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Amanda Alves tinha 15 anos quando começou a trabalhar para a indústria têxtil. Passou outros 15 por detrás de uma máquina de costura sem conseguir concretizar o sonho de comprar uma moto e tirar a habilitação, apesar de trabalhar das 6h às 18h. A realização veio somente recentemente, em apenas um ano de trabalho com a enxada.
Numa das cidades do polo têxtil pernambucano, Amanda é uma das 32 integrantes da Associação de Mulheres da Agricultura Familiar do Sítio Carneirinho, na zona rural de Caruaru, no agreste, que estão transformando as vidas através da agricultura familiar. “A gente trabalhava para sobreviver, e não para viver”, lembra Amanda sobre o trabalho de costureira que realizava no quintal de casa. “O que a gente vivia era um trabalho escravo, trabalhava muito e ganhava pouco, sem tempo até para o lazer”, diz. Elas recebiam de R$ 1,00 a R$ 1,20 por peça costurada.
A revolução veio da terra e com apoio de políticas públicas. Hoje, plantando batata doce, macaxeira, mamão, banana, melancia, cebolinha, alface, pimentão, coentro, entre outros produtos, e também criando frango, bode e vacas, as 32 mulheres de Sítio Carneirinho, fundado nos anos 1930, conseguem ter outra vida e muito orgulho do que fazem. Lá, nada é desperdiçado. A produção é destinada para consumo próprio, feiras livres e também doações para a própria comunidade.
“Por exemplo, ter um microondas e uma TV de plasma. São coisas simples que a política pública traz, de dignidade de vida para as mulheres”. Para a associação, isso mostra que, mesmo numa área de semiárido, é possível produzir e vender quando se tem apoio e assessoria técnica. É também a prova de que as mulheres e filhas da caatinga conseguem ser o que quiserem sem precisar sair da zona rural.
Crédito: Arthur Souza/Caatinga Climate Week
“A gente não vai ‘enricar’, mas a gente consegue comprar uma máquina de lavar para diminuir o nosso tempo de trabalho. Porque a mulher tem muito mais tempo de trabalho do que o homem. O homem passa o dia trabalhando, mas, quando chega em casa, a intenção dele é descansar. Já a gente passa o dia trabalhando para, quando chegar em casa, ainda ter as nossas atividades e trabalhar de novo”, compara.
“Eu digo à minha filha, desde sempre, que, se ela quiser, ela vai estudar e fazer faculdade. E, se ela disser ‘eu vou querer ser agricultora igual à minha mãe’, ela vai ser”, diz Amanda. “Eu falo para ela que eu estudei, mas minha profissão é agricultora. E ela precisa ser valorizada e respeitada como todas as outras, porque somos nós que colocamos comida na mesa do advogado, do enfermeiro, do médico e das pessoas de qualquer outra profissão”, fala, orgulhosa.
A articulação da Associação de Mulheres do Sítio Carneirinho começou em 2019. A formalização em cartório veio quatro anos depois, com a consultoria do Movimento Sem Terra (MST). A assessoria técnica ficou por conta do Centro Sabiá, organização pernambucana que, desde 1993, atua trabalhando para promover a agricultura familiar seguindo os princípios da agroecologia.
As agricultoras passaram um ano fazendo bingos na comunidade para conseguir arrecadar o dinheiro necessário para pagar taxas e impostos cartoriais e finalmente obter um CNPJ. Foi em 2024, que a transformação chegou com tudo, por meio do acesso a dois programas governamentais de compras públicas de alimentos produzidos por agricultores familiares no Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O Pnae e o PAA garantem renda, comercialização e diversificação produtiva. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e trabalhos acadêmicos indicam os efeitos positivos: ser fornecedor do PAA aumenta a renda dos agricultores entre 19% e 39% e vender para o Pnae tem efeito positivo na renda estimada entre 23% e 106%.
Em 2023, o Governo Federal registrou, via PAA, R$ 1 bilhão disponibilizados para aquisição de 163.675 toneladas de alimentos distribuídos a entidades, gerando renda a 81.707 agricultores familiares, 61% eram mulheres, segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).
“Papai foi uma das primeiras pessoas, há mais de dez anos, a acreditarem que o Pnae e o PAA dariam certo”, recorda Amanda. A minha casa e o carro que ele tem foram comprados com o primeiro dinheiro que ele recebeu do Pnae”, lembra Amanda.
Por conta da pouca quantidade de água disponível no momento, a produção de hortaliças ainda está aquém do potencial. O recurso vem não só das cisternas, mas de poços perfurados. As mulheres estão se organizando para comprar uma bomba maior e assim aumentar a produção. Como a água do poço é salobra, ela fica reservada para os animais, para evitar “queimar” e perder as plantações.
Esse cenário muda no inverno, quando as agricultoras conseguem aumentar a produção e vender mais hortaliças na feira, além de garantir o consumo próprio das famílias. Na áreas de barreiro, um pouco mais distantes, onde a água é mais abundante, elas investem na produção de melancia e aproveitam para plantar também pimentão e coentro. São produções que vão quase que exclusivamente para o PAA e o Pnae.
A repórter viajou a convite da Caatinga Climate Week
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com