Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Marinha está apurando possíveis irregularidades em obras na Escola de Aprendizes Marinheiros

Kleber Nunes / 21/06/2021
Escola de Aprendizes de Marinheiro

Crédito: Divulgação Marinha do Brasil

A Escola de Aprendizes Marinheiros de Pernambuco, no Recife, gastou pouco mais de R$ 530 mil em obras voltadas para equipamentos de esporte e lazer. O que poderia ser trivial em outro momento, tem chamado a atenção dos militares por se tratar de recursos públicos aplicados em um campo society e numa pista de atletismo, durante o primeiro ano da pandemia de coronavírus.

Para além da suposta falta de critérios de prioridade no investimento do orçamento da União, marinheiros que estudam ou trabalham na escola apontam falhas nos processos licitatórios e na execução das intervenções, o que indicariam mau uso do dinheiro público. Um processo administrativo foi aberto em abril para apurar apenas o contrato da obra da pista de atletismo.

Alegando atender ao Programa Forças no Esporte (Profesp), a Escola de Aprendizes Marinheiros de Pernambuco contratou a empresa Barra Esportes Artigos Esportivos Ltda. para a instalação de grama sintética para o campo society da unidade de formação. De acordo com o portal de compras do Governo Federal, a licitante foi escolhida entre quatro concorrentes pelo valor de R$ 205 mil, em um certame que tinha como teto R$ 216.196,35.

De acordo com fontes ouvidas pela Marco Zero, a obra não estava prevista no programa de recursos do órgão para aquele ano e outras necessidades foram relegadas, a exemplo da demolição de uma torre de caixa d’água que está com a estrutura danificada e corre risco de desabamento. Ainda assim, o comando da escola de marinheiros seguiu com a implantação do campo society, utilizando parte dos recursos do Profesp, que, desde 2009, oferece atividades esportivas gratuitas a jovens de áreas vulneráveis do bairro de Santo Amaro e adjacências. No entanto, o programa está paralisado devido à pandemia de covid-19.

“Durante um contexto extremamente sério de crise econômica e falta de recursos para custear os mais necessitados, os recursos recebidos pelo Profesp foram utilizados em uma obra que não trouxe benefício às crianças atendidas pelo programa que foi paralisado pela pandemia e não se reverteu em ganhos para a sociedade”, afirmou um militar à reportagem.

Outra parte do dinheiro investido em grama sintética foi retirada da chamada Gestoria de Caixa de Economias. A rubrica é regulamentada por um decreto federal de 1932 que diz que a principal fonte de recursos vem da sobra lícita do dinheiro recebido para custear o “rancho dos militares”. Na prática, significa que esse tipo de caixa é composto por verba destinada à aquisição de alimentos que acabou “não sendo utilizada” na alimentação dos militares.

“Como a lei determina que as forças armadas forneçam alimentação para os militares, esses recursos acabam assumindo a forma de ‘despesa obrigatória’ do Governo Federal. Porém, através da caixa de economias, os estabelecimentos militares transferem esses recursos para o custeio de gastos considerados discricionários, cujos recursos são absolutamente escassos”, explica um militar ouvido pela Marco Zero.

Para garantir uma boa economia com a alimentação dos marinheiros, a escola teria reduzido a qualidade das refeições durante todo o ano passado, afetando a saúde nutricional de quase 220 militares.

“Quando analisamos o caso pela ótica dos princípios constitucionais fica nítido que a impessoalidade, a moralidade e a eficiência foram completamente abandonados”, critica a fonte, ao sugerir que há uma relação pessoal entre a empresa e o comando da escola.

Obra foi reduzida, valor do contrato não

Visão geral da Escola de Aprendizes, no complexo de Salgadinho. Crédito: Google Maps/reprodução

Enquanto os protocolos de convivência com a covid-19 em Pernambuco seguiam tentando estimular o distanciamento social, a Escola de Aprendizes Marinheiro dava início à pavimentação e drenagem de uma pista de atletismo. Se a obra por si só levantou questionamentos de quem está lotado na unidade, as alterações durante a execução da intervenção incomodaram ainda mais.

Escolhida em um processo de tomada de preço por pouco mais de R$ 330 mil, a Projetar Construções e Projetos Eireli mal colocou suas máquinas e seus funcionários para trabalhar, e a obra foi redimensionada. O tamanho da pista foi inicialmente reduzida em 40 cm para construção da sarjeta trapezoidal do sistema de drenagem.

Além disso, militares contaram à Marco Zero que sem qualquer explicação aparente, deslocou-se a lateral externa da pista em 20 cm, totalizando uma redução de 60 cm na largura da pista. Os marinheiros acreditam que todo o projeto deveria ser recalculado e um termo aditivo emitido, considerando que a pista teria 6,80 m pista, ao invés dos 7,40 m iniciais.

A Marinha se posiciona

A Marinha do Brasil afirmou, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa, que ambas as obras foram executadas com a aprovação da Consultoria Jurídica da União (CJU), e que foram cumpridos os requisitos de legalidade e impessoalidade. No entanto, as intervenções na pista de atletismo realmente estão sob apuração interna há três meses.

No texto, a instituição defende a importância da realização das obras, “por se tratar de uma instituição de ensino militar-naval, os espaços para prática de esportes e exercícios físicos se constituem em atividades inerentes ao treinamento físico-militar”, já que as atividades da unidade de formação permanecem ininterruptas.

“Quanto às obras relacionadas ao Programa Forças no Esporte (Profesp), as atividades estão suspensas, no entanto, serão retomadas ao término da crise sanitária causada pela covid-19, quando os beneficiados vão usufruir de infraestrutura em melhores condições”, diz o texto.

Sobre a denúncia de redução na qualidade da alimentação dos marinheiros, a Marinha esclareceu que continuou e continua buscando “promover o conforto e a saúde da tropa por meio de uma alimentação balanceada, em quantidade e variedade adequadas, de maneira que os recursos destinados a essa finalidade atendem ao aspecto nutricional”.

Por fim, os militares reiteraram que a “Escola de Aprendizes Marinheiros de Pernambuco zela pela lisura nos procedimentos de contratação de serviços e de aquisição de bens, e repudia quaisquer atos irregulares, assim como preza pela execução de despesas com parcimônia, a fim de não comprometer a política de austeridade, sempre perseguida pela Administração Naval”.

AUTOR
Foto Kleber Nunes
Kleber Nunes

Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com