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No Dia da Enfermagem, profissionais de saúde vão às ruas por piso salarial e jornada de 30 horas

Giovanna Carneiro / 12/05/2021
Protesto de enfermeiros no Recife

Crédito: Divulgação

Na pandemia, a importância dos profissionais de saúde ficou mais clara para boa parte da população. Com hospitais superlotados, pacientes esperando leitos, falta de insumos em algumas unidades de saúde e sob risco constante de serem contaminados pelo vírus, enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliar realizaram manifestações em dezenas de cidades brasileiras nesta quarta-feira, 12 de maio, Dia Internacional da Enfermagem.

A mobilização dos enfermeiros e enfermeiras tem dois objetivos: homenagear os colegas que morreram durante a pandemia de covid-19 e reivindicar que o Senado aprove o Projeto de Lei 2564/2020, que estabelece o piso salarial de R$ 7.315,00 para enfermeiros, R$ 5.120,50 para técnicos de enfermagem e R$ 3.657,50 para auxiliares e parteiras, além de definir uma jornada de trabalho de 30 horas semanais para a categoria.

A votação do projeto vem sendo adiada. Na segunda-feira, 10 de maio, senadores e representantes dos Conselhos Regionais e Federal de Enfermagem se reuniram com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para discutir o Projeto de Lei. O líder do governo, o senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho (MDB), deveria ter participado, mas não compareceu e a reunião terminou sem acordo.

Presente na reunião, o presidente do Conselho Regional de Pernambuco (Coren-PE), Gilmar Júnior, disse que o presidente do Senado não se posicionou sobre a aprovação do PL e alegou que precisava ouvir o “outro lado”, em referência às entidades e organizações que administram os hospitais filantrópicos e privados e que são contrárias à aprovação do Projeto de Lei.Sem perspectiva de votação, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), junto com os Conselhos Regionais, sindicatos e entidades da categoria, reforçaram a mobilização para as manifestações no Dia da Enfermagem.

Os atos pela aprovação do PL 2564 / 2020 acontecem em diversos municípios do país. Créditos: Cortesia.

Carreata de Olinda ao Pina

As manifestações estão sendo realizadas nas capitais e em diversos municípios do Brasil. No Recife, o ato pela aprovação do PL 2564/2020, teve início às 8h, em frente ao Classic Hall, na Avenida Governador Agamenon Magalhães, em Olinda. Da concentração, os manifestantes seguiram em carreata até a praia do Pina, onde realizaram uma solenidade fincando cruzes na areia da praia, na intenção de homenagear as vítimas da covid-19 no Brasil.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, até o dia 1º de março de 2021, 484.081 profissionais de saúde haviam sido infectados pelo novo coronavírus, desses, 470 morreram. Ou seja, em média, um profissional de saúde morre a cada 19 horas no Brasil.

Ludmila Outtes, presidente do Sindicato dos Enfermeiros e Enfermeiras de Pernambuco (SEEPE), disse que a falta de condições de trabalho é o principal motivador para que a categoria se mantenha mobilizada: “Os hospitais, que já eram lotados, ficaram superlotados. O próprio medo dos profissionais, desde o início da pandemia, de não saber exatamente o que era a doença, como ela evoluía e a falta dos equipamentos de proteção individual, que ainda é algo comum em alguns municípios”.

“Esse Projeto de Lei nasce no meio de uma pandemia, onde a gente tem, pela primeira vez na história, uma comoção da sociedade a nosso favor e também o apoio da classe política”, declarou o presidente do Coren-PE ao reiterar a importância da manifestação.

“Nós estamos lutando pela vida e não pelo lucro. A sociedade não pode fechar os olhos para os profissionais que estão salvando a vida das pessoas, fazer isso é contribuir com o genocídio que a gente vê acontecer no Brasil e que resultou em mais de 400 mil vidas perdidas”, afirmou Gilmar Júnior.

