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Férias sem diálogo e sem skate no Parque Santana

Maria Carolina Santos / 18/12/2018

Pista de skate em construção do Parque Santana. Foto: Inês Campelo/MZ

Até meados de maio deste ano, o Parque Santana, na Zona Norte do Recife, tinha a única pista de skate no formato snake da cidade. Era uma pista para surf skate – uma modalidade sem tantas manobras de subidas e descidas -, que também atendia quem andava de patins ou patinete. De um dia para o outro, a Secretaria de Turismo e Lazer do Governo do Estado apresentou o projeto de uma nova pista e derrubou todo o cimento da pista antiga. O projeto de 1.655 m² foi licitado por R$ 474.832,56, oriundos do Ministério dos Esportes. Passados mais de 40 dias do prazo de conclusão, a pista segue em obras, a passos lentos. E vai ficar ainda mais cara.

Na tarde da sexta-feira passada, por exemplo, não havia nenhum trabalhador no local. “À vezes têm duas, às vezes têm seis pessoas trabalhando. Às vezes não tem ninguém ”, conta o funcionário público José Oscar Lira, que era frequentador da antiga pista. “Era uma pista que tinha seus problemas, mas atendia perfeitamente aos usuários, famílias, crianças, pessoas mais velhas, até cadeirantes”, conta.

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Imagem aérea de como era a pista antiga do parque Santana. Foto: Alexandre Rocha/Cortesia

Também frequentadora da antiga pista, a educadora física Andrea Azoubel critica a obra, afirmando que não houve nenhuma discussão prévia com os frequentadores do parque. “É um absurdo. Um equipamento que era funcional, que vivia cheio, foi interrompido para a construção de outro, que não foi nem entregue no prazo. Tiveram que escavar, derrubar o que tinha, o que deixa a obra mais cara. É uma péssima decisão de gestão. Há vários espaços no Recife que precisariam de um equipamento desses, por que colocar justamente em um parque que já tinha um? É um desperdício de dinheiro público”, questiona Andrea.

Na época em que a obra da pista começou, houve um racha entre frequentadores do estilo surf e os skatistas do street, ou os “profissionais”, como por vezes são chamados ou se autointitulam. Hoje, com o atraso da obra e possíveis problemas estruturais da pista, que dizem já conseguir perceber, a divisão se dissipou.

“Se você me pergunta se quase R$ 600 mil em uma pista é caro, eu vou responder que, se for uma pista fuderosa, não é, está pago”, conta o skatista Eduardo Carvalho, um dos que apoiou a demolição e construção da nova pista. “Mas essa que está sendo feita não vale isso. O flat (a parte lisa do cimento) está bom, mas as transições (para os obstáculos) estão péssimas, é uma vergonha. Finalmente tivemos a chance de ter uma pista excelente e vamos perder essa chance. Contrataram uma empresa de engenharia que não sabe nada sobre a construção de pistas de skate. Um funcionário comentou outro dia que não sabia o que estava construindo. O skate vai ser um dos esportes da próxima Olimpíadae esta pista seria um ótimo investimento para os atletas pernambucanos. Infelizmente, pelo que vemos na obra, será outra pista problemática”, diz.

Praticante do esporte desde criança e empresário do ramo, Eduardo tinha sérias críticas quanto à pista anterior. “Não é porque vivia cheia que era uma pista boa. Deviam ter contratado uma empresa especialista em construção de pista de skate, como foi com a pista Marcelo Lyra, no Pina. Mas contrataram uma empresa de engenharia qualquer”, critica.

A pista antiga já havia passado por pelo menos duas reformas e foi alvo de algumas intervenções da Prefeitura do Recife – que faz a manutenção do parque, mas não participa diretamente da obra da pista.

O advogado Alexandre Rocha, skatista da modalidade surf, tem atuado como uma espécie de fiscal informal da obra. Desde que a antiga pista que tanto gostava foi demolida, faz acompanhamentos periódicos usando um drone para captar imagens aéreas da construção.

