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Crédito: Brett Hondow/Pixabay
A quantidade de armas particulares no Brasil – ou seja, não institucionais de órgãos públicos – já se aproxima de 3 milhões, segundo dados colhidos por meio da Lei de Acesso à Informação e analisados pelo Instituto Sou da Paz e Instituto Igarapé. É um acervo que mais do que dobrou quando comparado com o existente em 2018, que era de apenas 1,3 milhão de armas.
Além do aumento na quantidade, o levantamento mostra uma mudança de perfil dos registros de armas. De acordo com os dados, em 2018, quase metade do acervo de armas pessoais então existente pertencia a integrantes de instituições militares (47%). O restante do acervo particular era então dividido entre os registros na Polícia Federal como pertencentes a servidores civis, cidadãos comuns com registro para defesa pessoal e caçadores de subsistência (26% do total) e registros pertencentes à categoria de Caçadores, Atiradores desportivos e Colecionadores, os famosos CACs, com 27%.
Agora, a proporção se inverteu com o crescimento da categoria de CACs, que passou a ter 42,5% do total de armas particulares no país, em 2022.
Para os institutos responsáveis pela análise, essa mudança de perfil é um reflexo de mais de 40 atos do governo Bolsonaro – decretos, portarias e instruções normativas – publicados entre 2019 e 2022, que facilitaram o acesso às armas. Os CACs foram a categoria mais beneficiada por essas mudanças: houve facilitação do porte municiado, acesso a armas mais potentes e em maior quantidade.
O ano de 2022 foi o ápice da compra de armas por CACs: foram mais de 430 mil novas armas compradas por esse grupo, mais armas do que em 2018, 2019 e 2020 somados e mais de sete vezes maior do que a quantidade adquirida em 2018, que foi de 59 mil armas.
“Há dois elementos importantes nesse dado. Um é o da expectativa de um governo Lula haver uma maior restrição às armas e voltar uma política de compra de armas mais responsável, mais coerente com a realidade brasileira de alta violência armada. Observamos isso tanto no Brasil como em diversos outros países, quando temos a possibilidade de eleição de um governo um pouco mais restritivo as pessoas tentam acelerar o processo de compra de armas para aproveitar a regulamentação vigente”, afirma a gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi.
Natália Pollachi completa que o segundo fator importante é que ao longo do governo Bolsonaro houve “ondas” de facilitação do acesso às armas. “A primeira onda, e talvez de maior impacto, foi em 2019, e as pessoas demoram um tempo para se apropriar da nova regra, juntar a documentação e separar esse dinheiro também, arma não é algo barato, e, de fato, realizar a compra. A primeira onda de facilitações em 2019 mostrou seu efeito a partir de 2020 e teve também em 2021 uma pequena leva de decretos que facilitou ainda mais o acesso às armas, o porte municiado, o acesso às armas mais potentes, acessórios, que também pode ter tido um impacto nesse aumento em 2022”, explica.
Até o ano de 2018 a categoria dos CACs tinha um ritmo de compra muito mais lento, com apenas 59 mil novas armas compradas naquele ano. A partir de 2019, as compras dessa categoria se intensificam rapidamente. A alta velocidade de compra, porém, não foi acompanhada de um melhor aparato estatal para fiscalização.
Pollachi afirma que o governo Bolsonaro deu alguns passos atrás em relação à fiscalização. “Por exemplo, em 2020, o Exército publicou uma portaria tentando melhorar o sistema deles de fiscalização e controle, e o presidente mandou revogar sem nenhuma justificativa técnica. Isso atrasou o processo em quase dois anos para criar esse novo sistema”, lembra.
Para a especialista, o Brasil não tem capacidade para fiscalizar o volume diário de armas compradas e de registros emitidos. “Temos visto casos cotidianos de pessoas comprando armas mesmo com antecedentes criminais, pessoas que apresentam antecedentes de outras comarcas e, ainda assim, são aceitos, porque esse processo de conferência é feito de forma muito precária. Há pessoas que repetidamente compram armas e declaram furtos, para desviar essas armas para organizações criminosas. Há dezenas de casos, o que corrobora a visão de que não há capacidade de fiscalização e controle proporcional a esse volume de armas compradas”, afirma Natália Pollachi.
Já no dia 2 de janeiro, um dia após tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou medidas do governo Bolsonaro que facilitavam o acesso a armas. Foram suspensos novos registros de armas por CACs e particulares e também de novos registros de clubes e escolas de tiro.
Também foi revogada o aumento da quantidade de armas que CACs podem comprar: o limite volta a ser de três armas, com “comprovação de efetiva necessidade”. Desde junho de 2019, eram de cinco armas para colecionadores, 15 para caçadores e até 30 para atiradores.
O governo Lula também criou um grupo de trabalho para propor nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento, que foi aprovado em 2003. Todos os donos de armas também têm 60 dias, que se encerra em março, para fazer um cadastro eletrônico dos equipamentos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org