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Na ilustração, André Arcanjo. Crédito: Márcio Fellipe (@marcianof_)
André Arcanjo tem 41 anos, é um homem negro, recifense, do bairro de Areias, na zona oeste. Auxiliar de farmácia, com emprego fixo numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA), sem antecedentes criminais, ele estava no lugar certo na hora errada. Mesmo sem provas consistentes, André foi de testemunha a acusado de um crime que ele sustenta nunca ter cometido.
Família, amigos, companheiros de igreja e colegas de trabalho negam as acusações e estão lutando para que André responda em liberdade. Ele está preso temporariamente, desde o dia 6 de outubro, no Centro de Observação Criminológica e Triagem Prof. Everardo Luna (Cotel) enquanto é investigado como cúmplice de um latrocínio ocorrido na casa de um vizinho idoso e amigo que frequentava há mais de 20 anos.
“O delegado mandou prender um inocente. Eu conheço o meu filho”, desabafa a mãe de André, Maria do Carmo Arcanjo, de 62 anos, aposentada. “Ele me disse ‘Mainha, estou preocupado de perder o meu emprego. Não desista de mim, eu sou inocente, mainha. Eu não posso confessar um crime que eu não cometi’. Ele estava aos prantos, lutou muito para conseguir esse emprego”, compartilha emocionada.
André frequentava a casa da vítima, Edvaldo Oliveira Carvalho, conhecido na comunidade como “seu” Valdo, por ter uma relação de amizade com esse senhor de 71 anos e ajudá-lo nas tarefas de cuidado e higiene de sua esposa, que sofre de Mal de Alzheimer. Por ser auxiliar de farmácia e trabalhar em unidades de saúde, André ajudava até mesmo a dar banho na agora viúva.
O crime aconteceu em julho. André foi convidado por “seu” Valdo para tomar um café, um convite até então rotineiro. Porém, ao entrar, ele foi surpreendido por dois homens que saíram de um carro HB20 estacionado próximo e, já dentro do imóvel, anunciaram o assalto. André, segundo seu depoimento, foi rendido e isolado num cômodo da casa junto com outros dois vizinhos que estavam prestando serviço na residência.
Com seus conhecimentos na área de saúde, André conta que pediu socorro e chegou a tentar reanimar “seu” Valdo quando os bandidos foram embora. Mas, sem sucesso, o idoso faleceu no local, onde André ficou permaneceu até a chegada da equipe do Instituto de Medicina Legal (IML).Depois, para cooperar com a polícia, foi de livre e espontânea vontade à delegacia, sem advogados, para prestar depoimento e até forneceu o próprio celular na ideia de contribuir com as investigações.
Três meses depois do ocorrido, o susto. André é preso pela Polícia Civil de Pernambuco como um dos acusados pela morte do amigo e vizinho “seu” Valdo.
O inquérito ficou a cargo do delegado Vitor Meira Toscano Pereira, da 4ª Delegacia de Polícia de Homicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A Marco Zero entrou em contato com a polícia, que disse não comentar inquéritos já concluídos e remetidos à Justiça. O mandado de prisão foi expedido pela 1ª Vara Criminal da capital e, agora, o processo corre em sigilo.
“É muito difícil para uma mãe dormir, acordar, não ver seu filho em liberdade e não saber quando isso vai acontecer. Enquanto eu puder ter voz, eu vou ter. Porque lá dentro, ele não está tendo. Eu estou lutando porque eu sei os dois filhos que criei, com caráter e personalidade”, diz Maria do Carmo.
Ela agradece sobretudo o apoio que está tendo do pessoal da igreja evangélica que André frequenta, a Igreja Mangue. Os amigos afirmam que ele é uma figura sempre muito prestativa, sensível e atuante na congregação. Uma de suas atividades mais frequentes na igreja é cuidar das plantas.
Como forma de demonstrar indignação à prisão que argumentam ser injusta, amigos, familiares, lideranças políticas e movimentos sociais organizaram um abaixo-assinado online que já conta com mais de 6,6 mil assinaturas de pessoas de todo o Brasil.
O advogado de André, Wanderson Albuquerque, sustenta que as provas contra o acusado são “muito frágeis”, se baseiam somente em imagens captadas pela câmera de um vizinho da rua de “seu” Valdo, em que André aparece, por alguns segundos, entrando no imóvel junto com Fernando, vizinho que estava prestando serviço nos fundos da residência e portava a chave. Logo na sequência, como se estivessem esperando a oportunidade de invadir a residência, os dois homens saem do carro HB20 estacionado no terreno baldio na frente e aproveitam para entrar. As imagens não têm áudio.
Fernando, também morador da comunidade e colega de André, prestava serviços de alvenaria em cômodos situados no quintal da casa do idoso, foi inocentado pela Polícia Civil. Contudo, outros dois suspeitos também estão presos: um deles é Rodrigo de Freitas, vizinho que teria almoçado com Valdo e que já estava na casa quando André chegou. O outro é Romário Pereira, acusado pela polícia de ser um dos dois homens que saem do veículo também está preso. Do segundo ocupante do carro, não se tem informações.
Rodrigo e Romário afirmam ser inocentes. Ambos constituíram os mesmos advogados, Marconi Alves e Viviane Andrade. Marconi também se queixa da forma como inquérito foi conduzido. “Há 12 testemunhas no inquérito, apenas uma diz ter reconhecido Romário no vídeo pelo jeito de andar. Estranhamente, trata-se de um tio de Romário que não mora nas proximidades, não estava no local e teria desentendimentos com a família dele há anos”, afirma, acrescentando que há outras linhas de investigação que foram ignoradas pelo delegado. Rodrigo não foi apontado como autor do crime por nenhuma testemunha.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com