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Por Laércio Portela e Samarone Lima
Quarenta e oito anos após a decretação do AI-5, o Exército voltou a ocupar as ruas do Recife, reprimir e prender estudantes que protestavam contra o governo federal. Tudo aconteceu na dispersão da manifestação promovida nesta terça-feira (13) por movimentos sociais contra a PEC 55, que congela gastos sociais por 20 anos e havia sido aprovada horas antes em definitivo pelo plenário do Senado Federal.
Estudantes relataram à reportagem da Marco Zero Conteúdo que a maior parte dos manifestantes já tinha atravessado a ponte Duarte Coelho e chegava na Avenida Guararapes quando as forças de segurança que acompanhavam o fim do protesto (Exército e Polícia Militar) começaram a disparar tiros de bala de borracha. Pelo menos um dos estudantes foi atingido de raspão na cabeça. Um grupo de 50 jovens correu para se proteger pela rua Matias de Albuquerque e acabou encurralado na via estreita por vários militares do Exército, armados de fuzis.
Os estudantes foram forçados a ficar ajoelhados e de costas por cerca de 40 minutos até que os primeiros advogados do Movimento Juristas pela Democracia e do Centro Popular de Direitos Humanos chegassem ao local para defendê-los por volta das 18h30. Após a intervenção dos militares do Exército, a Policia Militar se apresentou e substituiu as Forças Armadas, que foram dispensadas.
Segundo os relatos colhidos pela reportagem, durante o percurso da manifestação na Conde da Boa Vista houve tumulto e pessoas não identificadas quebraram os vidros de algumas agências bancárias. Mas quando o Exército avançou sobre os jovens na Avenida Guararapes a situação estava tranquila.
Rede de solidariedade
A detenção dos estudantes agitou as redes sociais. Rapidamente a notícia se alastrou entre outros estudantes, amigos, professores e advogados que militam na defesa dos alunos que estão ocupando universidades e escolas em Pernambuco. Em poucos minutos vários deles já estavam na frente da Central de Flagrantes da Polícia Civil localizada na Avenida Agamenon Magalhães, no bairro de Campo Grande.
As primeiras informações que chegavam era de que os estudantes maiores de idade seriam transferidos para a Central e os menores de idade seriam encaminhados para a Gerência de Policia da Criança e do Adolescente, no bairro de Santo Antônio. Mas os advogados conseguiram negociar a liberação dos cerca de 20 menores de 18 anos detidos antes mesmo deles serem encaminhados para a GPCA.
Às 22h os vinte e oito estudantes maiores de 18 anos presos pelo Exército chegaram à Central de Flagrantes da Polícia Civil conduzidos em um ônibus da Polícia Militar. Além dos policiais, eles foram acompanhados em todo o trajeto pelo defensor público da União, Geraldo Vilar. O acompanhamento do defensor foi uma exigência dos advogados para ver garantida a integridade física dos jovens durante o transporte.
Gritos de ordem contra a PM e a “Mídia Golpista”
Cerca de 50 pessoas, entre estudantes, professores e amigos esperavam os detidos na frente da Central de Flagrantes. Pelo menos 15 policiais militares fortemente armados faziam a escolta. A chegada foi acompanhada de gritos de ordem contra a PM, a mídia e a repressão aos movimentos sociais. Os jovens eram acusados de “danos ao patrimônio” e “arrastão”.
Após a condução dos estudantes para o prédio da Central de Flagrantes, o advogado Jefferson Valença, dos Juristas pela Democracia, saiu para conversar com os jovens que os apoiavam do lado de fora. Jefferson esteve todo o tempo ao lado dos manifestantes detidos e participou ativamente das negociações para a liberação dos menores de 18 anos e a garantia da segurança dos maiores.
A expectativa por volta das 23h00 era de que os estudantes detidos fossem liberados sem que fosse lavrado nenhum Termo Circunstancial de Ocorrência. O que se confirmou a partir das 0h50, quando os primeiros jovens começaram a ser soltos.
Flagrante forçado
O defensor público Geraldo Vilar informou que os policiais militares justificaram a detenção com as acusações de danos ao patrimônio e arrastão. “É claramente um flagrante forçado, que não se sustenta. Até porque sequer existe o crime de arrastão”, explicou.
“A princípio, a Tropa de Choque não queria deixar eu entrar no ônibus”, disse. Depois de muita negociação, ele foi autorizado a acompanhar os jovens, mas nenhum advogado do coletivo Juristas Pela Democracia teve autorização. “Eles estavam receosos, preocupados”, contou Vilar.
Ao descer do ônibus, todos os jovens cobriam os rostos com camisas, para evitar serem identificados.
O advogado Caio Moura, do Centro Popular de Direitos Humanos, um dos primeiros a chegar ao local da ação militar, reiterou as palavras do defensor público e foi ainda mais incisivo nas criticas à atuação do Exército e da Polícia Militar. “Trata-se de uma prisão ilegal, sem base. Para se fazer um flagrante é preciso individualizar a conduta, apontar exatamente quem fez o que e eles não sabiam dizer. E ainda falaram do crime de arrastão, uma tipificação que sequer existe”.
Os advogados deixaram claro que os manifestantes foram detidos quando tentavam se proteger do tumulto na Avenida Guararapes iniciado, segundo relatos feitos ao Marco Zero, pelas forças de segurança que acompanhavam a dispersão do protesto contra a PEC 55.
O Exército nas ruas
A presença do Exército nas ruas do Recife é coisa recente. No dia 6 de dezembro, o governador Paulo Câmara (PSB) enviou um ofício à Presidência da República, solicitando, em “caráter de urgência”, a autorização das Forças Armadas na garantia da “lei e da ordem”, a partir do dia 7. Era uma arma para enfrentar outra. No dia seguinte, havia a possibilidade de ser decretada uma greve da Polícia Militar.
O pedido foi aceito, a greve foi sufocada, líderes do movimento grevista foram presos, e desde o dia 7, caminhões verde-oliva do Exército são vistos em várias partes do Recife. Soldados com fuzis podem ser vistos em caminhadas pelo Marco Zero, um dos pontos turísticos mais visitados por turistas.
Desde o início das mobilizações contra a PEC 55, diversas passeatas foram realizadas na cidade, saindo sempre de um ponto tradicional – a “Praça do Derby”, espécie de corredor central da cidade, por onde passam dezenas de linhas de ônibus com as placas “Cidade/subúrbio”. As manifestações seguem em direção a uma das principais avenidas, a Conde da Boa Vista, e terminam na Avenida Guararapes.
Tempos sombrios
O roteiro de ontem foi o mesmo, mas o desfecho lembrou outros tempos, justamente no aniversário de 48 anos do Ato Institucional Número 5, que fechou o Congresso Nacional e começou o período mais bruto de perseguições e assassinatos de militantes de esquerda pelas forças de repressão da ditadura militar.
Nenhum dos estudantes ouvidos na noite desta terça-feira (13) quis se identificar à reportagem da Marco Zero, com medo de represálias.
Sinal dos tempos.
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