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Crédito: Hélia Scheppa/SEI
“A gente voltou a viver em uma ditadura? Onde é que a gente vai protestar contra o assassinato de uma criança e a polícia vem nos atacar?” Esse é o questionamento de uma moradora que está aterrorizada e incrédula diante da ações violentas da Polícia Militar de Pernambuco nos últimos dias na praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, no litoral Sul de Pernambuco.
No dia 30 de março, após o assassinato de Heloysa Gabrielle, de apenas seis anos – atingida no peito por uma bala durante uma perseguição policial, enquanto brincava na rua da casa de sua avó – , os moradores da cidade litorânea resolveram protestar e cobrar por justiça. Porém, ao invés de receber acolhida e ser escutada pelas autoridades de segurança do Governo do Estado, a população relata que está sendo ainda mais intimidada pela PM.
Vídeos que circulam nas redes sociais mostram a ostensiva operação policial que foi instaurada em Porto de Galinhas na noite dessa quinta-feira, 31 de março. De acordo com uma publicação do próprio governador Paulo Câmara, o objetivo da ação é “restabelecer a tranquilidade no Litoral Sul”. Não é isso que dizem os moradores.
Residente de uma rua próxima onde aconteceu o assassinato da menina Heloysa Gabrielle, a moradora de Porto de Galinhas – que não será identificar nesta reportagem para que não sofra represálias por parte da PM -, revela que a violência policial tem sido constante na região nos últimos meses.
“A gente tem percebido que, desde dezembro do ano passado, houve um aumento nas ações da polícia aqui na cidade e a situação se agravou ainda mais no mês de março, principalmente depois do dia 17, quando três adolescentes foram assassinados em uma dessas operações da polícia. No dia 19 de março, houve outra operação na cidade, era meio-dia quando a polícia chegou atirando. Eles estavam encapuzados, como sempre, e com as armas expostas. Como era sábado, não tinha muita gente na rua e ninguém se feriu. Infelizmente, na quarta-feira [30 de março], quando os policiais chegaram atirando mais uma vez, era feriado na cidade, aniversário de Ipojuca e, por isso, tinham muitas crianças brincando na rua, e uma das balas atingiu Heloysa”, disse.
A moradora relembra o dia do ocorrido e se emociona ao afirmar que seu filho também estava brincando na rua no momento dos disparos e poderia ter sido vítima da polícia. “A gente ouviu três tiros, as crianças entraram correndo e depois ouvimos mais dois tiros. A polícia alega que houve troca de tiros, mas não houve, eles estão mentindo. O que as pessoas que estavam na hora viram foi um carro da polícia, com policiais armados apontando as armas pra fora das janelas, perseguindo um rapaz que estava empinando uma moto, mas não houve confronto. Depois dos disparos eu só ouvi choro, muito choro e eu, que estava na rua ao lado, não consegui entender direito o que havia acontecido”.
Segundo a entrevistada, logo após o ocorrido, ao saber da morte da criança, a comunidade se uniu para promover uma manifestação pacífica. Além disso, em comum acordo, integrantes das associações de turismo e comerciantes da cidade decidiram, por conta própria, decretar três dias de luto e paralisaram as atividades durante este período.
“Nós não fechamos as portas dos nossos estabelecimentos por medo de tráfico e das facções criminosas, como a polícia saiu dizendo por aí, foi um protesto nosso, para saber o motivo do Estado ter matado uma criança de seis anos e pedir um apoio jurídico”, declarou uma comerciante, que disse ainda acreditar que alguns estabelecimentos voltaram a funcionar nesta sexta-feira por pressão dos policiais.”Fiquei sabendo que uma padaria foi obrigada a abrir para servir o café da manhã a 50 policiais”, disse.
Com medo de sair de casa, esta moradora afirma que, desde a manhã de 31 de março, policiais circulam encapuzados e armados pelas ruas de Porto de Galinhas, bombas são disparadas contra a população e helicópteros da polícia sobrevoam as casas em voos rasantes. Durante a entrevista por telefone, foi possível ouvir o ruído dos rotores das aeronaves que sobrevoavam a área.
Para a entrevistada, o que acontece na cidade é o retrato da opressão: “A comunidade perde uma criança de seis anos e ainda tem que ficar presa dentro de casa porque a mesma polícia que assassinou agora está tocando o terror na população?”, questiona.
“Eles [policiais] estão buscando algo que nem nós moradores sabemos o que é, porque não há necessidade dessa quantidade de policiais aqui em Porto, não há necessidade de tantas agressões e violências que a gente está vivendo aqui”. Outra mulher que também pede para não ser identificada por medo de sofrer intimidação, relata os dias de terror vividos na comunidade de Salinas, em Porto de Galinhas.
