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Nem tudo é elogio nas redes sociais do prefeito do Recife, João Campos (PSB). O político reproduziu um post collab com a deputada federal por São Paulo e sua namorada, Tábata Amaral (PSB). O casal aparece ao lado do irmão mais novo do gestor recifense, com o texto: “ter acompanhado o processo de alfabetização de Miguel me faz ter ainda mais certeza de que podemos e devemos sonhar com uma escola pública inclusiva em que todas as nossas crianças possam desenvolver o seu potencial”.
A publicação atraiu comentários elogiosos, mas também críticas. “É lamentável que estejamos no final de abril e o governo João Campos ainda deixe crianças em casa por não ter AADEEs que deem suporte a elas”, registrou uma mulher que acompanha o prefeito no Instagram.
AADEE é a sigla para Agente de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial. Esses profissionais são responsáveis por dar suporte em sala de aula às crianças com necessidades específicas. O Recife tem uma demanda de mais 1.300 desses trabalhadores para atender cerca de seis mil meninas e meninos que precisam de acompanhamento diferenciado. O cálculo é da Gerência de Educação Especial do município. A rede pública de ensino, no entanto, possui pouco menos de 700, um terço do necessário. O déficit levou a gestão João Campos a implantar revezamento de turmas de estudantes em algumas escolas.
“Tenho um filho de 7 anos com autismo. O rodízio começou esse ano na escola em que ele está matriculado. Todas as terças e quintas-feiras ele não vai para a escola”, conta Cláudia Barrozo, mãe atípica solo, professora e ativista em defesa dos direitos das pessoas com deficiência (PCD). Ela faz questão de registrar que, nos outros dias da semana, o transporte escolar inclusivo fornecido pela prefeitura realmente funciona, mas que teme os prejuízos que a redução do número de aulas presenciais pode gerar ao aprendizado e à sociabilização da criança.
Ediane Oliveira também é professora e mãe de um filho que necessita do suporte do AADEE. Hoje ele está numa escola particular, depois de uma vivência de dois anos na rede municipal, com passagem por duas escolas, que ela define como “péssima”. “No primeiro ano, precisava pegar dois ônibus para levá-lo. Muitas vezes me ligavam, eu já no meio do caminho, e diziam para eu não levar meu filho porque estava sem agente de apoio.”
Depois, Ediane conseguiu matricular o filho na creche Vovó Rosa, em Jardim São Paulo. A criança também passou a contar com o transporte escolar inclusivo. “A aula começava às 7h30 e terminava às 11h30. Mas o ônibus chegava na porta de casa às 8h e já deixava devolta às 11h. Meu filho ficava duas horas em sala de aula”, relata.
O número insuficiente de AADEEs nas salas de aula gera situações que podem impactar a criança e a família. “Meu filho não pedia para ir ao banheiro. Precisava que alguém o levasse. Como não tinha, ele chegou em casa algumas vezes tendo feito as necessidades na roupa. Depois passaram a botar fralda e ele acabou regredindo”, relembra Ediane, cuja foto com o filho Noah abre esta reportagem.
No dia 20 de março do ano passado, a creche Vovó Rosa foi parar no perfil de Instagram do prefeito do Recife por conta da visita que o gestor fez, ao lado do secretário de Educação Fred Amâncio. Ali era o início do atendimento da unidade às crianças da rede municipal, parte do programa Infância na Creche. “A foto do meu filho dormindo no chão, deitado no canto da sala, ninguém mostra”, contrapõe Ediane. A reportagem recebeu a imagem a que a mãe se refere, mas decidiu não publicar.
Moradora da Zona Norte do Recife, Daniele Pedrosa foi a terceira mãe com quem a reportagem conversou. Ela ressalta que a necessidade não é apenas de conseguir matricular na rede pública uma criança que necessita do suporte do AADEE, mas também de mantê-la na rotina pedagógica. Em 2022, a mãe de João Victor, hoje com 8 anos, se viu numa situação limite. Após meses do menino fora de sala de aula, ela organizou um protesto que interditou a Avenida Norte, em Santo Amaro.
