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Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em maio deste ano, o Instituto General Villas Bôas, com apoio do Instituto Sagres e do Instituto Federalista, lançou o Projeto de Nação – O Brasil em 2035. Nas 93 páginas do documento, as entidades mantidas por militares apresentam suas projeções para diversas atuações do Estado. Propõem remover as restrições “radicais” da legislação indígena e ambiental e cobrar mensalidade nas universidades públicas, entre outras sandices. O lançamento do documento na época foi feito com pompa e circunstância e teve a presença do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e apoio do presidente Jair Bolsonaro.
A redação do documento é como se fosse um livro de História redigido daqui a algumas décadas. O texto de apresentação explica que é o relatório do escritório brasileiro de uma consultoria internacional fictícia feito em um hipotético 2035. Ao falar da cobrança do pagamento de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, o texto afirma que “a partir de 2022 os governos passaram a cobrar indenizações” e que “em 2035 o sistema apresenta melhores condições de sustentabilidade”.
Talvez pela proposta infantilizada da redação do documento, talvez pelo desconhecimento do meio militar, boa parte da grande mídia não deu atenção ao documento e à audácia dos militares em fazer tal projeção. Mas os textos não escaparam ao olhar crítico do historiador Manuel Domingos Neto, que organizou o livro Comentários a um Delírio Militarista, que será lançado nesta terça-feira (11), às 19h, no Armazém do Campo do Recife. O evento terá uma conversa entre Manuel e o articulista e coronel da reserva do Exército Marcelo Pimentel, um dos mais ativos críticos da politização das Forças Armadas.
A publicação reúne 41 autores, que criticam e desmentem os “delírios” apresentados pelos militares no Projeto de Nação. Para Manuel, o documento é importante para entender as aspirações dos militares brasileiro porque é a “a mais completa e clara reunião das múltiplas e variadas proposições da ultradireita brasileira. Estas proposições não são novas e eram conhecidas. Mas, reunidas assim, num só documento, permitem compreender com clareza o que o liberalismo pretende fazer com nosso país”.
Em entrevista para a Marco Zero, Manuel vê a iniciativa dos militares em propor tal documento como uma reafirmação de que as cúpulas militares sempre imaginaram a nação como uma dádiva dos quartéis. “São os instrumentos de força do Estado pretendendo se sobrepor ao próprio Estado. Desde a Proclamação da República, os militares brasileiros se acostumaram a mandar através de ditaduras. Nos interregnos democráticos, nunca se desarmaram. Não há razão para imaginar que mudem sua índole nesta fase da vida nacional. É da natureza dos comandos corporativos desejarem o poder sobre tudo e sobre todos”, disse.
No governo Bolsonaro, os militares se espalharam como uma teia na administração federal. No auge da pandemia, por exemplo, o ministro da saúde era um general. Essa povoação de militares em cargos comissionados não é vista com muito perigo por Manuel Domingos Neto, que há décadas estuda o militarismo no Brasil. “Difícil será recuperar o estrago que fizeram. Mais difícil ainda será confrontar as ideias, os valores, as ideologias que disseminam. Foi uma falha grave dos democratas brasileiros amenizar a luta de ideias ao longo do período democrático. Neste sentido, a esquerda tem sua parcela de responsabilidade”, afirma.
Entre os 41 autores dos artigos de Comentários a um delírio militarista estão jornalistas, sociólogos, professores universitários e personalidades da vida política brasileira, como o economista e ativista João Pedro Stédile, a professora da Universidade Estadual do Ceará (FCE)Mônica Dias Martins e o antropólogoPiero Leirner. O livro sai pela editora Gabinete de Leitura e estará à venda no Armazém do Campo por R$ 60. Também é possível comprá-lo na página da editora.
Quais os riscos para a democracia brasileira com mais quatro anos de Bolsonaro no poder e, consequentemente, mais quatro anos de militares em altos cargos na administração pública?
Este documento em análise deixa evidente que a intenção é o estabelecimento de uma ditadura a partir do manuseio das instituições democráticas. A continuidade de Bolsonaro representará um aprofundamento do autoritarismo. Se for reeleito, as cúpulas militares se sentirão autorizadas a tocar seus planos. A vontade de mandar em tudo é ilimitada!
Na apresentação, o documento dos militares se diz uma estratégia nacional “apartidária e sem radicalismos ideológicos, étnicos, religiosos, identitários ou de qualquer natureza, portanto, em total afinidade com o perfil predominante do povo brasileiro”. Qual o “perfil predominante do povo brasileiro” na visão das forças armadas?
Os militares examinam a sociedade a partir da janela do quartel e acreditam que tudo o que arranha a sensibilidade castrense está errado. O perfil que atribuem à sociedade é conservador, patriarcal e misógino. Não passa por sua cabeça que a sociedade queira mudanças estruturais de forma a superar o triste legado colonial. Os militares assumem claramente a posição de continuadores da obra do colonizador. Isso está nos documentos oficiais.
Caso Lula vença, como o senhor avalia que será a reação dos militares?
Isso dependerá da reação das ruas. Caso haja uma manifestação massiva em defesa da democracia, eles redimensionarão suas táticas e estratégias. Sabem que não podem confrontar a vontade da maioria claramente expressa nas ruas e nos movimentos de opinião. Estamos num momento eleitoral. Mas a mobilização da sociedade precisa ir mais longe. Eleições são episódios importantes do processo democrático, mas não resumem a vida sociopolítica. Lula será mais ou menos respeitado na medida em que esteja nitidamente respaldado pela maioria do povo brasileiro.
Serviço:
Lançamento do livro Comentários a um delírio militarista
Debate com Manuel Domingos Neto e Marcelo Pimentel Jorge
Quando: terça-feira (11 de outubro), às 19h
Onde: Armazém do Campo do Recife. Rua Martins de Barros, 387, Santo Antônio
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org