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Quando teve início a campanha eleitoral deste ano, o vereador Ivan Moraes começou – e não parou mais – a escutar questionamentos sobre não se candidatar para mais uma reeleição. Uma pergunta em particular o irrita: “Você desistiu da política?”. Primeiro vereador a ser eleito pelo PSOL no Recife, em 2016, o jornalista e comunicador Ivan Moraes já havia anunciado que não se candidataria a mais que uma reeleição para um mesmo cargo.
A partir do dia primeiro de janeiro de 2025, ele deixa de ser vereador do Recife. O primeiro plano é descansar: vai para a Festa de Louro, em São José do Egito, e depois viajar por duas semanas com a filha que completa 18 anos.
Mas Ivan Moraes enfatiza que, apesar de não ter mais mandato, não vai abandonar a política, nem desistiu de participar de eleições.
“Quando foi que eu disse que eu desisti? Eu nunca desisti. Desistir é quando você tem uma intenção e você desiste. Eu determinei, eu planejei e eu estou seguindo. Estar em um mandato não é meu objetivo de vida. Meu objetivo de vida é mudar o mundo. É trazer justiça social, é a equidade de gênero, é fazer parte de lutas que para mim são importantes, que é lutar por uma nova lei de drogas, é lutar pela regulamentação da comunicação, das plataformas. Por que eu tenho que ver a política como uma carreira? É uma possibilidade, é uma missão que pode me ser dada a partir da vontade de um grupo. Eu não preciso estar o tempo todo em mandato, mas eu posso estar a qualquer momento em mandato ”, disse, em entrevista para a Marco Zero em uma cafeteria na zona norte.
Ivan Moraes afirma que escolher não se candidatar novamente a vereador tem a ver com a ideia de renovação da Câmara dos Vereadores. “O princípio de a gente não entender a política como uma carreira profissional. De se entender a política, ou a participação na política partidária, como uma missão. Se todo mundo fizer política um pouquinho, não precisa ninguém fazer isso a vida inteira. Não deveria ser uma carreira”, afirmou.
O que então era uma princípio, hoje, passados oito anos, virou uma certeza. “Eu acho que mais do que dois mandatos talvez possa ser muito bom para a pessoa que se elege. Mas para o projeto político – se for um projeto político de transformação – o terceiro mandato já não é o ideal. Eu acho que você tem aprendizados que são importantes, mas a roda precisa girar. Você não pode ficar muito acostumado. Não pode ser muito confortável para quem está nessas cadeiras. O que eu fiz foi cumprir o que eu falei. Eu sou esse político estranho que diz o que faz e faz o que diz”.
Para dar continuidade às propostas do mandato, Ivan Moraes apoiou duas candidaturas pelo PSOL, a da produtora cultural Carol Vergolino e a da enfermeira Nise, que trabalha no mandato dele. A primeira teve 4.907 votos; a segunda, 965 votos. Nenhuma foi eleita. Ivan não acredita que ter apoiado duas candidatas, e não apenas uma, tenha enfraquecido as campanhas. “Não sei se eu não consegui passar meus votos, porque se juntar os votos de Carol com os votos de Nise, dá quase os mesmos votos que eu tive em 2020 e não daria para ser eleito este ano. Mas eu não estou olhando para o ponto de vista da derrota. Eu fiz o meu. Estou fazendo”, ponderou.
Ivan Moraes fez um mandato bastante atuante e propositivo e tem várias ideias para quando deixar a Câmara de Vereadores. Uma delas é a divulgação de um manual do que ele e a equipe de 18 pessoas do mandato aprenderam nesses oito anos na Câmara de Vereadores do Recife.
É uma sistematização da prática do mandato. “O meu mandato é um método que se desenvolveu ao longo de oito anos. Ele tem características que poderiam muito bem ser multiplicadas. É um mandato paritário de raça e de gênero na sua composição. É um mandato transparente, um mandato permeável, que atende a todos os grupos organizados da sociedade que lutam por direitos. Independente de se localizar ou não se localizar no nosso partido político”, afirma.
O documento vai trazer uma metodologia para vereadores e vereadoras de como as demandas entram, de como as demandas são tratadas e de como decisões são tomadas, levando em conta um mandato comprometido com a perspectiva de participação popular. Também vai falar sobre composição da equipe, sobre como se fiscaliza as prefeituras, como se faz a comunicação do mandato e das pautas e lutas que o mandato apoia, como se faz uma blitz e como se organiza uma audiência pública.
A ideia é principalmente ajudar pessoas em seus primeiros mandatos. “Para mim, entrar na Câmara como vereador foi um choque. Tem que gostar de gente e entender que você não está lá para falar só com os seus. A política é a arte de falar com o diferente, com o opositor, de tentar o consenso possível naquele lugar. Tem a hora do conflito, tem a hora de fazer pontes”, aconselha. “Dá para transformar a política? Dá para transformar a política. É fácil? Não. É muito difícil. Mas eu estou no jogo”.
