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por Rodrigo Cirilo* e Jacqueline Ernesto**
Há poucos dias, houve o lançamento de uma nova tecnologia em Inteligência Artificial – IA, desenvolvida na China, que provocou abalo significativo nas estruturas de um mercado que sempre teve os Estados Unidos como referência. A DeepSeek é uma startup chinesa formada há menos de dois anos por jovens engenheiros, que desenvolveram processos muito mais rápidos e de custos bem menores, alterando o paradigma em IA. Na história recente é perceptível que investimentos em educação e inovação tecnológica são a força motriz para alavancar os indicadores sociais e econômicos de uma nação, seja a China, Singapura, Austrália, Coreia ou Japão.
O Brasil ainda está muito aquém nesse quesito, figurando em 50º lugar no Índice Global de Inovação (WIPO, 2024), mas vem mudando a percepção sobre o assunto ao longo do tempo. O montante de recursos endereçado ao setor de inovação vem crescendo, impulsionado principalmente pela ação dos governos, de todas as esferas, no fomento e estímulo a área. Destaca-se, ainda, a nova lei de licitações que possibilita a contratação de startups – negócios de base tecnológica que se desenvolvem em um ambiente de grandes incertezas – para a resolução de problemas da própria gestão via edital.
Entretanto, para falarmos das relações entre tecnologia, economia e sociedade, é necessário puxar um fio que ajude a compreender sua caminhada histórica. Nesta discussão será admitido como marco o final do século XVIII, momento de eclosão da primeira Revolução Industrial, segundo o pensamento hegemônico atual. A partir desse ponto, a sucessão de saltos tecnológicos resultou em outras três revoluções, onde cada uma delas incidiu sobre o modo de vida das pessoas nos respectivos tempos históricos.
Na primeira, as máquinas a vapor trouxeram uma nova velocidade de produção, alterando significativamente o mundo do trabalho e do comércio. A revolução posterior é marcada pela utilização massiva da luz elétrica e a distribuição de energia nos centros urbanos, que alteraram a relação humana com as noites. Em seguida, a internet e a automação trouxeram acomodação e aceleraram o ritmo dos acontecimentos. A última delas, a que hoje estamos inseridos, é caracterizada pela manipulação de quantidades massivas de dados.
Em todas as revoluções, há um componente comum que extrapola o processo produtivo e incide diretamente na visão de mundo daqueles que vendem sua mão de obra para sobreviver. Para manter a classe trabalhadora a serviço da exploração capitalista, a classe dominante associa o modo de produção a um conjunto de valores e crenças na sociedade, buscando incessantemente moldar o pensamento dos trabalhadores, para que aceitem sem questionamentos a penúria que os acomete.
O modo de produção capitalista e suas crises constantes chegam ao ponto da adoção de um ideário extremo onde a desumanização e a necropolítica são utilizados como estratégia ou modus operandi para a obtenção e manutenção do lucro a qualquer custo. Com similaridades aos momentos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, revitalizou-se o discurso fascista, compatível com momentos de repressão econômica e falta de perspectiva, para animar os ressentidos e fazer frente ao pacto civilizatório consolidado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Os veículos de mídia, que hoje em dia têm a companhia das chamadas Big Techs e suas redes sociais de escala planetária, são parceiras na disseminação de um imaginário coletivo de prosperidade para os trabalhadores. Até pouco tempo atrás, o toyotismo exaltava a parceria para a produção ao chamar os profissionais de “colaboradores”. Agora, a fase atual do capitalismo reverbera que os trabalhadores têm autonomia e são chefes de si mesmo, denominando-os “empreendedores”. Em ambas situações, o discurso serve apenas para acalmar os ânimos, retirar direitos, aumentar a carga de trabalho e reduzir salários.
O que se vê é a ascendência da ocupação de espaços por políticos e lideranças de extrema direita em todos as áreas da atuação humana: os parlamentos, os governos, os mercados, as escolas, as igrejas e até em organizações da sociedade civil. Atualmente, as grandes empresas de tecnologia detêm a dianteira nas relações sociais em seus aplicativos, estabelecendo o que Pierre Lévy define como um estado-plataforma, na qual as leis são definidas exclusivamente pelos seus donos, estando o serviço à disposição daqueles que o remuneram.
A dinâmica imposta pela extrema direita mundial, de ataque incessante à classe trabalhadora e às minorias, deveria servir de mote para um levante das forças progressistas no Brasil. No entanto, o que se vê é a defesa irrestrita de uma pretensa governabilidade por vias da conciliação, que já se mostrou insuficiente para a disputa dos dias atuais. A falta de um horizonte político que deixe clara a visão de futuro do nosso campo deixa as esquerdas inertes, fragilizadas e desarticuladas.
