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O fechamento repentino da Faculdade Damas da Instrução Cristã (Fadic), na zona norte do Recife, anunciado no início do mês, pegou desprevenidos estudantes e professores. A justificativa dada indicam que o problema não é exclusivo da instituição, mas sim de todo o setor: “a decisão, cuidadosamente refletida ao longo do tempo e comunicada diretamente à comunidade acadêmica — discentes, docentes e colaboradores — não decorre de uma causa isolada, mas sim da conjugação de fatores institucionais próprios ao ensino superior brasileiro e das especificidades de sua manutenção, gestão e regulação”.
Se a decisão foi planejada, para quem estuda e trabalha na Faculdade Damas, o fechamento foi repentino e informado sem maiores cuidados. Os mais afetados nessa mudança são os alunos de Relações Internacionais, curso em que a instituição era referência entre as particulares na região. Sem perspectiva de concluir a graduação em uma faculdade com a mesma qualidade, os estudantes chegaram a fazer um protesto em frente à instituição, no bairro dos Aflitos, após o anúncio do encerramento das atividades.
Por enquanto, o protesto surtiu pouco efeito.
Os alunos têm três opções. A primeira seria a migração para qualquer curso da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) – exceto Medicina e os cursos novos, que só começam a funcionar no segundo semestre – pagando a mensalidade do valor da Damas, já que a instituição não possui RI; a segunda opção seria ir para outra faculdade particular na qual o curso possui nota 2 no MEC; por fim, a terceira possibilidade seria migrar para uma instituição na qual o curso é tão recente que sequer foi avaliado pelo MEC.
Carlos Henrique Campelo, de 27 anos, está no penúltimo período da graduação de Relações Internacionais e nunca imaginou que enfrentaria esse desafio para se formar, assim como os mais de 100 estudantes do seu curso. Segundo o jovem, o anúncio do fechamento aconteceu por uma mensagem no aplicativo oficial da instituição em uma sexta-feira à noite [9 de maio], que não deu margem para que alunos e professores questionassem à direção sobre o que estaria de fato acontecendo.
Nos dias que se seguiram, plantões de atendimento com equipes da Fadic e da Unicap funcionaram nas instalações da faculdade, mas àquela altura o fechamento já era fato consumado.
“Então, nos deixaram no escuro, confusos, sem nenhuma intenção real de auxílio, a não ser o esvaziamento da instituição. Eles têm pressa de que os alunos façam logo essas transferências, para esvaziar o local o mais rápido possível”, afirma Campelo.
Por causa desse conflito administrativo, estudantes estão com medo de perder suas bolsas de estudos e estágios. Carlos reforça que “vários alunos estão ameaçados de perder seus estágios que lhe garantem renda para sustentar as famílias, dando o suporte financeiro necessário para a continuação, pois a instituição não está mais respondendo os e-mails enviados pelas empresas para a renovação dos contratos de estágio”.
Os professores e outros funcionários também foram pegos de surpresa. O professor de direito Rômulo de Freitas, expressa a frustração de ver o esforço e o comprometimento dos docentes serem desprezados pelas gestoras da Fadic. Um exemplo desses esforços foi a abertura do mestrado em Direito, conquistado pela mobilização dos professores.
“É frustrante, revoltante como as irmãs, depois de conseguirem autorização para explorar o mestrado de Direito em Pernambuco, fecharem as portas como se fosse uma borracharia, como se fosse uma lanchonete. Não entendem o impacto disso para a própria noção de futuro de formação do mercado de trabalho do estado”, declara o professor que leciona na instituição há 11 anos.
Ele reforça que a atitude da faculdade foi de encontro ao que os professores ensinam, por exemplo, no curso de administração. “A gente diz para os alunos de administração: ‘vocês precisam honrar os contratos, vocês precisam respeitar os trabalhadores’, e aí no primeiro momento que a faculdade decide concentrar as atenções no ensino médio, elas muito tranquilamente descumprem todos os contratos, porque todo mundo sabe que para fazer uma demissão coletiva é necessário negociar com o sindicato, mas o sindicato foi sequer comunicado, elas decidiram jogar tudo para o ar”, pontua.
Estudantes de Relações Internacionais são os maiores prejudicados
“No momento em que os professores desistem da profissão por causa da radicalização do Ensino à distância (EaD), e que a gente teve que lutar dentro da faculdade contra a radicalização do EAD, elas extinguem os cursos, encerram o mercado de trabalho, despejam esses professores todos no desemprego. Fecham o mestrado, que são vagas extremamente difíceis de serem abertas em Pernambuco, com desprezo absoluto pela educação”, queixa-se o docente.
Por meio de nota, a Rede Damas Educacional, responsável por gerir a Fadic, afirmou que está passando por um reposicionamento institucional na ampliação da educação básica, por este motivo, decidiu encerrar as atividades da faculdade, a única instituição de ensino superior do grupo.
