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Maior pesquisa da América Latina sobre saúde das mulheres está sendo realizada no Recife

Maria Carolina Santos / 11/12/2025
Uma pessoa usando jaleco branco e luvas roxas está em um laboratório, segurando dois tubos de ensaio com líquido vermelho, possivelmente amostras de sangue. Sobre a bancada, há um suporte com vários tubos coloridos organizados. O fundo está desfocado, destacando as mãos e os tubos. A cena transmite um ambiente de pesquisa ou análise clínica.

Crédito: Pixabay/Dmytro Tkachuk

Em menos de dez anos, Pernambuco viveu duas novas epidemias, a da zika e a da covid-19. Desde 2020, uma pesquisa investiga os impactos dessas epidemias na saúde reprodutiva de mulheres pernambucanas. Na atual etapa, o estudo DeCode Zika e Covid (DZC) pretende entrevistar mais de duas mil mulheres de 23 a 39 anos, de várias localidades do Grande Recife.

O estudo, que segue até 2029, é financiado pela Universidade da Pensilvânia e liderado pela demógrafa brasileira Letícia Marteleto e coordenado no Brasil pela socióloga Ana Paula Portella. “O estudo começou com a crise da microcefalia, que atingiu as mulheres grávidas na epidemia de zika. Quando a pandemia da covid começou em 2020 tínhamos duas opções: ou desistir da pesquisa ou incorporar a covid ao estudo. A pesquisa foi então reformulada para incluir a covid-19 e outras arboviroses, investigando como essas crises de saúde pública afetam as decisões reprodutivas e o acesso a serviços de saúde”, diz Portella.

Como a pandemia da covid-19 teve mais impacto na população, a pesquisa ganhou mais profundidade. “Durante a pandemia, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi intensamente afetado, o que pode ter levado à falta de contraceptivos ou à impossibilidade de atendimento médico e de enfermagem para procedimentos como o uso de implantes hormonais”, diz a socióloga, sobre uma das investigações da pesquisa. “O medo de sair de casa ou o fechamento/redirecionamento de postos de saúde para o atendimento de pacientes com covid durante os períodos de lockdown, fez com que mulheres deixassem de usar métodos contraceptivos”, diz.

A interrupção no uso de contraceptivos deixou as mulheres pernambucanas mais expostas ao risco de uma gravidez não planejada. “A pesquisa também investiga o que aconteceu quando essas gestações indesejadas surgiram, e se foram levadas a termo ou não”, conta.

As pesquisadoras afirmam que a DZC é o maior estudo em painel com mulheres da América Latina. “A pesquisa em painel é um tipo de estudo que se caracteriza por acompanhar o mesmo grupo de participantes em diferentes momentos ao longo do tempo. No contexto da nossa pesquisa, isso significa que o mesmo grupo de mulheres está sendo acompanhado desde a primeira onda de coleta de dados em 2020, com planos de continuar até 2029”, explica Ana Paula.

Uma característica inerente a esse tipo de pesquisa é que há uma perda de participantes ao longo do tempo, que pode acontecer desde mudança no contato e desinteresse em continuar respondendo à pesquisa até adoecimento ou falecimento das participantes. Para mitigar essa perda e manter a representatividade da amostra, é comum em estudos de painel realizar uma renovação da amostra. “Estamos na quarta onda desta pesquisa e, além de continuar acompanhando as mulheres desde 2020, uma nova amostra de 2.400 mulheres começou a ser entrevistada para renovar o grupo de estudo. A partir da onda número 5, as duas amostras serão combinadas em uma única”, diz a pesquisadora.

Com a pesquisa nesta fase concentrada na Região Metropolitana do Recife, os condomínios verticais têm sido um obstáculo para encontrar as participantes. “Porteiros ou síndicos frequentemente barram a entrada da equipe de pesquisa antes mesmo que eles consigam falar com os moradores dos apartamentos sorteados. Para tentar contornar isso, temos enviado cartas, ido aos prédios para conversar com síndicos e empresas, e também são disponibilizados telefones e o site da pesquisa para garantir a segurança e a ética do trabalho”, diz Portella, que faz um apelo para que as mulheres contactadas atendam as entrevistadoras.

A DZC contratou a empresa Datamétrica, cujas entrevistadoras usam crachá com nome e foto, e portam uma carta de apresentação da Universidade da Pensilvânia. Há também um QR Code com informações da pesquisa para que as pessoas possam verificar a autenticidade e se sintam seguras em participar. Essa etapa de entrevistas segue até dezembro deste ano.

Ainda que o estudo final só saia em 2029, a pesquisa DZC já publicou 18 artigos sobre o tema. Um deles se debruçou sobre o impacto da perda de renda das mulheres durante a pandemia de covid e a intenção de ter ou não filhos. A pesquisa concluiu que a ideia de adiar a gravidez ou de não ter mais filhos dependia, parcialmente, se a mulher já havia sido mãe ou não. As que não tinham filhos, eram mais inclinadas a engravidar logo e a perda de renda não fazia diferença. As que já eram mães, tinham diferentes opiniões, a depender da perda ou não de renda.

A pesquisa também constatou que as mulheres que eram mães e perderam renda eram mais inclinadas tanto a desistir de ter filhos quanto a adiar uma nova gravidez. E mães de duas ou três crianças que tiveram perda na renda eram as mais propensas a desistir de ter outra criança. Todos os artigos já publicados estão disponíveis no site, somente na versão em inglês.

A ideia é de que a pesquisa ajude a fomentar políticas públicas voltadas para a saúde reprodutiva das mulheres brasileiras e seja um guia no caso de futuras epidemias. Mais informações sobre a pesquisa estão disponíveis no site do projeto em português: https://web.sas.upenn.edu/dzc-pt/

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org