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Instituto Butantan começa a testar vacina contra a chikungunya em adolescentes do Recife

Maria Carolina Santos / 29/07/2022
Pequenas ampolas de vacina com rótulo, branco, com faixa laranja e um B maiúsculo verde, da logomarca do Instituto, saindo da linha de produção do laboratório.

Crédito: Divulgação/Instituto Butantan

Em breve o Brasil poderá contar com uma vacina contra a chikungunya, doença infecciosa com mais de seis mil casos confirmados só em Pernambuco neste ano. E os adolescentes do Grande Recife poderão ajudar para que essa vacina fique pronta mais rapidamente. A partir do dia 08 de agosto, o Instituto Butantan lidera uma fase de testes da vacina contra a chikungunya em jovens a partir de 12 anos e abaixo de 18 anos. Os voluntários, que devem ter a autorização dos responsáveis para participar do estudo, vão receber a vacina elaborada pela farmacêutica franco-austríaca Valneva, que já foi testada em mais de quatro mil adultos no Estados Unidos e se provou segura e eficaz neste público.

Os voluntários irão passar por uma triagem: 20% dos voluntários devem ter sorologia positiva para chikungunya, ou seja, já terem tido contato prévio com o vírus. Por enquanto, irão receber uma dose da vacina. “Enquanto alguns nem sequer sabem que já tiveram a doença, os chamados assintomáticos, outros já sofreram bastante com as dores persistentes nas articulações, causadas pela infecção. Faremos o diagnóstico de todos que participarem de nosso estudo, para saberem se tiveram ou não chikungunya”, explica o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco (Fiocruz-PE) Rafael Dhalia, que é um dos coordenadores do estudo aqui em Pernambuco.

Os voluntários deverão ser acompanhados por até um ano. Nesta fase, os pesquisadores vão avaliar qual a duração da proteção da vacina em todos eles seis meses após a aplicação. Um grupo específico de voluntários também vai ser avaliado um ano após a primeira dose, para ver se os anticorpos protetores continuam presentes. “Esperamos que a proteção da vacina de chikungunya seja equivalente à proteção induzida pela vacina de febre amarela, que utiliza a mesma tecnologia de vírus atenuado. Essa vacina protege o indivíduo por 10 anos, com uma única dose, e só depois disso é necessária uma segunda e última dose”, diz Dhalia.

A tecnologia de vírus atenuado é contraindicada para pessoas grávidas e imunocomprometidas. Mas é uma tecnologia já usada pelo Instituto Butantan e tem um custo mais baixo. “Por ser de vírus atenuado de fato existem essas limitações. Eu diria que não existe tecnologia mais indicada, ou menos indicada, em relação à vacina contra nenhuma doença. O que existe são indicações de tecnologias, de acordo com o perfil do indivíduo”, explica o pesquisador.

A vacina desenvolvida pela Valneva é a única contra a chikungunya que se encontra na fase 3, que é onde acontecem os estudos de eficácia com seres humanos. A parceria com o Instituto Butantan veio justamente para recrutar voluntários para essa fase, já que o Brasil tem uma circulação do vírus bem maior que nos Estados Unidos, onde começaram os testes com adultos. De acordo com o mais recente boletim epidemiológico de Pernambuco, de meados de julho, 31 municípios do estado estão com alta incidência da doença. Três mortes pela chikungunya foram confirmadas em Pernambuco neste ano.

A farmacêutica Moderna, que fabrica vacinas de RNA contra a covid-19, publicou em 2019 um estudo sobre uma fase pré-clínica (quando ainda não há testes em humanos) de uma vacina contra chikungunya, mas a pesquisa não avançou. “O fato é que apenas essa vacina da Valneva chegou a fase 3, e, portanto, é a única que temos em estágio avançado atualmente. Uma vez aprovada pela Anvisa, essa vacina deverá ser disponibilizada de forma gratuita pelo SUS. Sem dúvida alguma um grande passo para acabar com a chikungunya, que ainda causa muito sofrimento e mortes”, diz Dhalia, que espera que, se tudo der certo, a vacina deverá estar no mercado daqui a dois anos. Aqui em Pernambuco os testes são coordenados pelo Instituto Autoimune de Pesquisa e Educação Continuada.

Testes indicam boa resposta da vacina

A fase 3 da vacina nos Estados Unidos começou em setembro de 2020 e contou com a participação de 4.115 voluntários adultos em 44 estados do país. Os resultados foram divulgados no começo de março deste ano e foram animadores: 98,9% dos voluntários tinham anticorpos neutralizantes após um mês de aplicação da vacina e 96,3% após seis meses. Para verificar a duração da imunidade, esses voluntários serão acompanhados por, pelo menos, cinco anos.

Ao contrário do novo coronavírus e suas múltiplas variantes e subvariantes, a chikungunya tem basicamente duas cepas espalhadas pelo mundo: uma africana e outra asiática. “Existem variações de genótipos, dentro de cada cepa, mas ao contrário do que estamos vendo em relação ao vírus da covid-19, essas variantes de chikungunya não parecem ser um problema. Principalmente porque, de uma forma geral, são muito parecidas entre si. A consequência disso é que essa vacina deverá funcionar para qualquer cepa/variante do vírus da chikungunya”, explica o pesquisador.