Apesar de não ter respondido a quesitonamentos específicos sobre o que ficou decidido em relação aos estudantes de RI, a direção da Rede Damas informou:
“Importa ressaltar que todas as medidas estão sendo conduzidas com o mais elevado zelo pedagógico, jurídico e administrativo, a fim de garantir o pleno acolhimento e a transição responsável dos estudantes e profissionais envolvidos. Entre as etapas previstas para essa transição responsável, destaca-se a transferência assistida, medida que visa garantir a continuidade da formação acadêmica dos alunos, respeitando-se critérios pedagógicos, curriculares e socioeconômicos. Nessa perspectiva, reforçamos a criteriosa condução com os alunos bolsistas que terão seus benefícios garantidos na transição às instituições com as quais já firmamos parceria. Até o momento, termos de cooperação já foram realizados com a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Estácio e Cesar School”.
O ensino superior privado enfrenta uma crise estrutural desde 2015. A afirmação é da economista e pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Darcilene Gomes. Segundo ela, as matrículas no ensino superior privado continuam em declínio e o crescimento desenfreado da EaD tem sido o principal sustento dessas instituições. O que levou o Ministério da Educação a estabelecer novas normas para a oferta de cursos a distância. Chamada de Nova Política de Educação à Distância, nenhum curso de graduação poderá ser 100% a distância, sejam eles de bacharelado, licenciatura ou tecnologia.
Em Pernambuco, por exemplo, houve aumento de matrículas em curso da Educação à Distância (EAD) no pós-pandemia. De acordo com o Mapa do Ensino Superior 2025, do Instituto Semesp, entre os anos de 2022 e 2023, o número de matrículas em cursos presenciais teve queda de 5,5%, com aumento de 1,4% na rede privada. Na EaD, o aumento no período foi de 22,8%, sendo 22,2% na rede privada. A rede privada de ensino superior reflete em 79% das matrículas totais no estado, concentrando 96,4% das matrículas em cursos EaD e 66,8% em cursos presenciais.
Essa é uma consequência de um avanço rápido e, muitas vezes, desregulado que se intensificou com a chegada da pandemia do covid-19 e se instalou para a sustentabilidade das instituições. “A pandemia impactou profundamente a educação, e as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas foram particularmente afetadas no ensino presencial, com um expressivo número de matrículas trancadas. Por um lado, a EaD, que já estava em expansão, facilitou a migração emergencial para o ensino remoto. No entanto, essa adaptação não foi suficiente para conter o declínio das matrículas presenciais, levando a demissões em massa de docentes”, afirma a pesquisadora.
Segundo Gomes, as faculdades privadas estão operando com vagas ociosas e queda persistente de matrículas presenciais, com a expansão descontrolada da EaD e a evasão recorde. O cenário atual preocupa especialistas, pois enquanto as universidades públicas não têm capacidade para atender toda a demanda por ensino superior, as instituições privadas enfrentam dificuldades e são justamente essas que historicamente absorviam a maior parte do público.
Gomes aponta que no Brasil, a taxa de escolarização líquida, responsável por medir o percentual de jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior em relação ao total da população com a mesma idade, é de apenas 20%. Em Pernambuco, esse indicador é ainda mais preocupante, ficando em torno de 15%.
“Esses dados evidenciam que há tanto espaço quanto necessidade para expandir as matrículas no ensino superior. No entanto, o crescimento via Educação a Distância (EaD) não tem se mostrado uma solução adequada. Por um lado, muitos cursos EaD apresentam qualidade questionável, por outro, diversas áreas do conhecimento simplesmente não se adequam a essa modalidade de ensino”, reflete.
Como solução, a pesquisadora enxerga o caminho para a ampliação contínua de vagas nas instituições públicas e a oferta de cursos de melhor qualidade nas faculdades privadas.
A pesquisadora Darcilene Gomes fez um breve panorama da expansão das IES particulares:
“As instituições privadas de ensino superior passaram por uma forte expansão nas décadas de 1990 e 2000, marcada pela oligopolização do setor – com fusões, aquisições de faculdades e a entrada de grandes grupos, inclusive estrangeiros – e por sua financeirização, com abertura de capital e negociação de ações na bolsa.
Nos anos 2000, a reformulação e ampliação do FIES (financiamento estudantil) e a criação do ProUni (programa de bolsas com renúncia fiscal) deram novo impulso ao setor privado, ajudando a preencher vagas ociosas. O impacto desses programas foi expressivo: entre 2002 e 2016, as matrículas presenciais no setor privado cresceram 93%, e o FIES chegou a financiar 40% dos estudantes dessas instituições.
No entanto, a crise política (como o impeachment de Dilma Rousseff) e a recessão econômica afetaram profundamente o setor, refletindo-se na queda de quase 10% das matrículas presenciais entre 2016 e 2019. Os contratos do FIES, por exemplo, caíram expressivamente. No entanto, o ensino a distância (EaD) registrou crescimento expressivo de 67% no mesmo período. Essa transição foi acompanhada por uma redução no número de docentes nas instituições privadas e pelo aumento da rotatividade entre os professores”.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.