“Não aguentei e fechei a avenida. Fui atrás das emissoras de televisão, mas nenhuma se interessou. Foi aí que eu resolvi fazer um ao vivo no Instagram, chamando outras mães que quisessem vir. Entrei na comunidade, disse que precisava fazer esse protesto. Arrumamos madeira e gasolina. Depois disso, o programa de Cardinot passou a acompanhar o caso do meu filho e a vaga apareceu”, conta Daniele. O protesto foi registrado por moradores do bairro. Um vídeo, de 33 minutos de duração, foi compartilhado no Facebook.
“No momento, a Seduc dispõe apenas de 255 AADEEs efetivos e 441 AADEEs em contrato por tempo determinado, quantitativo insuficiente para suprir o considerável aumento no contingente de estudantes com deficiência na rede municipal do ensino”, diz um trecho de uma nota técnica, assinada eletronicamente pela gerente geral de Gestão de Pessoas da pasta, Bruna do Rego Barros Madureira. O documento, ao qual a reportagem teve acesso, é de 25 de março desse ano.
O posicionamento exposto acima foi a justificativa da pasta para negar a um desses AADEEs pedido de licença sem vencimentos por motivos particulares por período de um ano. “Importa destacar que a motivação que justificou o ato administrativo de indeferimento, a despeito de aparentar generalidade, traz em seu núcleo a preocupação com a impossibilidade de substituição do servidor que viria a ser afastado, deixando os estudantes com deficiência sem o acompanhamento necessário”, frisa o mesmo documento.
Após a negativa da Secretaria de Educação, o funcionário judicializou a questão e obteve um mandado de segurança que lhe garantiu a licença, para se dedicar ao curso de formação para policial em que ele havia sido aprovado. O caso acima é um exemplo de como a ausência de estruturação da carreira e do reconhecimento pedagógico da função prejudica a oferta do serviço e inviabiliza a garantia do direito à educação das crianças com deficiência, síndrome, transtorno ou doença rara.
“Estamos dentro da sala de aula, mas a carteira é assinada como assistente administrativo. Os contratos são temporários e o salário é considerado baixo para o nível de exigência e responsabilidade. Não temos estabilidade nem valorização”, argumenta Mariana Rodrigues, que é AADEE e integrante da direção executiva do Sindicato dos Servidores Municipais do Recife (Sindsepre).
A Prefeitura do Recife abriu seleção pública simplificada para o preenchimento de 200 vagas de agentes de apoio, ao salário de R$ 1.904,23 para 40 horas por semana. Contratação válida por dois anos, prorrogável por igual período. O prazo para inscrição termina em 2 de maio.
O promotor Salomão Abdo Aziz Ismail Filho passou a acompanhar de perto a questão da educação inclusiva na rede municipal. “Importa destacar que o MPPE iniciou diversos procedimentos administrativos solicitando a disponibilização de AADEEs. Em 2023, a Seduc recebeu um total de 112 ofícios originários do MPPE solicitando AADEEs para unidades. Em 2024, até o momento, recebemos 35 ofícios do MPPE para encaminhamento desses profissionais”, relata outro trecho da nota técnica da Seduc.
No dia 23 de janeiro deste ano, portaria assinada pelo promotor instaurou procedimento administrativo de acompanhamento das políticas públicas para averiguar a necessidade da realização de concurso público para a função. “Resolve, assim, promover as diligências indispensáveis à instrução do feito”. Está marcada uma audiência pública para a próxima semana.
A gestão garantiu que não é orientação oficial o revezamento de turmas em sala de aula e garante que irá verificar com as unidades de ensino a questão levantada pelos pais e responsáveis. Sobre a realização de concurso público, a previsão é a de que o edital seja publicado no final desse ano. “É importante ressaltar que a atuação na função de AADEE não exige formação superior, apenas o Ensino Médio, e que estes profissionais são contratados para desempenharem atividades como higiene, alimentação e locomoção dos estudantes”, diz trecho da nota da administração.
