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Crédito Luara Baggi (Ascom/MCTI)
Em janeiro de 2023, a pernambucana Luciana Santos se tornou a primeira mulher negra a assumir o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), assumindo o compromisso de retomar o investimento em pesquisa, após os anos de paralisia dos governos anteriores. Um ano depois, ela concedeu entrevista exclusiva para a Marco Zero para fazer um balanço do seu primeiro ano à frente da pasta.
Novamente cotada para disputar a prefeitura de Olinda, cargo onde ganhou relevância regional nos anos 2000, Luciana evitou o tema durante a conversa. Engenheira e presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ela preferiu recordar que, ao assumir o ministério, destacou seu desejo em valorizar a ciência brasileira garantindo um maior aporte financeiro para pesquisadores e pesquisadoras. Luciana Santos afirmou ainda ter compromisso com a agenda da paridade de gênero ao declarar que a sua gestão honraria as “milhares de mulheres que produzem e pesquisam nesse país”.
Antes de assumir a pasta, Luciana já tinha intimidade com a agenda da ciência e tecnologia, pois já havia sido secretária durante o governo Eduardo Campos e integrou as comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática na Câmara dos Deputados.
Ao longo da entrevista, Santos destacou as medidas que tomou com foco na retomada de investimentos em pesquisas que agradaram a comunidade científica, sendo a mais popular delas o aumento do valor das Bolsas de Fomento Tecnológico e Extensão Inovadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que não passavam por reajuste desde 2013. A medida beneficiou mais de 6 mil bolsistas que atuam em oito modalidades diferentes de pesquisa. Em alguns casos, o reajuste chegou a ser de mais de 70%.
Com a recomposição integral do recurso do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia no governo Lula, e o aporte financeiro de R$ 10 bilhões, o MCTI conseguiu financiar e anunciar diversas iniciativas de fomento à pesquisa, entre elas, a expansão da infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica em universidades e Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) com o investimento de R$ 3,6 bilhões no edital Pró-Infra; e o Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência, que oferta bolsas de doutorado-sanduíche e pós-doutorado para pesquisadoras negras, ciganas, quilombolas e indígenas estudarem no exterior.
“Em oito meses nós investimos mais do que os quatro anos do governo anterior em Ciência e Tecnologia”, afirmou Luciana Santos. A pernambucana tem o desafio de comandar uma pasta que tem bastante capilaridade e é responsável por diversos órgãos oficiais de fomento à pesquisa em áreas distintas como o CNPq e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Marco Zero – Qual era a situação do MCTI quando você assumiu, após os quatros anos do governo Bolsonaro?
Luciana Santos – Uma coisa muito emblemática que marcou o governo Bolsonaro foi a infeliz coincidência dele ser presidente da República num fenômeno mundial que foi a Covid. Acho que, naquele momento, ficou muito cravado o quanto o negacionismo é perverso. O negacionismo é sempre uma forma de você negar as evidências científicas, ou reescrever a história de forma falaciosa, seja do ponto de vista dos fenômenos sociológicos, econômicos, seja do ponto de vista das evidências científicas propriamente ditas. Então, no caso da Covid, ficou muito claro o quanto perverso é um governo com essa característica, porque não teve nenhuma orientação da Organização Mundial de Saúde nem das instituições de pesquisa e de ensino que fossem atendidas por uma política pública. Até mesmo a decisão sobre a vacina não teve a gestão direta do ministério, do Governo Federal. O Butantan tomou a iniciativa de fazer a pesquisa da Coronavac com os chineses e a Fiocruz, mesmo sendo um órgão do Ministério da Saúde, fez o convênio com a AstraZeneca praticamente à revelia do próprio ministério. Além das demais consequências do negacionismo para as políticas de saúde, com a volta dos casos de sarampo, poliomielite.
E claro, outro traço marcante do governo Bolsonaro foi a perseguição aos grandes cientistas, como Ricardo Galvão, que estava à frente do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], e foi perseguido e demitido por tornar públicas as evidências do desmatamento na floresta amazônica.
