas as estimativas populacionais. “As estimativas são calculadas com a ajuda dos dois últimos censos, com base em três componentes: nascimentos, mortes e migrações. E a partir disso são criadas as equações para se chegar nas estimativas”, esclarece. Por ser um cálculo complexo, as estimativas por faixa etária não são feitas para os municípios. “O Brasil tem quase 5.570 municípios, seria inviável”, explica Dantas.

Para município, por faixa etária, o único dado disponível é o Censo de 2010, que já tem 11 anos. “É a grande pesquisa do Brasil, é o carro-chefe do IBGE. Chega em um nível de detalhamento que vai até por bairros. O censo abaliza as projeções, que continuam sendo feitas. Mas estamos usando o Censo de 2010, utilizando um ponto mais distante de partida”, diz.

O Censo deveria ter sido realizado em 2020 – a cada dez anos, como estabelece a Constituição – mas foi adiado para este ano por conta das incertezas da pandemia. Em 2021, porém, nem o Governo Federal, nem o Congresso reservaram os R$ 2 bilhões necessários no orçamento para a realização da pesquisa. O Supremo Tribunal Federal (STF) votou para que o Censo seja realizado ainda neste ano, mas a indefinição segue.

Historicamente, o Censo começa em agosto e se estende por três ou quatro meses. Os resultados preliminares são divulgados geralmente nos primeiros meses do ano seguinte. O atraso em iniciar a pesquisa tem efeito lá na ponta. Sem o Censo por mais um ano, o Brasil corre o risco de ter um apagão de dados, que vai prejudicar também as campanhas de vacinação dos próximos anos.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org