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O inédito caso de um homem negro denunciado por crime racial em Alagoas

Marco Zero Conteúdo / 17/01/2024
Foto feita a partir de um ponto mais elevado da palavra pretos pintada com tinta branca no asfalto de uma avenida no centro do Recife

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Marta Dueñas, da Mídia Caeté

Um caso de injúria racial na Comarca de Coruripe (AL) tomou um rumo inesperado quando a promotora Hylza Paiva Torres de Castro decidiu denunciar um homem negro por supostamente proferir ofensas contra um homem branco de origem italiana. A denúncia foi baseada na afirmação do acusado, que alegou que o homem italiano possuía uma “cabeça europeia escravagista”. 

O Instituto do Negro de Alagoas (INEG) foi acionado para prestar auxílio jurídico ao homem, que enfrentava uma queixa crime por injúria racial. A situação foi enquadrada na Lei nº 14.532/2023, que equipara crimes de injúria racial e racismo, trazendo agravantes e novas definições para delitos dessa natureza.

Segundo o advogado Pedro Gomes, membro do Núcleo de Advocacia do INEG e Secretário Adjunto da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), o caso causou perplexidade, já que “o artigo 20-C da Lei 14.532/23 deixa muito evidente que o crime de injúria racial não se aplica à uma cabeça branca europeia”. 

Gomes diz que a nova lei – que passou a vigorar no ano passado – trata de dar a necessária gravidade aos crimes de racismo no país e delimita, de maneira contundente, quem são as vítimas desse tipo de crime. Ele explica que o referido artigo 20-C deixa uma espécie de norteador do legislador ao juiz, para na aplicação da lei avaliar se a conduta praticada seria dispensada da mesma forma a outros grupos de pessoas em razão de aspectos ligados a cor, etnia, procedência ou religião. Ou seja: “o artigo deixa evidente na, interpretação da lei, o foco a ser considerado no direcionamento do tratamento discriminatório a pessoa ou a grupos historicamente discriminados”. E afirma ainda: “uma pessoa branca de origem europeia tem diversos privilégios que outros grupos não tem atualmente ou não tiveram no passado, ao longo da história, portanto esse não se trata de um grupo minoritário e discriminado historicamente”. 

Para contextualizar o caso é preciso resgatar que acusado e acusador possuem relação comercial. De acordo com a defesa do homem negro, ele teria sido contratado pelo italiano para realizar o planejamento de um documentário sobre Coruripe. Ao final do trabalho, o contratando não fez o pagamento. Foi movido um processo contra o não pagador e durante as negociações o italiano teria chamado o negro de “fascista” e esse, em sua defesa, teria dito que ele “só pensava em si mesmo” com sua “cabeça branca europeia escravagista”. 

Enquanto caminha o processo de cobrança do trabalho, o italiano recorreu a uma delegacia e fez uma queixa por injuria racial. Nesses casos, afirma Gomes, o Ministério Público (MP), tem autonomia para, de posse de provas, fatos, dados, oitivas a vitimas e testemunhas, arquivar ou dar sequencia ao processo. O que “claramente seria um arquivamento foi acolhido pela promotora de Coruripe que dando segmento ao processo denuncia e acusa um negro por injuria racial contra um homem branco europeu”. 

“Não se conhece outro caso como esse em Alagoas. Tal atitude é de grande impacto e gravidade não apenas pela perversão do sentido da lei e também por ampliar o abismo da comunidade negra e parda com a justiça, alerta. Gomes diz ainda que um dos principais riscos de um caso como esse é de abrir um precedente de violar a vítima em diversas camadas, colocando em risco não só homens e mulheres negros, mas toda a democracia. “A luta pela igualdade racial está em risco o MP de Alagoas abre flancos para que a população mais vitimada, perseguida e injustiçada historicamente em nossa sociedade sofra um duro golpe”. 

O Ministério Público de Alagoas informou por meio de nota que: em relação ao caso ocorrido em Coruripe, foi ajuizada uma ação penal com base nas provas apresentadas. A Lei nº 14.532/23 estabeleceu que esse ilícito penal passou a ser de ação penal pública incondicionada, não dependendo mais de queixa formalizada pela vítima. Ao analisar o caso, o Ministério Público leva em consideração as provas apresentadas pela defesa do italiano, que incluem conversas com palavras ofensivas à vítima de forma pejorativa em relação à sua nacionalidade. O MPAL destaca que, ao denunciar um acusado, não se atém à cor da pele ou outras características, pois não estão relacionadas ao suposto ato praticado. Durante a instrução processual, ambas as partes terão a oportunidade de apresentar argumentos e defesas, conforme o Código de Processo Penal. Se for comprovado que o réu foi vítima de algum crime praticado pelo italiano, a Promotoria de Justiça de Coruripe solicitará a instauração de inquérito policial para a devida apuração. 

O INEG/AL repudiou a decisão da Promotora, alegando uma clara falta de compreensão da legislação e uma desconexão entre o fato relatado e o suposto crime praticado. O Instituto reitera seu compromisso em defender o réu, confiando em sua absolvição sumária. A entidade levanta questionamentos ao Ministério Público de Alagoas, indagando sobre a formação dos membros quanto a crimes raciais, qual é a formação continuada de seus membros. O caso destaca a necessidade de uma abordagem sensível e imparcial em situações delicadas como essa, visando garantir a justiça e o respeito às leis que regem casos de injúria racial no país.

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Marco Zero Conteúdo

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