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Incerteza na UFPE: com corte de 30% da verba mantido, universidade para em setembro

Maria Carolina Santos / 25/07/2019

Quando as aulas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) voltarem daqui a dez dias, os mais de 40 mil alunos devem encontrar um cenário de incertezas. Com 30% do orçamento de 2019 ainda bloqueado pelo Ministério da Educação, a UFPE tem condições de funcionar somente até setembro. O orçamento de agosto está garantido, mas ainda nem foi liberado para empenho. É com esse dinheiro que a universidade paga despesas com manutenção, energia, limpeza e segurança. O tempo corre, o impasse com o MEC permanece e alunos e sociedade já sentem os efeitos do corte – ou contingenciamento, como o Governo Bolsonaro nomeia.

Os professores do Departamento de Geologia já foram comunicados que não vão poder fazer aulas práticas no próximo semestre. A restrição, aliás, deve se estender para muitos outros cursos: sem a manutenção adequada, os ônibus da UFPE só podem rodar na Região Metropolitana do Recife. Não há verba para aluguel de transporte. Na semana passada, a pró-reitoria de Extensão e Cultura suspendeu o edital Pibexc – que oferece até R$ 3 mil para projetos e bolsas de R$ 382 para até dois alunos. Os projetos já em execução estão com bolsas garantidas para os estudantes só até o mês de dezembro.Os recursos para28 projetos aprovadosque teriam início em agosto já foram suspensos: entre eles, um programa de capacitação para zika oferecido a profissionais de saúde básica e de prevenção da sífilis.

Leia mais: Federais em Pernambuco têm cortes de R$ 117,94 milhões

Mesmo os projetos que seguem estão passando por dificuldades desde maio, quando foi anunciado o bloqueio e as federais de todo o Brasil tiveram que puxar o freio. O projeto de extensão Língua solta, do curso de Odontologia, é um deles: conseguiu manter duas bolsas pelos menos até dezembro. É o único lugar no estado a fazer cirurgias gratuitas em bebês que nascem com a “língua presa”. “Geralmente os médicos dizem que não precisa, que quando crescer melhora, mas esses bebês encontram dificuldade para mamar. Com uma pequena cirurgia, conseguem se alimentar muito melhor”, explica o estudante bolsista Ítalo Ferreira Monteiro, do quarto período do curso. Há meses em que o projeto atende até 240 bebês, vindos de várias cidades de Pernambuco.

Com o bloqueio, alguns itens começaram a faltar e a manutenção foi prejudicada. “Os materiais usados no Língua Solta são à parte do projeto de extensão, mas o que acontece é que por vezes a limpeza da clínica tem ficado defasada. Ano passado a limpeza era perfeita. Hoje, falta sabão, falta papel adequado para poder embalar os materiais…nem caixa de coleta para materiais cortantes estamos usando, porque não está chegando dinheiro para isso”, lamenta.

Ítalo com um bebê atendido pelo Língua Solta. Foto: Arquivo pessoal

Ítalo com um bebê atendido pelo Língua Solta. Foto: Arquivo pessoal

Para este semestre, Ítalo estava em um grupo de alunos e professores de outros cursos de saúde para montar um projeto sobre imunologia. Agora, com a suspensão do edital, o projeto vai ficar para o ano que vem.

Ítalo também é um dos fundadores do movimento Balbúrdia UFPE, que mostra nas ruas e nas redes sociais como é importante o papel de uma universidade pública que invista na tríade ensino, pesquisa e extensão. “Pernambuco tem muito a perder se esse bloqueio continuar. Todo curso, todo departamento atende diretamente a população com os projetos de extensão. Há atendimento odontológico, de nutrição, fisioterapia. O Departamento de Educação Física, por exemplo, tem projetos com pessoas cardíacas, especiais e idosos. Se a manutenção da universidade parar, esses projetos todos também param, porque ninguém vai para a universidade se não tiver segurança, energia. Acredito que na volta às aulas vamos encontrar muitas dificuldades”, diz.

Estudante do quinto período de Pedagogia, Estefane Domingos entrou na UFPE em sexto lugar no curso. Também faz parte do Balbúrdia. “NoCentrode Educação tem dois cursos pré-vestibulares em que os alunos dão aulas. O Gradação, que começou este ano, não tem bolsa para ninguém. É um projeto para a formação do docente, mas que atende a comunidade surda, LGBTQI+, estudantes com alta vulnerabilidade socioeconômica…Então, quando a universidade começa a sofrer cortes, isso implica no atendimento à sociedade e também na permanência do estudante na universidade e na manutenção desses prédios. Ficamos com um sentimento de incerteza: como vai ser no próximo semestre? Vamos conseguir terminar nossa graduação?”, questiona.

A UFPE não divulgou quantos projetos serão suspenso e quantas bolsas devem deixar de ser oferecidas ao longo do semestre com a suspensão do edital Pibexc. A pró-reitora de Extensão e Cultura, Christina Nunes, não quis dar entrevista.

