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Festival FALA! inicia terceira edição debatendo a democracia brasileira

Giovanna Carneiro / 26/08/2022

A mesa de abertura do Festival Fala!, realizado em Salvador, contou com a participação de Cíntia Guedes, Cris Guterres e do professor Hélio Santos. Crédito: Fernanda Maia

A terceira edição do FALA! teve início nesta quinta-feira, 25 de agosto. Com o tema “Comunicação, culturas e jornalismo de causas”, o festival reuniu artistas, comunicadores, educadores e um público diverso no Teatro Gregório de Mattos, no Centro de Salvador, a fim de debater novas perspectivas no campo da comunicação.

Tendo como mote o pensamento crítico sobre a formação de uma democracia mais inclusiva, onde a comunicação se coloca como uma ferramenta fundamental de construções de novas narrativas populares, culturais, históricas e identitárias, o evento promoveu a pluralidade e a diversidade desde o início. Em suas falas de abertura, os representantes dos veículos de jornalismo e mídia independente Alma Preta Jornalismo, Marco Zero Conteúdo, Ponte Jornalismo e 1 Papo Reto, responsáveis pela organização do FALA!, enfatizaram a importância do festival na promoção de um diálogo mais amplo com a sociedade para pensar o jornalismo de causas.

“É um desejo que a gente continue também com esses encontros fora do eixo Rio-São Paulo para que a gente consiga de alguma maneira ampliar a discussão do jornalismo e trazer o jornalismo também para discutir com a cultura, com a comunicação de maneira mais ampliada, e que a gente consiga fazer de toda essa potência um vetor fundamental para a transformação social”, disse Pedro Borges, editor do Alma Preta.

Organizadores do Festival, representantes da Ponte Jornalismo, Alma Preta, 1 Papo Reto e Marco Zero Conteúdo defenderam o jornalismo de causas e deram as boas-vindas ao público. Crédito: Fernanda Maia

“Essa discussão sobre o compromisso com os direitos humanos, com a democracia verdadeiramente inclusiva, com a agenda antirracista, anti-homofóbica, anti-transfóbica, de tolerância religiosa e de busca incansável pela igualdade com respeito, é o que nos move aqui para fortalecer esse conceito de jornalismo de causas”, finalizou o editor da Marco Zero, Laércio Portela.

A abertura contou com a performance poética da rapper baiana Amanda Rosa, que trouxe em sua apresentação um discurso sobre territorialidade, ancestralidade e um tensionamento entre a educação formal acadêmica e a sabedoria ancestral. Em seguida, a mesa de abertura, que teve como tema “O lugar da utopia em um mundo distópico”, foi conduzida pelo fundador do Instituto Brasileiro de Diversidade, o professor Hélio Santos, e a doutora em comunicação, Cintia Guedes, com a mediação da apresentadora Cris Guterres.

O primeiro dia do evento encerrou com a apresentação da cantora Iane Gonzaga, que encantou o público com o show do seu EP “Territóriamente”. O Festival FALA! segue até o dia 27 de agosto com uma programação variada, que conta com mesas de debates, oficinas e intervenções artísticas.

A rapper baiana Amanda Rosa foi a primeira a se apresentar no Teatro Gregório de Mattos. Em sua performance com um facão, tensionou a relação entre a produção acadêmica de conhecimento e a sabedoria ancestral. Crédito: Fernanda Maia

Radicalizar a democracia: um processo que passa pela racialização

A interdisciplinaridade da comunicação ficou evidente na primeira mesa do FALA!. Tendo como convidados o professor Hélio Santos e a professora Cintia Guedes, o evento promoveu um debate centrado nas questões de raça para pensar a formação de uma democracia verdadeiramente inclusiva, onde as transformações sociais só são possíveis com o protagonismo das pessoas negras em todas as esferas sociais, e principalmente na política.

Durante as suas falas, os dois participantes defenderam a necessidade da continuação dos sonhos para formar uma utopia social onde as desigualdades raciais, sociais, econômicas e de gênero serão finalmente superadas. “Há trezentos anos, o lugar que eu estou hoje era o impossível e é por isso que eu digo que sou filha da distopia”, disse Cintia Guedes.

“O Estado brasileiro investiu pesado para construir essa distopia gigantesca que está aqui e para desarrumar isso depende das nossas utopias, então estamos longe de ser o problema, nós somos a solução”, afirmou Hélio dos Santos. Em sua explanação, o intelectual negro enfatizou a necessidade de radicalizar a democracia e trouxe como fundamento dessa radicalização as politicas de ações afirmativas, dando como um bom exemplo as cotas raciais, responsáveis por aumentar a inclusão de pessoas negras nas universidades.

“Equidade racial e de gênero, é esse o remédio. Nós temos que primeiro assumir que o Brasil é um país profundamente doente, um país onde você tem milhares de condomínios contracenando com seis mil e quinhentas favelas e o IDH desses condomínios rivaliza com o da Suécia, com o da Dinamarca, então, nós temos aqui uma assimetria que é bizarra e, por conta disso, nós temos que sonhar muito, nós temos que virar esse jogo”, defendeu o professor.

Pensando na estrutura colonial da formação do Brasil, os educadores tensionaram as discussões sobre o racismo. Cintia Guedes questionou as posturas da “esquerda branca brasileira” e provocou o público a pensar uma nova forma de sociedade. “A escravidão e a expropriação do corpo negro, que segue se repetindo, não é fruto de uma má educação, ela é absolutamente necessária para sustentar o mundo no molde que a gente conhece. Então, quando eu penso em utopia é o arruinamento de todas essas estruturas de uma maneira radical, é a fundação de uma democracia que talvez a gente tenha que inventar outro nome para chamar esse modo de conviver, co-viver, cooperar, de se atravessar”, afirmou a professora.

“As ações, mesmo com governos progressistas, jamais deram centralidade à questão racial, mas não vai mais ser assim e as pessoas sabem disso”, completou Hélio dos Santos, também provocando a branquitude brasileira em pensar nas estruturas políticas como uma forma de manutenção do racismo.

Ao final da mesa, a sensação que ficou é de que, como afirmou Hélio dos Santos em uma de suas explanações, a democracia inclusiva e com justiça social só é possível porque as pessoas negras não querem mais “band-aids para tapar fraturas expostas”.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.