A vacina da Valneva e do Instituto Butantan foi elaborada usando a cepa africana, a que mais circula no Brasil. “Não é possível avaliar ainda a proteção em relação às outras cepas, pois o estudo de fase 3 está sendo conduzido nos Estados Unidos, país onde a doença praticamente não circula. Além de querermos avaliar a proteção da vacina na faixa etária de 12-17 anos, outro objetivo do nosso estudo é justamente saber como funciona a vacina em um país endêmico como o Brasil”, diz Dhalia.

Expectativa é testar vacina em 750 voluntários. Crédito: Divulgação/Instituto Butantan

O acordo do Instituto Butantan com a Valneva prevê o desenvolvimento, fabricação e comercialização da vacina no Brasil, com fabricação 100% nacional. Se o imunizante for aprovado pela Anvisa, deve ser distribuído para o Sistema Único de Saúde (SUS). Os testes da Valneva com o Instituto Butantan receberam recursos do programa de Coalizão para Promoção de Inovações em prol da Preparação para Epidemias (Cepi) e o acordo foi firmado em janeiro de 2021, começando com testes em São Paulo. A expectativa é de que 750 adolescentes voluntários participem dos testes no Brasil.

Nos últimos anos, o Recife recebeu testes da vacina tetravalente da gripe e da vacina tetravalente da dengue, colocando os centros de pesquisa da cidade em evidência. “Sem dúvida são estudos de extrema relevância que, em um passado não tão distante, ficavam restritos à região sudeste. Mas essa realidade está mudando. Inclusive, no estudo da vacina tetravalente da gripe, fomos o centro com o maior número de voluntários recrutados. Com certeza esses estudos fortalecem, e muito, a comunidade científica local, favorecendo a integração de cientistas locais com colegas de todo o mundo e também traz recursos para investimento em infraestrutura. Mas, o mais importante de tudo, é que estamos contribuindo com a saúde de nossa população, aperfeiçoando vacinas que já são distribuídas (com a da influenza) e contribuindo para o desenvolvimento de novas (dengue e chikungunya). Isso sim, não tem preço”, comemora Dhalia.

Serviço

  • Quem pode ser voluntário? Pessoas a partir de 12 e com menos de 18 anos, que não possuem as seguintes condições: gestantes, tentando engravidar ou amamentando; condição clínica não controlada, instável ou histórico de artrite e artralgia; e pessoas fazendo terapia imunossupressora, como corticoides, ou tratamento por radioterapia. É necessário autorização por escrito dos pais ou responsáveis, e, na visita, pelo menos um dos responsáveis deve estar presente.
  • Quantas visitas são necessárias? Os voluntários devem comparecer a seis visitas durante o período de testes. Para um subgrupo específico de voluntários, terá ainda uma sétima visita um ano após a vacinação.
  • Todos os voluntários vão receber a vacina contra chikungunya? Não, como todos os estudos de novas vacinas, uma parte dos voluntários vai receber placebo – que é uma substância sem efeito algum. A finalidade de incluir essa substância é para avaliar se a vacina por si só é segura e gera anticorpos. Neste estudo específico, a chance de receber a vacina de chikungunya é duas vezes maior que o de receber placebo. Quem receber placebo vai ter prioridade na vacinação com a vacina, quando aprovada.
  • Onde os voluntários vão se vacinar? No Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Ferreira da Costa, que fica dentro do Real Hospital Português, na Av. Governador Agamenon Magalhães, 4760, Paissandu
  • Mais informações: (81) 3416-7967/(81) 99389.3026/ (81) 99317-3027 /(81) 98951-7781 e e-mail: vacina.chikungunya@gmail.com

Chikungunya, a doença que dobra

Identificada primeiramente na Tanzânia, no começo dos anos 1950, a doença recebeu esse nome porque significa “aqueles que se dobram” na língua suaíli. É um dos sintomas mais característicos da doença: forte dores nas articulações, o que davam uma aparência curvada aos infectados.

A chikungunya é transmitida por dois mosquitos encontrados no Brasil, o Aedes albopictus e o Aedes aegypti. Ambos possuem pintinhas brancas nas patas e também são vetores da dengue, zika, febre amarela e outras doenças.

Duas espécies de mosquito transmitem a doença. Crédito: NIAID

Entre os infectados com o vírus da chikungunya, entre 72-92% desenvolvem a doença sintomática de quatro a sete dias após a picada. Na fase aguda, os sintomas são febre, dores de cabeça e no corpo, dores nas articulações, náusea e manchas vermelhas.

Apesar da taxa de mortalidade não ser elevada, a doença pode virar crônica em metade dos casos. Por meses e até anos os infectados podem desenvolver dores nas articulações que em muitos casos impede a pessoa de trabalhar e de ter uma vida plena. Não há nenhum tratamento específico aprovado para a doença.

Os primeiros casos da doença no Brasil foram detectados em 2014. Hoje, é endêmica, sendo o Brasil um dos países classificados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como de alto índice de contágio para a chikungunya. Outros cem países também têm a circulação do vírus. Por conta das mudanças climáticas, com temperaturas mais altas que favorecem os mosquitos, a expectativa é de que o vírus se espalhe ainda mais.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com