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O prefeito Geraldo Julio (PSB) disse recentemente que não havia camarotes privados no Marco Zero. Sua assessoria o corrigiu: não existiriam camarotes privados ocupando espaços públicos. Erraram os dois, o prefeito e seus assessores. O principal polo popular do Carnaval do Recife está cercado por camarotes privados que avançam sobre espaços públicos por todos os lados.
Exemplos são o Camarote da Skol (no prédio da Associação Comercial de Pernambuco) e o Camarote Palácio do Antigo (ex-Santander Cultural). Embora ocupem prédios privados, eles avançam sobre as calçadas em frente dos edifícios, forçando os pedestres a caminhar pela rua. O puxadinho cria uma espécie de varanda, lugar privilegiado desses camarotes VIPS. Lugar público, diga-se de passagem, ocupado pela iniciativa privada.
No próprio espaço da praça do Marco Zero, o maior de todos os camarotes locais, o do restaurante Seu Boteco, também avança alguns bons metros sobre a área. Os organizadores alegam que o espaço pertence ao próprio restaurante e que a área pública municipal se resume ao perímetro central do Marco Zero. Curiosamente (ou não) há três anos o palco central da praça, montado pela Prefeitura do Recife, mudou de lugar, garantindo aos “clientes-foliões” do Seu Boteco uma visão frontal para os shows pagos com recursos públicos, mesmo privilégio dos clientes dos camarotes Skol e do Palácio do Antigo.
Frequentar um desses camarotes privados que avançam sobre as calçadas públicas não é para qualquer um. O camarote Skol está aberto apenas para convidados. Tem espaço de bar, salão de beleza, praça de alimentação e shows. Nada menos do que 12 artistas se apresentarão na área interna. O camarote Palácio do Antigo, que “estreia” em 2017, segue a mesma linha do vizinho: open bar, buffet, spa e shows privativos ao vivo. Aberto também apenas para convidados. Já a entrada no Camarote Seu Boteco custa entre R$ 220,00 (mulheres) e R$ 250,00 (homens) por dia.
A prática de avançar sobre as calçadas públicas não é monopólio de camarotes privados. O mesmo expediente é praticado no Camarote instalado no prédio federal da Caixa Cultural. Bem ao lado dos camarotes da Skol e do Palácio do Antigo.
A cerca de 500 metros dali o Camarote Parador (que vende 4 mil ingressos por dia acima de R$ 300,00 cada um) ocupa espaço público pertencente ao Estado, mas arrendado a um consórcio privado, que subloca o terreno em local privilegiado para outro grupo empresarial. Os tapumes metálicos do Parador também invadem parte do espaço de passagem dos pedestres. Do lado de fora, 40 banheiros químicos instalados pelo Poder Público vão atender aos clientes da Casa de Shows. Pesam ainda sobre o erário o reforço na segurança pública e no ordenamento de trânsito do local.
O avanço do interesse privado sobre o espaço público é ainda maior no trajeto do desfile do Galo da Madrugada. Cerca de 70 metros de uma das faixas da Avenida Dantas Barreto estão tomados por uma megaestrutura de luxo do Camarote Spettus (ingressos a R$ 400,00). Numa das áreas por onde mais circulam ônibus no Recife e o comércio ambulante impera, o caos comum de todo dia se transformou em inferno para os pedestres e usuários de transporte público com a instalação do camarote VIP. Eles não só perderam metade do espaço de circulação na própria avenida, como toda a calçada central foi também tomada pelo camarote privado.
Curioso é que a poucos metros dali, há três anos, a Rede Globo teve que desmobilizar o Camarote montado durante 15 Carnavais na Praça da Independência, pressionada por entidades civis que reclamavam da ocupação indevida do espaço público. Agora, tudo se repete com o Camarote Spettus em seu terceiro ano de funcionamento.
Na Praça Sérgio Loreto, no Bairro de São José, o esquema é o mesmo. Dividida ao meio pela Rua Imperial, a Praça é completamente ocupada dos dois lados por camarotes privados. Num lado, o Camarote Oficial do Galo e o Camarote do Downtown (R$ 320,00 o ingresso individual), do outro 66 camarotes pertencentes ao Galo e vendidos ao público por valores entre R$ 7 mil e R$ 9 mil. Com 20 lugares cada um. As instalações privadas ocupam toda a praça e avançam pelas calçadas. Aos pedestres, restam as ruas e o buzinaço dos motoristas irritados que não querem dividir o espaço dos seus automóveis com os sem-calçadas.
Em todo o trajeto da Rua Imperial e da Avenida Sul, por onde se realizará o desfile do Galo, no sábado (25), é possível constatar a tomada de calçadas por camarotes privados instalados para dar “conforto e visão privilegiada” aos foliões dispostos a gastar entre R$ 160,00 e R$ 500,00. O maior deles nesta região é o Camarote do Balança a Rolha, situado embaixo do Viaduto Capitão Temudo. Ao lado, o Camarote Estação Frevo ocupou boa parte da faixa de circulação dos pedestres, num local onde os carros trafegam em alta velocidade.
Na Avenida Sul, o Camarote Privado Partiu Galo, não satisfeito em ocupar com a sua estrutura todo o espaço das calçadas ainda criou um improvisado estacionamento de veículos cercado por grades em plena Avenida Sul. Sem fiscalização, os abusos não parecem ter limites. Sem transparência, a sociedade fica sem saber com clareza quem está lucrando com tudo isso.
Os terrenos públicos ocupados por camarotes privados na Avenida Dantas Barreto, Praça Sérgio Loreto e Avenida Sul são cedidos pela Prefeitura do Recife por meio de “termo de permissão de bem público de uso comum do povo” ao Galo da Madrugada, que os subloca para outras empresas privadas fazerem a exploração da venda de ingressos e bebidas. Em troca, a Prefeitura recebe 20% do espaço publicitário de divulgação nas fachadas do Camarote Oficial do próprio Galo.
Numa cidade conhecida nacionalmente pelo Carnaval popular e democrático, uma pergunta fica no ar: os interesses privados estão prevalecendo sobre o interesse público no Recife?
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República