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Crédito: Gustavo Lima/STJ
Nesta quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir se o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS), que determina a lista de cobertura obrigatória dos planos de saúde, segue sendo exemplificativo ou passa a ser taxativo. Isso significa que, caso virem taxativos, os planos de saúde não serão obrigados a cobrir os procedimentos que não estão na lista da ANS.
Atualmente, caso o tratamento necessário não esteja na lista da ANS, o paciente pode recorrer judicialmente e, em caso de decisão judicial favorável ao consumidor, o plano de saúde passa a ser obrigado a realizar o procedimento ou fazer o reembolso do valor gasto pelo paciente. Com a mudança de exemplificativo para taxativo esse processo seria comprometido. Ativistas avaliam a proposta no STJ como uma violação do direito à saúde.
“Se a mudança de exemplificativo para taxativo for consolidada no julgamento desta quarta-feira, as pessoas não vão mais poder judicializar porque vai haver o entendimento de que nada que está fora do rolda ANS é obrigação do plano de saúde. Os pacientes vão ficar reféns, com o direito à saúde comprometido, porque esse rol não é atualizado com a frequência que deveria ser, muitos exames que estão na lista são os mais baratos e não necessariamente os mais efetivos”, explicou a jornalista e fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, Andréa Werner. O Lagarta Vira Pupa, uma das entidades à frente da mobilização para sensibilizar os ministros do STJ, é uma rede de apoio para mães, famílias e pessoas com deficiência.
Entre os tratamentos essenciais que não fazem parte do rol da agência reguladora de saúde, estão: realização de exame PET Scan (tomografia computadorizada que é capaz de diagnosticar o câncer), imunoterapia para tratar tumores; hidroterapia (reabilitação física para problemas específicos, como disfunções ortopédicas, neurológicas, respiratórias e vasculares) e terapia ABA (análise aplicada ao comportamental para o tratamento de crianças autistas).
O Recurso Especial que modifica o processo de judicialização para pacientes e planos de saúde é de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão. O julgamento teve início em setembro de 2021, porém, a ministra Nancy Andrighi pediu vista do processo e só agora ele retornou à pauta do STJ.
Sabendo do risco que a falta de obrigatoriedade dos planos de saúde em cobrir procedimentos, terapias e exames específicos, pode ter no tratamento de seus filhos, mães de crianças atípicas convocaram um ato para esta quarta-feira. As manifestantes irão se acorrentar em frente ao prédio do STJ, em Brasília, Distrito Federal, durante a votação do recurso.
Mãe de um menino autista de 13 anos, Andréa Werner é uma das organizadoras do ato e afirma que mais de 200 pessoas estarão presentes na manifestação. “A nossa esperança é que toda a nossa mobilização e a cobertura da mídia sensibilizem os ministros para que a gente não tenha essa reviravolta tão trágica”, disse.
“Não é só uma questão de mãe atípica, todo mundo que usa plano de saúde vai ser afetado. Pessoas que têm câncer, que precisam de imunoterapia, pessoas que fazem bariátrica, pessoas que fazem uso de canabidiol para epilepsia de difícil controle, todas elas vão ser afetadas”, completou a ativista.
Priscila Santos é mãe de Bento, de 11 anos, e de Beatriz, de 6 anos, ambos diagnosticados com autismo, e conhece bem a importância do processo de judicialização para conseguir um tratamento adequado para seus filhos.
“Todas as terapias dos meus filhos são reembolsadas por medida judicial porque só na rede referenciada do plano de saúde não têm profissionais que atendam à questão ampla e multidisciplinar do autismo. As crianças fazem fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e terapia ABA”, afirmou Priscila.
A análise do comportamento aplicada, conhecida como terapia ABA, é um dos tratamentos fundamentais para o desenvolvimento comportamental de crianças com diagnóstico no espectro autista, como Bento e Beatriz, e está entre os procedimentos que podem ser afetados pela decisão do STJ. A terapia é responsável pelo ensino intensivo das habilidades comportamentais individuais e é capaz de desenvolver a aptidão social para que as crianças autistas consigam ter independência e qualidade de vida, proporcionando uma melhor comunicação e adaptação em diversos ambientes.
“A ABA deu muita qualidade de vida para os meus filhos. Antes eu não conseguia ir a um restaurante com meu filho porque ele não queria ficar sentado, mas depois da ABA ele consegue ficar. Tirar a ABA de uma pessoa com autismo é basicamente dizer ‘deixa ela trancada em casa’”, declarou Priscila Santos.
Em fevereiro de 2017, Priscila conseguiu uma liminar determinando que o plano de saúde deveria custear integralmente o tratamento de seus filhos, mas ainda enfrenta dificuldades para que a medida seja cumprida. “Não basta conseguir a liminar, porque, mesmo assim, eles [plano de saúde] demoram para reembolsar, então a gente acaba fazendo o pagamento dos profissionais com meses de atraso. O plano já chegou a expulsar a gente e foi preciso entrar na Justiça para voltarem a nos atender”, disse a jornalista.
Priscila reiterou que: “se passar a ser taxativo, o que era difícil vai se tornar desesperador e vai prejudicar ainda mais o tratamento de pessoas com autismo”.
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.