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Crédito: Maria Regina Lacerda
Se você tem mais de 30 anos, deve lembrar da época em que ia à praia e voltava para casa com manchas pretas nos pés. Há pelo menos mais de uma década não havia registro desse tipo de ocorrência. Há 10 dias isso voltou a acontecer nas praias do litoral de cinco estados do Nordeste. Os culpados pelo grave crime ambiental ainda não foram identificados e, consequentemente, punidos. Desde então, animais apareceram mortos, entre eles um golfinho, e contaminados, a exemplo de tartarugas. As manchas de óleo se espalharam por praias de Pernambuco, Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Alagoas e do Ceará.
A princípio, logo quando tomou conhecimento do ocorrido, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelas áreas de plataforma continental, tratou a mancha como “órfã”, isto é, sem dono. Caso esse entendimento fosse mantido, teria se tomado a decisão de não responsabilizar ninguém pelo crime ambiental. No entanto, o Governo de Pernambuco e as universidades federais não aceitaram a proposição e decidiram investigar.
Com o objetivo de desvendar o que até então é mistério, a secretaria estadual de Meio Ambiente, mobilizou, mesmo a atribuição sendo da União, uma força-tarefa com Capitania dos Portos de Pernambuco (Marinha), Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Porto de Suape e departamento de Prevenção a Desastres da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Apesar do esforço empreendido, a reunião entre esses atores só aconteceu no dia no dia 6 de setembro, ou seja, quatro dias após a contaminação das praias pernambucanas. A equipe da CPRH estava, em boa parte, focada em conter o vazamento de óleo que aconteceu, no mesmo período, na Refinaria Abreu e Lima, em Suape.
A principal suspeita, que embasa o foco de uma linha de investigação conjunta em Pernambuco, é que o material foi lançado há mais de um mês, a uma distância de mais de 100 quilômetros da costa, por uma navio que, criminosamente, realizou uma lavagem de tanque em alto mar. Essas informações, segundo a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) são provenientes de cruzamento de dados já realizados (saiba detalhes ao longo da matéria). Mas a investigação ainda deve levar, ao menos, mais duas semanas para ser concluída.
Durante a coletiva convocada pela CPRH para tratar do assunto, na manhã de sexta-feira (13), a superintendente substituta do Ibama, Lisânia Pedrosa, presente à coletiva, evitou comentar o tema, limitando-se a dizer que “desde que começou a trabalhar no órgão há 12 anos, não presenciava uma ocorrência desse tipo”. O Ibama não respondeu aos questionamentos enviados pela Marco Zero Conteúdo, pois, desde março, os técnicos da instituição estão proibidos de manter contato direto com a imprensa.
Pela legislação brasileira, a empresa, caso consiga ser apontada e encontrada, pode tomar uma multa que varia de R$ 50 a R$ 50 milhões. Esse intervalo de valores também vale para multas por impactos à fauna e à flora. Portanto, pode haver, a depender do que conclua as investigações, uma dupla autuação. Mas, por enquanto, não há nenhuma garantia de que os responsáveis serão encontrados e culpabilizados.
Em Pernambuco, o piche atingiu a Região Metropolitana do Recife, nas praias de Piedade e Candeias; o Litoral Sul, nos municípios de Ipojuca e Tamandaré; e também o Litoral Norte. A maior quantidade de piche foi encontrada, até agora, nas praias do Rio Grande do Norte, incluindo Pipa e Tibau do Sul, alguns dos principais destinos turísticos do Nordeste.
A Marinha coletou amostras do material em diversos pontos e enviou para análises em laboratório especializado em Arraial do Cabo (RJ). A Capitania em Pernambuco chegou a informar à Marco Zero Conteúdo, por telefone, que ficou sabendo da aparição do material quando ele já estava nas praias e também por meio de redes sociais. Isso demonstra a fragilidade dos processos de fiscalização em uma vasta extensão de mar.
Clemente Coelho Júnior, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE) explica que o procedimento de lavagem de tanques de navios em alto mar é um procedimento ilegal, criminoso, mas que infelizmente ainda acontece, geralmente feito à noite.
“As normas da Marinha são boas, mas não há condições, inclusive financeiras, para fazer fiscalização com rigor”, complementa Múcio Banja, também professor de biologia da UPE, detalhando que a norma diz que é necessário que os navios façam as lavagens no continente.
Os atores envolvidos na força-tarefa estão cruzando dados e informações, além de análise de imagens de satélite e modelos de dispersão de poluentes no mar, com aplicabilidade de simuladores, para identificar a origem da contaminação, para tentar saber que navio foi esse. É daí que vêm as poucas informações de que se tem conhecimento até agora.
O Ibama, através da Coordenação Geral de Emergência Ambiental, em Brasília, vem fazendo vistorias para identificar e quantificar os danos. Pelo menos duas tartarugas foram encontradas bastante sujas de óleo e debilitadas nas imediações da praia de Cocaia, região do Porto de Suape. Os animais foram recolhidos e levados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas).
Sobre o trabalho de limpeza, a CPRH informou que a tarefa é responsabilidade das prefeituras. A reportagem conversou com algumas pessoas que estiveram em Porto de Galinhas, no Litoral Sul do estado, no feriado do 7 de Setembro e nenhuma delas disse ter visto fiscais ou técnicos ou recebido qualquer informação e orientação sobre o problema.
O correto é que o piche seja recolhido e acondicionado em tonéis para disposição em aterro industrial ou destinado à reciclagem – existem empresas especializadas nisso. Em muitas praias, foi a própria população ou os barraqueiros que realizaram, com rapidez, a limpeza.
A moradora de Pipa Eronilda Marinho comprova a grande quantidade de piche encontrada no início da semana na praia. “Não cruzamos os braços, a comunidade, os barraqueiros, os grupos e projetos ambientais de mobilizaram para limpar, fazer imagens para chamar a atenção e pressionar o poder público. Eu nasci aqui, vivemos do turismo e o impacto foi muito grande. Os turistas estão entrando no mar e saindo melados de piche, não conseguem caminhar na praia nem surfar”, detalha.
Os integrantes do grupo Salve Maracaípe, que atua nas praias de Ipojuca, fizeram cobranças à prefeitura e ao governo estadual: “precisamos ter acesso a todo o estudo para analisar o material por completo e nos posicionar de qualquer forma, estranha a falta de iniciativa do governo em chegar mais cedo às praias para visitar, analisar e colher material, o que deveria ter sido feito desde o primeiro momento em que apareceu piche na praia”.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com