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“Não é energia limpa se está desmatando, poluindo nascentes e mudando a vida das pessoas”, afirma físico da UFPE

Giovanna Carneiro / 13/05/2022

De acordo com os dados do Ministério de Minas e Energia, em 2021, o Brasil bateu recorde de expansão da capacidade instalada de energia elétrica a partir de fonte eólica e subiu para a 6ª posição no ranking do Global Wind Energy Council, saltando de 1 gigawatts de potência instalada em 2011 para 21 gigawatts em janeiro de 2022. Com isso, a energia eólica passou a ser a segunda maior fonte de energia do país, ficando atrás apenas da energia gerada pelas hidrelétricas. De acordo com dados do Governo Federal, a região Nordeste lidera a produção de energia eólica no Brasil e o estado que mais produz é o Rio Grande do Norte.

Apesar das vantagens da produção de energia a partir das fontes renováveis – como o fim da emissão de gases do efeito estufa que contribuem nas mudanças climáticas-, a instalação dos parques eólicos no Brasil, sobretudo no Nordeste, tem sido tema de debates na sociedade civil. Denúncias de trabalhadores que vivem próximos às áreas ocupadas pelos parques se juntam a estudos acadêmicos ao revelar os impactos negativos que esses empreendimentos podem trazer para a saúde da população e para o meio ambiente.

O físico e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Heitor Scalambrini Costa, que desenvolve trabalhos sobre a relação entre energia e meio ambiente, conversou com a Marco Zero para explicar porque definir a energia eólica como uma energia limpa pode trazer consequências negativas para a preservação ambiental.

Marco Zero Conteúdo – Por que não devemos chamar a energia eólica de energia limpa apesar dela ser considerada uma energia renovável?

Heitor Scalambrini – Uma das principais causas das mudanças climáticas são os chamados combustíveis fósseis, o petróleo e seus derivados, o gás natural, o carvão mineral e os minérios radioativos, esses combustíveis são fontes de energia não renováveis e eles acabam contribuindo com mais de 70% de emissão dos chamados gases de efeito estufa. Então, não tem como a gente falar em mudanças climáticas sem falar em energia. Por isso é tão importante as fontes renováveis de energia, como o sol, o vento, a biomassa e as águas, já que os processos utilizados para transformar esses recursos em fontes de energia não emitem gases do efeito estufa. Porém, essas fontes de energia renovável são incorretamente chamadas de energia limpa porque, ao mesmo tempo que elas contribuem com o fim da emissão dos gases de efeito estufa, elas têm uma repercussão muito grande nos impactos socioambientais devido à maneira como estão sendo implantadas aqui no Brasil.

E qual é a maneira que a energia eólica está sendo implantada no Brasil?

As fontes de geração de energia eólica são implantadas em grandes superfícies, que é o que a gente chama de geração centralizada, quando você concentra grandes parques eólicos, usinas solares e produz uma enorme quantidade de energia e coloca toda essa energia nos fios das linhas de transmissão para que ela seja levada para todo o país. Esse modelo de instalação traz muitos impactos, na vida das pessoas e no meio ambiente, por isso é errado a gente falar em energia limpa, se falássemos só do processo de transformação de energia tudo bem, mas para implantar esse sistema em grandes áreas, como é o modelo tradicional que temos implantado hoje no Brasil, ela vai trazer grande problemas, principalmente agora com o afrouxamento da fiscalização ambiental e dos órgãos de controle. O sistema ambiental de fiscalização a nível federal que está em frangalhos.

Quais são os riscos que esse modelo de implantação de uma energia dita sustentável pode trazer para o meio ambiente?

O fato de chamarmos a energia eólica de energia limpa implica, do ponto de vista da legislação ambiental, que elas são de baixo impacto ambiental, e isso exime as empresas de energia eólica da obrigação de apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto do Meio Ambiente, que são dois mecanismos fundamentais para fiscalizar a implantação de projetos e empreendimentos que afetam o meio ambiente e esse é um grande problema. Não há limite de ocupação de locais para os empreendedores e isso acaba acarretando no desmatamento desenfreado, principalmente da caatinga, que hoje só tem50% da vegetação original, o resto já foi desmatado e a implantação da energia eólica do jeito que está sendo feita é mais uma ameaça ao bioma.

Qual seria então a solução para continuar produzindo energia eólica no Brasil sem afetar a natureza e a população?

Não somos contra a instalação dos parques eólicos, somos a favor do processo de transição energética que vai substituir os combustíveis fósseis, mas é preciso que haja cuidado para que não acabemos dando um tiro no pé, porque não há energia limpa se você está desmatando, poluindo nascentes e mudando a vida das pessoas efetivamente ao tirá-las de suas casas, principalmente porque muitas dessas pessoas são pequenos agricultores. Nós somos favoráveis à implantação desses sistemas, mas em pequenas instalações, que nós chamamos de sistemas descentralizados, porque quanto maior a área ocupada pelos aerogeradores maior vai ser o impacto no meio ambiente. Caso as grandes instalações sejam realmente necessárias e bem justificadas, que elas aconteçam em locais de desertificação, que não afete diretamente o cotidiano das pessoas nem o ambiente.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.