MEC não faz aceno para universidades

O orçamento de manutenção da UFPE para 2019 foi previsto em R$ 172 milhões. O corte de 30% responde por R$ 55,8 milhões. O orçamento geral da UFPE ultrapassa R$ 1,5 bilhão, mas o grosso das despesas é com salários, o que não é de gestão orçamentária da UFPE. É com os R$ 172 milhões que a UFPE estava contando para pagar segurança, limpeza e manutenção de uma estrutura de 1,8 milhão de metros quadrados, dividida em três campi. O dinheiro também é usado para repor equipamentos quebrados e para alguns tipos de bolsas, como as de extensão e monitoria. Só de energia, a UFPE paga uma conta mensal de R$ 2 milhões, nos meses com aulas.

Por enquanto, não há nenhuma negociação entre o MEC e a UFPE para a liberação dos recursos. Em maio, o ministro da Educação Abraham Weintraub chegou a condicionar a liberação dos recursos à aprovação da Reforma da Previdência.

O pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da UFPE, Thiago Galvão, diz que só tem uma opção: ficar otimista com a liberação da verba. “Se não for assim, vão parar todas as universidades federais do país. Por mais que seja complicado a gente ter que passar por essa situação, de cada vez mais ter que demonstrar a relevância social da universidade, e de que educação não pode ser contingenciada desta forma, temos otimismo de que o governo vai se sensibilizar. É um universo de 1,2 milhão de estudantes no Brasil, só na graduação, que está dependendo disso para continuar a estudar no segundo semestre”.

A manutenção na UFPE também foi prejudicada com a demissão de cerca de 60 funcionários terceirizados, após a repactuação de contratos. “Funcionários que limpavam banheiros, por exemplo, teriam que receber um salário maior. A UFPE não tinha verba para aumentar o contrato e infelizmente houve demissões”, conta o pró-reitor.

Em nota à Marco Zero, o Ministério da Educação afirmou que o “contingenciamento” é permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E novamente condicionou a liberação da verba a uma possível melhora do cenário econômico. “Entretanto, na expectativa de uma evolução positiva nos indicadores fiscais do governo, o MEC vem articulando com o Ministério da Economia a possibilidade de ampliação dos limites de empenho e movimentação financeira a fim de cumprir todas as metas estabelecidas na legislação para a Pasta. Caso o cenário econômico apresente evolução positiva no segundo semestre, os valores bloqueados serão reavaliados”. A nota também cita o programa Future-se como uma forma de “aumentar a autonomia financeira de universidades e institutos”.

Os orçamentos das instituições de ensino federais, no entanto, são feitos sempre um ano antes e aprovados pelo Congresso. Ou seja, o valor da verba para UFPE já estava previsto no orçamento da União desde o ano passado. Até o final do próximo mês, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) vai encaminhar para o Congresso a proposta de orçamento de todas as universidades federais para o ano de 2020. Ainda estão na fase de levantamento de dados, já que os cálculos passam pelo número de estudantes matriculados, turnos de funcionamento e tamanho da estrutura física. Quem deve gerir esses recursos na UFPE é o próximo reitor, que assume em outubro. Na consulta à comunidade acadêmica, quem ganhou o pleito foi o professor Alfredo Macedo Gomes, do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) do Centro de Educação. Falta ainda a confirmação da escolha pelo presidente da República.

Autonomia das universidades ameaçada

Além dos cortes, uma portaria ameaça ainda mais a autonomia das universidades federais. O presidente Jair Bolsonaro retirou uma série de poderes dos reitores: eles não podem mais, por exemplo, nomear pró-reitores ou diretores de departamento. Também não podem autorizar diárias e passagens aéreas – ou seja, não têm mais autonomia para decidir em quais eventos e congressos os professores e alunos podem receber apoio para participar. Tudo isso, com a portaria, passa a ser responsabilidade do MEC.

Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro tenta essa manobra. Há cerca de três meses, um decreto presidencial com essas mesmas características foi expedido, colocando essas responsabilidades na Secretaria de Governo. Agora, o assunto voltou em forma de portaria do MEC. Entidades questionam a constitucionalidade da medida e afirmam que fere a autonomia das universidades, garantida na Constituição brasileira. A bancada da educação, na Câmara de Deputados, já afirmou que vai tentar derrubar a portaria.

Orecém-empossado presidente da Associação dos Docentes da UFPE (Adufepe), Edeson Siqueira, considera que os cortes e a portaria têm como objetivo o enfraquecimento das universidades federais. “Estamos sofrendo um ataque brutal, como nunca antes na história”, diz, lembrando que cerca de 90% da produção científica nacional é realizada nas universidades públicas. “O nosso jurídico vai entrar com uma ação no Ministério Público Federal questionando a legalidade dessa portaria. Toda universidade tem garantida na Constituição sua autonomia para fazer a gestão pessoal, de recursos e administrativa”.

No próximo dia 7 de agosto, os professores da UFPE se reúnem em assembleia para definir estratégias para o semestre. Na pauta, o programa Future-se, apresentado pelo MEC na semana passada como o “futuro das universidades”, e uma paralisação com protesto no dia 13 de agosto. Por enquanto, não há indicativo de greve dos professores. “O que podemos fazer, se o bloqueio persistir, é ir para as ruas uma vez por mês”, adianta Edeson.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com