“A soberania de uma nação está relacionada ao incentivo e fomento para o desenvolvimento de produtos de base tecnológica”
Arrisco-me a propor que as esquerdas compreendam melhor sobre como a soberania de uma nação está relacionada ao incentivo e fomento para o desenvolvimento de produtos de alto valor agregado, ou seja, aqueles de base tecnológica. Essa poderia ser a visão de futuro para a saída da inércia, para o fortalecimento e para a rearticulação daqueles que lutam por justiça social.
Enquanto isso, vence o argumento da extrema-direita onde o empreendedorismo e o mérito levam ao sucesso, logrado de forma individual e fruto exclusivo do esforço. Para tal, deixa-se de lado a formação e qualificação profissional para a observação incessante de oportunidades de mercado, na qual sempre há uma solução simples e muito lucrativa. O conhecimento é visto de forma estritamente utilitária e, caso tudo isso seja insuficiente, opta-se pela elaboração de vídeos virais ou a sorte em casas de apostas.
Do nosso lado, há uma grita generalizada pela “volta às bases”, principalmente nas camadas menos abastadas da população, com o intuito de fazer o enfrentamento a avalanche de notícias falsas contra o governo. Reestabelecer o diálogo direto com o povo é, sem dúvidas, o grande desafio do campo progressista, porém, qual a perspectiva de futuro que iremos oferecer a essas pessoas? Iremos retornar às bases com o único objetivo de defender Lula? Como vamos sustentar bandeiras históricas do nosso campo frente a eficiente rede de desinformação a serviço da extrema direita?
No que se refere ao ecossistema de inovação em si, o senso comum é bem diferente daquele apregoado pela extrema direita. Há uma consciência coletiva de que estruturar e fazer crescer novos negócios é uma tarefa difícil e que exige bastante dedicação, é constante a oferta de cursos de capacitação para aqueles que desejam adentrar no ecossistema e é muito forte o entendimento de que os negócios gerados devem fortalecer a economia dos territórios onde esses estão inseridos, respeitando a cultura e as vocações locais. E em se tratando de produção de conhecimento, é nítido o reconhecimento da contribuição das universidades na sólida formação teórica, técnica e humanística dos indivíduos.
Cabe destacar que o modelo mental mais utilizado para a criação de produtos e serviços é sustentado por pilares como a empatia e a colaboração, estimula-se o trabalho em grupos e a cooperação entre os atores para que todo o ambiente venha a se beneficiar do sucesso conquistado. Em alguns casos, são desenvolvidos negócios de impacto social que fortalecem a igualdade de gênero, raça e orientação sexual, ou que denunciam e tratam de violências e violações. Pode-se perceber que os valores disseminados pelo ecossistema também são muito próximos àqueles defendidos pelo campo progressista.
Infelizmente, as esquerdas gastam tempo e energia combatendo pseudo-empreendedores e findam por acreditar que, de fato, aquilo representa o ecossistema. A consequência direta dessa falsa impressão é a impossibilidade de avançar no sentido da inovação, adotando-o enquanto horizonte estratégico de transformação social e econômica do nosso país. Há ainda o mito de que a inovação acontece por obra e graça exclusiva da iniciativa privada, o que destoa totalmente do suporte estatal dado a esse tipo de negócios em todo o mundo.
São vários os esforços das gestões públicas para aumentar os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I. O ministério voltado essa temática por parte do Governo Federal mais do que dobrou o montante aportado, girando em torno de R$ 26,3 bilhões nos últimos dois anos. Ao focarmos as ações para o ecossistema local de Pernambuco, houve um anúncio recente por parte do governo estadual destinando R$ 1 bilhão dos cofres estaduais para o fomento à área, como também são diversas as iniciativas da Prefeitura do Recife em inovação e transformação digital.
Talvez as esquerdas demonstrem desinteresse pela temática por fazer uma associação automática entre inovação e práticas capitalistas. Contudo, é importante compreender que fazer negócios, vender e comprar são traços característicos do comércio, que existe desde muito tempo no percurso da história da humanidade. O capitalismo diz muito mais sobre um padrão de acumulação visceral, do que propriamente sobre mercados. Até mesmo porque nada é mais repulsivo à concorrência do que monopólios e cartéis, procedimentos sonhados por quaisquer capitalistas.
Ante o exposto, que o campo progressista se permita, ao menos, a reflexão do quão benéfica será a aproximação com o meio de tecnologia e inovação. É consenso que precisamos voltar urgentemente as bases, mas que esse retorno seja pautado tanto nas importantes e necessárias teorias políticas, quanto nas oportunidades que o universo da inovação tecnológica possa oferecer.
*Professor dos cursos de engenharia Elétrica e Eletrônica da Universidade Federal Rural de Pernambuco
**Assistente social e educadora social
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.