A ideia de Ivan é lançar o manual no final do ano e, após férias em janeiro, percorrer o país divulgando o documento. “E vou continuar incidindo nos movimentos sociais, vou continuar prestando minhas consultorias para as organizações da sociedade civil e vou, com certeza absoluta, continuar produzindo comunicação, porque está no meu sangue. Eu já estou escrevendo projetos de audiovisual e estou planejando escrever livros. Tem muita coisa para fazer. Agora, eu vou continuar fazendo tudo o que eu sempre fiz. Porque eu sempre fui um sujeito político”, avisa.
No primeiro mandato, Ivan Moraes fez oposição a Geraldo Julio, prefeito reeleito. Já o segundo, foi o primeiro mandato de João Campos, reeleito agora em outubro. Ambos do PSB, mas, para o vereador, com posturas bem diferentes.
“Geraldo Júlio era muito ruim: um tecnocrata que tinha muito pouca compreensão da coisa pública. Foi lançado ao cargo por Eduardo Campos sem ter tido uma vivência militante que pudesse trazer para ele qualquer ensinamento para além do que ele possa ter aprendido nas instâncias de governo que ele participou. Era um governo travado, difícil”, avalia.
Já João Campos trouxe um certo frescor para a prefeitura do Recife. “Porém é um governo que tem muito a cara dele. E isso tem vantagens e desvantagens. Quando ele tem a audácia de botar o melhor amigo da faculdade dele para ser vice, ele está dizendo ‘eu não preciso de ninguém’. O governo de Geraldo Julio era um governo ruim, mas era um governo mais amplo do ponto de vista das decisões. Você via secretários com um pouco mais de autonomia. Talvez até por ser um ambiente mais disputado internamente”, acredita.
“Na prefeitura de João Campos você vê um aumento na atenção básica da saúde. Moradia não teve melhoras nem em um nem em outro. Há um avanço das creches com João Campos, ainda que terceirizando, o que somos contra. Mas você vê algumas coisas acontecendo. Naturalmente, a conjuntura também atrapalhou Geraldo Julio, que pegou metade do governo dele com Bolsonaro”, avalia.
Um ponto em comum dos dois prefeitos, diz Ivan, são as práticas institucionais arraigadas. “João tem um perfil mais jovem, mais ativo. Geraldo tem um perfil introspectivo. Mas nas práticas políticas e partidárias não têm muita diferença. Nenhum dos dois vai para a Câmara de Vereadores, nenhum dos dois me recebeu. E pedi audiências a ambos”.
Durante esta entrevista, Ivan Moraes foi e voltou sobre um assunto que para ele é muito importante: a filiação a um partido político, democrático e de esquerda. “Todo mundo devia ser filiado a um partido político. Porque a democracia formal se organiza a partir da disputa de poder. E essa disputa só pode acontecer a partir dos partidos”, diz.
Ele próprio demorou a se filiar. Só foi entrar para o PSOL em 31 de março de 2016, quando a data limite para se candidatar na eleição daquele ano era 2 de abril. “Eu me achava politizado, mas não tinha nenhuma vivência partidária. Quem me conhecia não me conhecia por causa do PSOL. Eu me filiei entendendo que na democracia formal você precisa estar num partido para disputar a eleição”, lembra Ivan.
Para ele, é preciso participar das disputas dentro de um partido para que o voto não seja de “segunda mão”. “Apenas 10% de quem tem título eleitor está filiado a um partido político. E os partidos estão tomando todas as decisões. Não é só a decisão de quem vai se candidatar e quem não vai se candidatar, mas também sobre quanto recurso público cada candidatura vai dispor e sobre quem aparecerá quantas vezes na televisão”, enumera.
“Todas essas decisões são mediadas por disputas de poder dentro dos partidos políticos. São disputas dificílimas. São disputas muitas vezes violentas, baseadas em preceitos que nós não concordamos, mesmo nos partidos da esquerda, e não estou falando somente do PSOL. Então, como é que a gente quer transformar a política? Votando de dois em dois anos, mas não prestando atenção nas decisões que são tomadas antes da eleição? Eu acho que assim estamos exercendo pouco o nosso direito”, afirmou.
No PSOL, Ivan Moraes se candidatou duas vezes enquanto vereador: para deputado federal em 2018 e para deputado estadual, em 2022, ficando como terceiro candidato mais votado do PSOL, ajudando na eleição de Dani Portela. Por ora, Ivan não pretende mudar de partido. “Eu estou no PSOL. O que eu vou fazer depois de amanhã, a gente vê. Mas o que eu não vou é deixar de ser filiado a partidos políticos”, disse.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org