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Os usuários de ônibus da Região Metropolitana do Recife (RMR) devem começar 2018 recebendo uma notícia nada agradável: a do aumento das passagens. Isso porque, janeiro é a data-base para os reajustes, utilizada desde 2008, ano de criação do consórcio Grande Recife, que gerencia o transporte de passageiros operacionalizado pelas empresas de ônibus. Desde então, a recomposição tarifária ocorre geralmente nos primeiros 20 dias do ano, mas, apesar da proximidade do período, até agora quase nada se sabe sobre o processo que irá impactar cerca de dois milhões de passageiros que utilizam o Sistema de Transporte Público da Região Metropolitana do Recife (RMR) diariamente.
A falta de transparência na condução desse debate, entretanto, não é assunto novo. No começo de 2017, os representantes dos estudantes no Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM) – um grupo formado por membros do governo e da sociedade civil organizada responsável por decidir sobre a repactuação das tarifas – já criticavam a inacessibilidade dos dados das operações das empresas de transporte. Essas informações são importantes porque subsidiam a decisão dos conselheiros na votação pelo reajuste ou não das passagens.
O conselheiro Márcio Morais, representante da sociedade civil organizada dentro do CSTM, explica que os documentos devem ser enviados aos integrantes do grupo pelo menos dez dias antes da reunião deliberativa. “Isso para dar tempo de analisarmos. Até agora, contudo, não recebemos nada”, constata. Diante da dificuldade no acesso aos dados, Morais, juntamente com a Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, entrou com um pedido de informação à secretaria das Cidades do estado, que preside o Conselho Metropolitano. O documento protocolado no começo deste mês deve ser respondido pelo poder público até o dia 2 de janeiro de 2018.
[pullquote]De acordo com o estudo tarifário divulgado pelo consórcio Grande Recife este ano, apenas em 2016, o governo do estado pagou quase R$ 200 milhões em subsídios para o sistema[/pullquote]
Além do questionamento sobre a data da próxima reunião do Conselho Metropolitano, cujo último encontro deveria ter ocorrido em novembro passado, mas foi cancelado sem muitas explicações, o pedido de informação ainda solicita detalhamentos sobre a revisão dos contratos das operações de ônibus da RMR. Isso porque apenas dois dos sete lotes de concessões licitados em 2013 foram assinados. Eles são referentes aos BRTs em operação nos corredores Norte-Sul e Leste-Oeste. Sem os contratos, as empresas que operam no restante do sistema atuam como permissionárias. “Isso é prejudicial para a qualidade dos serviços porque impede que o governo cobre obrigações contratuais, por exemplo, das operadoras”, explica Pedro Josephi, coordenador da Frente de Luta pelo Transporte Público.
Josephi detalha que os dois lotes assinados estão relacionados a exigências da Fifa para a Copa do Mundo, dentro do plano de acesso à Arena de Pernambuco. Ele explica que as outras não saíram do papel por limitações financeiras do governo. “O pagamento de subsídios, da forma que está posto, traria um ônus muito maior aos cofres públicos”, argumenta. De acordo com o estudo tarifário divulgado pelo consórcio Grande Recife este ano, apenas em 2016, o governo do estado pagou quase R$ 200 milhões em subsídios para o sistema. Esse dinheiro se distribui entre a gestão e fiscalização do sistema; os terminais integrados, estações de BRT e linhas; a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do óleo diesel e dos veículos novos e o passe livre na RMR. O governo ainda pagou R$ 29 milhões para os contratos de concessões dos BRTs.
O Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM) é composto por 24 membros, incluindo representantes do governo e da sociedade civil organizada. Cabe a eles, entre outras atribuições, decidir sobre a revisão das tarifas de ônibus, considerando a proposta feita pelo Grande Recife, pela Urbana-PE (que representa as empresas de transporte público de passageiros) e dos usuários.
“Atualmente, dos 24 integrantes apenas oito são representantes da sociedade civil organizada, sendo dois do segmento estudantil, quatro dos usuários, um representante dos idosos, mais um de cadeirantes. Não é algo paritário”, argumenta o conselheiro Márcio Morais. A falta de informações também é um entrave. “Não recebemos as informações e, quando elas são disponibilizadas, as planilhas e documentos das empresas de transporte não oferecem o nível de detalhamento necessário para uma análise apropriada. São planilhas sintéticas, ou seja, não permitem análises profundas. Como podemos aprovar uma coisa sobre a qual não temos conhecimento suficiente?”, questiona.
Morais ainda critica a condução dos debates. “Os cidadãos são impedidos de participar nas reuniões do Conselho Metropolitano. Não há um debate amplo. Além disso, nos últimos dois anos, as reuniões têm sido conduzidas pelo secretário Francisco Papaléo (Cidades) no modelo rolo compressor. A última durou minutos”, destaca.
A problemática dos contratos de ônibus também é um dos alvos do movimento pela abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Transportes na RMR na Assembleia Legislativa de Pernambuco. A campanha tem sido tocada pelos próprios conselheiros do CSTM, pela Frente de Luta pelo Transporte Público e pela rede de mobilização Meu Recife. O abaixo-assinado online pela abertura da CPI já conta com aproximadamente 1,2 mil assinaturas de internautas.
Respostas
Procurada, a secretaria das Cidades não se pronunciou sobre os questionamentos levantados nesta reportagem. O Grande Recife informou que ainda não existe data para a próxima reunião do Conselho Metropolitano.
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).