Ele também reclama da morosidade e da falta de uma empresa especializada na obra. “Acabei de sair de lá”, contou Alexandre na tarde da terça-feira passada. “Só tinha um trabalhador na betoneira. A pista anterior tinha seus defeitos, mas era a única pista em formato snake de Pernambuco. O que a gente queria era que ela fosse melhorada, mas não destruída. Ainda mais gastando esse valor”, critica.

Obra deve ficar perto dos R$ 600 mil

De acordo com a Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer, foi recebido um repasse de R$ 594.417,90 do Ministério dos Esportes. O projeto do desenho da pista é do governo. Em janeiro, a secretaria abriu uma licitação no valor de R$ 523.855,13 para contratar uma empresa para executar a obra, pelo menor preço. Duas empresas foram habilitadas, a USA Construção e Incorporação e a Pilartex. A USA saiu vencedora, com a proposta de R$ 474.832,56. A Pilartex orçou a obra em apenas R$ 1,1 mil abaixo do teto (mais precisamente: R$ R$ 522.754,86).

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Obra é feita com dinheiro de repasse do Ministério dos Esportes. Foto: Inês Campelo/MZC

No dia 28 de março o então secretário Felipe Carreras assinou o contrato com a USA Construção e Incorporação, empresa aberta em 2015 e sediada em Olinda. O contrato inicial previa uma vigência de sete meses, sendo cinco meses de execução da obra. No dia 15 de maio, foi feita uma reunião para apresentar o projeto aos frequentadores. No dia seguinte, a pista já começou a ser quebrada.

A Secretaria de Turismo, Lazer e Esportes não disponibilizou representante para falar com a Marco Zero sobre a obra na pista. Por meio da assessoria de comunicação, enviou nota em que afirma que a pista foi um pedido dos frequentadores e que deve ficar pronta em janeiro, sem especificar o dia. Na nota, informa que a conclusão inicial estava prevista para setembro passado, apesar da placa na obra indicar 25 de outubro.

O atraso é justificado por “uma antiga estrutura de concreto que, ao contrário do que foi previsto originalmente, não pode ser aproveitada. Foi necessário fazer um replanejamento para contemplar a demolição da antiga estrutura e implantação do novo concreto.” Por conta disso, a obra vai ficar ainda mais cara que os R$ 474 mil licitados.

Segundo a secretaria já está em andamento a “celebração de um termo aditivo para a conclusão da obra”. Em notícias da época do início da nova pista, já se usava o valor de “cerca de R$ 600 mil”, valor total do repasse do Ministério dos Esportes. Em repasses do tipo, o dinheiro não utilizado volta para a Ministério.

Procurado pela reportagem, o dono da USA Construção, Albérico Barros, afirmou que preferia não se pronunciar sobre a obra, mas que está tudo dentro da lei e que, quando inaugurada, “será a maior e melhor pista de skate do Norte e Nordeste”. Além do contrato para fazer o skatepark, a USA Construção também ganhou outro contrato neste anocom a Secretária de Turismo. Em junho, foi homologado o resultado da licitação no valor de R$ 1.746.130,10 para a implantação e modernização das academias da cidade do Recife, do qual a USA foi vencedora.

Confira a nota completa abaixo:

“A Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer (Seturel-PE) informa que a obra de requalificação da pista de skate do Parque Santana está em andamento e deverá ser concluída em janeiro de 2019. Inicialmente orçada em R$ 474.832,56 e prevista para ser entregue em setembro de 2018, a obra atrasou devido a uma antiga estrutura de concreto que, ao contrário do que foi previsto originalmente, não pode ser aproveitada. Foi necessário fazer um replanejamento para contemplar a demolição da antiga estrutura e implantação do novo concreto. Desta forma, encontra-se em andamento a celebração de um termo aditivo para a conclusão da obra. O valor total do contrato de repasse do Ministério do Esporte para execução dos serviços é de R$ 594.417,90. Valores não utilizados serão devolvidos aos cofres da União.

A requalificação da pista de skate do Parque Santana visa atender a uma demanda antiga dos usuários do equipamento, que não havia sido construído seguindo critérios técnicos adequados e tinha apenas 40% da área aproveitada. A nova pista atenderá diversas modalidades, com 12 obstáculos diferentes, podendo servir como espaço para treinamento de skatistas profissionais, usuários amadores e famílias que já frequentam o parque.”

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com