Experiência traumática

Enfermeira residente do Hospital da Restauração no início da pandemia e, atualmente, trabalhando no Hospital Agamenon Magalhães, Pollyanna França conhece bem as dificuldades da profissão que, segundo ela, só se agravaram e foram evidenciadas com a chegada da covid-19. “Não se conhecia muito bem a doença e não tinha equipamento de proteção para todo mundo, a gente tinha que reutilizar”, disse.

Pollyanna França conta que o trabalho na pandemia é experiência assustadora e traumática. Créditos: Arquivo pessoal

Nos primeiros meses da pandemia, a enfermeira, que mora em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, precisou residir temporariamente no Recife para cumprir o isolamento. Ela conta que foi uma experiência traumática. “Tinha medo de infectar minhas filhas, de me infectar e ser intubada. Sempre que eu chegava no plantão eu recebia a notícia de que algum colega tinha sido hospitalizado por conta da doença ou até morrido. Foi muito assustador”, declarou a enfermeira.

A experiência de Pollyanna é um exemplo da dura realidade vivida por diversos profissionais de saúde. Por isso, a enfermeira defende o ato em defesa da aprovação do PL 2564 e a continuidade da luta pelos direitos trabalhistas da categoria. “A enfermagem está exausta, nós estamos trabalhando de forma exaustiva. Para conseguir pagar os impostos, por exemplo, a gente precisa ter pelo menos dois vínculos. A aprovação desse Projeto de Lei seria uma atitude de reconhecimento importante”, afirmou.

Gilmar Júnior, presidente do Coren-PE em reunião virtual com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Crédito: Arquivo pessoal.

Problema antigo

A carga horária sobrecarregada, a baixa remuneração e o risco à saúde causado pela falta de insumos e equipamentos de proteção, não é novidade para os profissionais de enfermagem. A pandemia da covid-19 só piorou o que já era grave. “A gente está há 15 anos sem reajuste salarial para a categoria”, afirmou a presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco (SEEPE), Ludmila Outtes.

Sem o piso salarial, os profissionais de enfermagem ficam mais expostos à desvalorização e também sofrem com retirada de direitos trabalhistas executada pelo Governo Bolsonaro, como destacou a presidente do SEEPE. “As propostas do Governo Federal de redução de jornadas por redução do salário, a reforma da previdência, a lei 173, que atinge todos os funcionários públicos dos estados e municípios, todas elas afetam a nossa categoria. Então, a gente tem sofrido bastante com essa retirada de direitos, para além da pandemia”, disse Ludmila Outtes.

A Lei nº 173, a que se refere a enfermeira, foi revogada em 2020 e determina a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos já homologados. De acordo com Ludmila, a falta de concursos já era uma das questões que colocava os profissionais da enfermagem em uma situação de sobrecarga de trabalho com baixos salários.

“A remuneração das seleções têm sido baixas. E são sempre seleções temporárias, nunca concursos”, comentou a sindicalista sobre a abertura dos editais de convocação de enfermeiros e técnicos de enfermagem, que têm sido uma prática frequente do Governo do Estado, devido a abertura de hospitais de campanha e o aumento no número de leitos que ocorreu durante a pandemia da covid-19.

De acordo com a pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da covid-19, realizada pela Fiocruz em todo o território nacional e divulgada em março de 2021, a pandemia alterou de modo significativo a vida dos trabalhadores. Segundo a pesquisa, que contou com a participação de pouco mais de 25 mil profissionais de saúde, as alterações mais comuns em seu cotidiano foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro /distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo, suicida (8,3%) e alteração no apetite / peso (8,1%).

“Eles [empresários que administram hospitais privados] alegam que o projeto é um gasto gigante para eles, só que na prática não é um gasto gigante, é um investimento necessário. O profissional está morrendo, está cansado e um profissional de enfermagem cansado é um profissional que não consegue prestar uma assistência segura à população”, resumiu Gilmar Júnior, presidente do Coren-PE.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.