A grande quantidade de policiais que ocuparam a cidade, citada pela moradora, foi uma medida adotada pelo próprio Governo do Estado. Em nota enviada à imprensa, na noite dessa quinta-feira, 31 de março, a assessoria do governador informou:
“O governador Paulo Câmara determinou o reforço da segurança em Porto de Galinhas, no município de Ipojuca, na noite desta quinta-feira (31.03). Cerca de 250 homens das polícias Militar e Civil se concentraram na sede da PMPE, no Derby, para seguir em comboio para o litoral sul do Estado.
Paulo Câmara monitorou os protestos em Porto de Galinhas durante todo o dia, ao lado do secretário estadual de Defesa Social, Humberto Freire, e do comandante da PMPE, coronel Roberto Santana. As manifestações ocorreram em vários pontos da cidade de Ipojuca, por causa da morte de uma criança de seis anos, vítima de um disparo de arma de fogo durante um confronto entre policiais e dois suspeitos, na comunidade das Salinas”.
Se as operações policiais já estavam acontecendo com mais frequência desde o início de março, os protestos pela morte de Heloysa Gabrielle agravaram ainda mais a situação. De acordo com a moradora, parece ter sido um pretexto para que “a polícia pudesse invadir de vez usando a desculpa do combate ao tráfico de drogas”.Ela descreve como a chegada dos policiais à cidade modificou o cotidiano da população:
“Desde 17 de março, todos os dias têm operações violentas da polícia aqui. E não importa a hora do dia, eles não estão preocupados com a segurança dos moradores. Os policiais chegaram a quebrar os quebra-molas das ruas para poder correr mais com os carros. Eu já vi uma mãe com sua criança no colo quase sendo atropelada pelo carro da polícia em uma dessas ruas, já vi os policiais apontando arma para idosos. Nós tínhamos que sair de casa com todos os documentos e havia até a recomendação para sairmos sempre com a farda do trabalho, porque eles estavam abordando todo mundo e alguns chegaram a ser agredidos. Um dia, eu testemunhei um rapaz que levou tapas dos policiais porque estava mexendo no celular e eles acharam que ele estava passando informações para alguém”.
A moradora enfatiza o abuso de autoridade exercido pelos policiais que, segundo ela, andam pelas ruas portando armas de grosso calibre apontadas para os moradores, além de estarem sempre encapuzados. Ela diz ainda que muitos deles ordenam que os moradores permaneçam dentro de casa e ameaçam os que desobedecem.“Os policiais já chegam atirando sem se importar quem está na mira. É uma situação muito aterrorizante porque a gente nunca viu nada parecido acontecer aqui em Porto de Galinhas”, declara.
Nesta sexta-feira, 1º de abril, representantes de diversas instituições e organizações sociais de garantia aos direitos humanosparticiparam de uma reunião com os moradores da cidade de Porto de Galinhas. Entre as entidades presentes na reunião, estavam as comissões de Direitos Humanos, de Advocacia Popular, de Segurança Pública da secção pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Articulação Negra de Pernambuco, Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco.
O objetivo do encontro é prestar apoio jurídico e psicossocial à família de Heloysa Gabrielle e também aos moradores da cidade que denunciam as ações violentas da polícia, a fim de abrir um diálogo com a Secretaria de Defesa Social para resolver a situação atual na cidade do Litoral Sul.
“A população não está se sentindo ameaçada por outros moradores ou pelo tráfico, ela está se sentindo ameaçada pelo aparato policial que está chegando na cidade. Os moradores estão protestando contra a violência da própria polícia e do Estado, que matou uma criança de seis anos e três adolescentes no mês de março. Para quê tanta polícia em uma cidade que tem um contingente populacional pequeno?”, contestou Igor Travassos, comunicador da Articulação Negra de Pernambuco.
No final da tarde, parentes e amigos da menina Heloysa Gabrielle, de seis anos – morta após ser atingida por um disparo de arma de fogo efetuado pela polícia -, realizaram mais um ato pedindo justiça.
O ato aconteceu de forma pacífica na cidade de Porto de Galinhas, onde a criança foi assassinada. Vestidos de branco e carregando bolas brancas, os manifestantes caminharam pacificamente pelas ruas da comunidade da Salinas em direção ao centro da cidade. Sob a justificativa de fazer a escolta ou a proteção dos participantes, policiais militares acompanharam a manifestação armados com fuzis.
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.