Para além disso, o que houve no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação durante o antigo governo, foi um corte financeiro drástico, a gestão agiu de modo a estancar os investimentos em ciência e tecnologia, tanto dos recursos discricionários como também do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia. Nós tivemos uma verdadeira saga da comunidade acadêmica e científica para recuperar o fundo desde 2021, quando se conseguiu aprovar a lei que impedia o contingenciamento do fundo, mas que Bolsonaro vetou. E, mesmo assim, a força da comunidade acadêmica científica e do próprio setor produtivo derrotou o veto e ele aprovou uma medida provisória, que contingenciou o fundo até 2026. Porém, uma das primeiras medidas do governo Lula foi enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional] que recompôs integralmente o recurso do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, com um aporte de 10 bilhões de reais.
Quais foram as principais estratégias adotadas por você para retomar os investimentos na ciência no Brasil?
Em primeiro lugar, nós recompomos os recursos do principal instrumento de fomento do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, que é o Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, então, nós o recuperamos e, em oito meses, nós conseguimos fazer todos os investimentos dos 10 bilhões de reais da Ciência e Tecnologia, tanto para crédito do setor produtivo, como para o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.
Nós traçamos eixos estratégicos para a retomada da ciência e tecnologia do Brasil, lançamos dez programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia e conseguimos executá-lo dentro dessas prioridades, entre elas, da agenda da nova industrialização brasileira, para que o Brasil retome o crescimento em novas bases tecnológicas. Então, esses são aspectos que são mais estruturantes da retomada da ciência no Brasil, em oito meses nós investimos na área mais do que os quatro anos do governo anterior.
Durante o momento mais crítico da pandemia e de todo o governo anterior, houve ataques constantes à ciência e isso resultou no avanço do negacionismo. O que o MCTI pretende fazer para combater esse negacionismo e despertar o interesse dos brasileiros na ciência?
A primeira decisão foi retomar a Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, que tinha sido extinta no governo anterior. Nós retomamos essa secretaria com uma de suas funções intrínsecas é a de popularizar a ciência, até porque, em função do negacionismo, nós precisamos fazer com que a ciência fique mais próxima da população, que não seja uma coisa distante, inalcançável.
Fizemos também uma grande Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em 2023, e estamos retomando, de maneira intensa, as olimpíadas de ciência e matemática. Também vamos realizar a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em 2024, que não acontece desde 2010, e é um momento onde são coletadas informações e subsídios para a formulação das políticas públicas, um momento de escuta do público e da comunidade acadêmica. A etapa nacional só acontece em meados deste ano, mas as conferências estaduais e regionais já estão acontecendo desde o ano passado.
São 100 milhões de reais investidos para a política de popularização da Ciência e Tecnologia que já está em curso, e que tem essa pegada e essa perspectiva de ajudar as pessoas a compreenderem como o seu dia a dia tem a ver com ciência. Em todas as pautas possíveis, do combate à fome à mudança climática, você perpassa necessariamente pela ciência.
Quais medidas foram ou serão tomadas pelo MCTI para incluir mulheres e pessoas negras na ciência?
Já existem alguns programas, como o Futuras Cientistas, e nós queremos ampliá-lo em uma escala nacional. Nós vamos lançar também o edital de R$ 100 milhões do CNPq só para meninas e mulheres na ciência, para a área de Ciência da Natureza, Engenharia e Ciência da Computação. O edital tem o foco de estimular a inclusão feminina de meninas, jovens e mulheres, oriundas da escola pública, para que elas montem redes para solucionar alguns desafios nessa área. Quanto à questão da igualdade racial também é um foco que nós estamos procurando ter dentro do CNPq. Para isso, nós vamos fazer uma capacitação em larga escala, com dinheiro da lei de informática, e ela vai ter um recorte também racial para poder garantir uma política pública efetiva de promoção de inclusão.
Nós também teremos um recorte regional nos investimentos em Tecnologia e Inovação no Brasil e investiremos forte nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que são regiões onde analisamos que a capacidade instalada de laboratórios, pesquisadores e recursos é inferior às demais. Nós precisamos enfrentar a desigualdade regional, ter institutos que possam ajudar o desenvolvimento local, nós temos, por exemplo, o Instituto Nacional do Semiárido, que é na Paraíba e precisa de investimentos, temos este próprio prédio em que estamos agora, o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene) que é referência em pesquisa e inovação. Para isso, haverá um cálculo baseado na atual capacidade de produção de cada região e de acordo com os resultados, o MCTI vai duplicar, triplicar e até quadruplicar o investimento em determinada região. Além disso, iniciativas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão uma reserva de 30% das vagas nos editais de financiamento do ministério.