A Secretaria de Educação do Recife esclarece que a Rede Municipal de Ensino é uma referência em Educação Especial Inclusiva para todo o país, resultado de grandes avanços na Políticas Públicas nos últimos anos. Em janeiro de 2023, a Prefeitura do Recife instituiu por meio de decreto a Política Pública de Educação Especial Inclusiva para estudantes da Rede Municipal de Ensino do Recife, com o objetivo de prover condições de acesso, permanência, qualidade, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes.
A nova política da rede municipal de ensino do Recife contempla eixos importantes como o aumento do número de Agentes de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial (AADEEs) e de professores do Atendimento Educacional Especializado (AEEs). Os profissionais AADEEs são responsáveis por auxiliar os estudantes com deficiência ou transtornos em suas atividades na escola. O AEE é um serviço complementar à sala de aula de ensino regular, realizado por um professor especialista em Educação Especial Inclusiva, que ocorre no contraturno na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) da própria unidade ou de outra Unidade Educacional do entorno, garantindo um atendimento individualizado para o estudante. A nova política visa, inclusive, a ampliação destas salas nas unidades educacionais. Hoje, são 246 salas de Recursos Multifuncionais nas escolas e creches municipais do Recife. Esse número vem crescendo nos últimos anos, garantindo que o Recife seja uma das redes com maior número de salas para atendimento dos estudantes com deficiências ou transtornos.
As tecnologias assistivas são instrumentos importantes que objetivam oferecer suporte aos estudantes com deficiência, transtornos e altas habilidades e superdotação nas atividades, promovendo a inclusão destes. A entrega de tablets para todos estes estudantes, outro eixo importante da nova política de Educação Especial Inclusiva, contempla as atividades pedagógicas em sala de aula, proporcionando uma comunicação e ferramentas de apoio para aprendizagem, alternativa necessária e que deve ser contínua para além dos muros da escola. Além disso, os equipamentos dão aos estudantes autonomia para a realização das atividades e, consequentemente, do pleno desenvolvimento deles. É importante ressaltar que todos os estudantes da Educação Especial Inclusiva da Rede Municipal do Recife já receberam estes tablets por meio do programa Educa Recife.
Considerando a atual realidade da Rede Municipal do Recife, outra medida importante da nova política foi a implantação do Núcleo de Avaliação da Inclusão Escolar, que tem como objetivo principal avaliar os níveis de suporte necessário para os estudantes e indicar suas necessidades aos profissionais de apoio, ampliando as condições de independência e autonomia dos estudantes com deficiência, TEA e transtornos, contribuindo para o desenvolvimento da comunicação, habilidades sociais e autocuidados, proporcionando também o desenvolvimento de competências para aquisição da leitura e escrita desses estudantes. A implantação do Núcleo de Avaliação da Inclusão Escolar visa também atender os estudantes da rede, dando suporte aos serviços educacionais necessários para garantir a aprendizagem escolar. O Núcleo contará com profissionais especializados de diversas áreas.
Outro eixo importante da nova política é ampliar a integração entre a gestão da escola, a coordenação pedagógica, os professores de sala de aula e do Atendimento Educacional Especializado, famílias e estudantes. A produção de materiais de apoio para estudantes e profissionais da educação, buscando favorecer o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes com deficiências ou transtornos, também será fortalecida.
Além disso, em junho de 2023, Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Educação e da Procuradoria Geral do Município, firmou um acordo sobre a Educação Especial Inclusiva da Rede Municipal de Ensino do Recife com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) na sede do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE). Na ocasião, as autoridades de cada instituição homologaram o Termo de Autocomposição Processual, inclusive envolvendo o Tribunal de Justiça. O ato vai possibilitar a extinção de vários processos que tramitam no Poder Judiciário ou em âmbito administrativo e contribuir para a melhoria do atendimento aos estudantes com deficiências, transtornos, altas habilidades e superdotação.
Com 19 anos de atuação profissional, tem especial interesse na política e em narrativas de defesa e promoção dos direitos humanos e segurança cidadã.