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Crédito: Luca Barreto/Fundaj
por Jorge Cavalcanti*
Um acervo precioso de imagens coloridas e em preto e branco da cultura popular, povos indígenas e de matriz africana estará ao alcance público na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Recife. São mais de 10 mil negativos, positivos e filmes de cinema produzidos ao longo de quase 15 anos. Todo o material será digitalizado e preservado graças à iniciativa do fotógrafo Luca Barreto. Ele decidiu doar a memória que construiu durante a carreira dedicada a registrar saberes, costumes e manifestações populares. “A história é documento”, define ele.
Para o fotógrafo de 48 anos, nascido na capital de Pernambuco, a Fundação é o local ideal para a salvaguarda e conservação do acervo que compreende o período de 1994 a 2007. “É um trabalho de pesquisa e imersão em termos de experimentar. A partir de certo momento, houve um olhar mais direcionado para o documental, mas permaneci trabalhando com a fotografia no sentido artístico”, descreve o autor.
De fala tranquila, jeito manso e raciocínio inventivo, Luca Barreto conversou em duas ocasiões com a reportagem da Marco Zero durante a volta ao Recife para tratar, entre outras coisas, do contrato de cessão das imagens, já assinado com a Fundaj. “Todo esse trabalho não é apenas meu; por isso, precisa estar acessível. Seria egoísmo manter guardado, correndo o risco de se estragar”, conta ele.
É extensa a lista de mestras e mestres, alguns reconhecidos como patrimônio vivo, que foram capturados pelas lentes da máquina Nikon do artista. Algumas personalidades já faleceram, o que torna o acervo ainda mais relevante para a memória. A pifeira Zabé da Loca e o sanfoneiro Camarão são algumas das personalidades eternizadas nas fotografias de Barreto. Há também nomes importantes ainda vivos, como a cirandeira Lia de Itamaracá e a artista circense Índia Morena.
No catálogo agora sob a responsabilidade da Fundaj, há o registro em imagens de diversos grupos e manifestações populares, culturais e religiosas. Entre elas, a comunidade quilombola Conceição das Creoulas, no sertão pernambucano, e os Maracatus Cambinda Brasileira, Estrela Brilhante de Igarassu e Leão Coroado, na Mata Norte e Grande Recife. Ao longo dos anos, Luca Barreto também fotografou coco, caboclinho e outras expressões do Nordeste.
O autor conta que a ideia de doar sua produção surgiu em 2012, quando conheceu parte do acervo do fotógrafo francês Pierre Verger (1902-1996), exposto na cidade de Salvador (BA). “Entendi o que é, de fato, um acervo. Pierre já era alguém que me inspirava. Quando conheci sua fundação, vi tudo acessível e publicações sendo feitas a partir daquilo”, relembra.
Luca Barreto começou a fotografar aos 18 anos, quando viajou pela primeira vez à Chapada Diamantina (BA) e teve contato com uma Nikon FM dos tempos da Guerra do Vietnã (1959-1975). Na volta ao Recife, entrou no curso de licenciatura em Artes Plásticas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas não o concluiu.
Começou a atuar como educador social utilizando a fotografia e o vídeo para desenvolver oficinas da Cruzada da Ação Social por Recife, Olinda e municípios do interior do estado. Foi também um dos responsáveis pela produtora de vídeo Canal 3. Aqui, cabe uma explicação: os aparelhos de videocassete eram sintonizados aos televisores por meio do canal 3. Por isso, o nome. Luca Barreto também montou exposições em um prédio que já não existe mais na Rua Corredor do Bispo, na Boa Vista, área central do Recife.
Os arquivos entregues pelo artista ajudam a suprir uma lacuna temporal no catálogo já existente na Fundaj. “O acervo doado é composto de registros da cultura popular do final do século 20. São imagens importantes de um fotógrafo da geração que fez a transição da máquina fotográfica analógica para a digital. Já o acervo da Fundaj concentra-se entre os finais do séculos 19 e meados do 20”, conta Nadja Tenório. Ela coordena o Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira Rodrigo Mello Franco de Andrade, ligado à Fundação.
Luca Barreto recorda os tempos de transição tecnológica da fotografia. “Aposentei minha Nikon FM e migrei para o digital, onde permaneci por mais cinco anos, até decidir ir morar na Chapada Diamantina em 2013. Foi quando encerrei minhas atividades como fotógrafo”, conta ele, que seguiu na arte, agora produzindo peças em madeira e couro.
*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.