O aumento das bolsas do CNPq foi uma medida do MCTI bastante elogiada, porém agora os pesquisadores também estão defendendo direitos previdenciários para os pós-graduandos. Qual é o posicionamento da pasta quanto a essa proposta?
Já faziam dez anos que as bolsas não tinham reajustes, a média foi de 40 % de aumento de remuneração e teve algumas bolsas de Iniciação Científica que chegaram a ter um aumento de 200%, de tão baixo que era o valor. Então, agora nós estamos articulando um modo de fazer com que a política de reajuste das bolsas seja algo permanente.
A questão da aposentadoria está dentro de um debate mais estrutural com a ANPG, a Associação Nacional de Pós-Graduandos, porque para o pesquisador, propriamente dito, aquele de carreira, isso está previsto. O debate atual é se o bolsista, quando ele já entra ali nas suas carreiras iniciais, se esse tempo já conta na previdência e vai acumulando.
O CNPq está debruçado sobre isso para apresentar uma proposição que consiga ter sustentabilidade porque isso teria um impacto na Previdência e nós precisamos apresentar algo viável economicamente, mas nós achamos que é inevitável que isso aconteça e a princípio somos a favor, só precisamos estudar a fundo a estrutura da proposta.
Nós não temos dúvidas do impacto positivo que essa medida pode ter na produção científica, garantindo uma permanência do pesquisador, porque muitos desses bolsistas perdem a perspectiva, vão percorrer outro caminho e acabam abandonando a carreira científica. Essa é uma política necessária para o Brasil, uma vez que somos o 13º país de produção científica, mas isso não se realiza em produtos e serviços. Há um fosso muito grande entre o que é produzido e o que é realizado e isso faz com que a nossa capacidade de inovação seja muito baixa,somos o 49º no mundo nesses termos.
Quais são as perspectivas de investimentos do MCTI para os próximos anos?
A perspectiva é aumentar os investimentos em Ciência e Tecnologia, em 2024 o orçamento do MCTI vai passar de 10 para 12 bilhões de reais. Um dos nossos focos principais é na agenda da reindustrialização anunciada por Alckmin, que está à frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A agenda da industrialização é múltipla e ampla, vale para a transformação digital, para a transição energética, investimentos em saúde. Dos 100 bilhões que o Ministério de Alckmin anunciou, 41 bilhões serão destinados ao MCTI e com isso, nos próximos anos, nós poderemos investir na retomada do crescimento das bases tecnológicas e de inovação.
Vamos focar na autonomia do complexo industrial da saúde, depender menos de outros países para a produção de medicamentos e equipamentos, isso está previsto no Plano de Aceleração do Crescimento [PAC] do governo Lula. Então, por exemplo, nós queremos nos tornar autônomos em radioisótopos, que é um insumo essencial para medicamentos de câncer. Nós vamos fazer o nosso reator multipropósito. Nós também vamos ter no Brasil um laboratório de segurança máxima para manipular vírus, que vai ser instalado em Campinas, no nosso Centro Nacional de Pesquisas de Energia e Materiais (CNPEM), onde está um síncrotron de luz, que é um acelerador de partículas e que vai se ligar a esse laboratório para possibilitar uma análise e manipulação de vírus em um estágio muito avançado. Esse será o único equipamento do mundo, seremos pioneiros.
Está também previsto no PAC a ampliação do monitoramento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); a ampliação da rede de banda larga do território brasileiro, principalmente para instituições de ensino, pesquisa e de saúde. Também vamos capacitar em larga escala pessoas na área de TI, porque nós temos um déficit de programadores no Brasil, há vagas e não tem programador. Nisso também vamos dar um recorte de gênero e de raça. Vamos ainda abrir 40 mil vagas para as pessoas viverem a experiência de programação e de solução de software junto às empresas, e isso vai dar outra inclusão social, principalmente para os jovens que não trabalham nem estudam ou que estão terminando o ensino médio e muitas vezes não continuam os estudos.
Nossa atuação é e continuará sendo multidisciplinar e multisetorial, está interligada com diversas áreas. Porém, nosso foco é na pesquisa e seus desenvolvimentos. Tudo o que diz respeito à pesquisa e a inovação está na nossa agenda.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.