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O que esperar da covid-19 no futuro?

Maria Carolina Santos / 21/03/2022

Crédito: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Passado o tsunami da ômicron na Europa, os países daquele continente passaram a mudar a forma que tratam o Sars-Cov-2. Em Portugal, os boletins com dados da covid-19 passaram a ser semanais. No Reino Unido, há quase dois meses não é exigido mais máscaras nem passaporte vacinal contra a doença. Em abril, não serão mais oferecidos testes gratuitos para a população. Aqui no Brasil, vários estados flexibilizaram o uso de máscaras, alguns até retirando a obrigatoriedade em espaços fechados.

Mas será que é hora de baixar a guarda contra a covid-19?

No mês em que se completa dois anos de pandemia, a Marco Zero perguntou a diversos profissionais, de várias áreas, o que podemos esperar para o futuro da covid-19. Confira as respostas.


As expectativas para o futuro da covid-19

“O direito de imaginar futuros é ato de resistência. Na minha opinião é precipitado falar em endemia, minimizar efeitos ainda devastadores da doença abolindo precocemente uso de máscaras, medidas de proteção individual e coletiva com finalidades diversas que não a defesa da vida. Não temos tempo suficiente nem padrão único da ocorrência da doença para prever o que vai acontecer, mas podemos mudar aqui e agora. Mudar compondo projetos democráticos, apostar nas políticas públicas e na solidariedade. Ao mesmo tempo apostar na vontade e desejo das pessoas na mudança, uma aposta subjetiva portanto. Um duplo movimento de resistência a tudo que violenta e degrada a vida, causa dor e sofrimento, ao mesmo tempo a resistência alegre, criativa e cheia de vida das periferias, das pessoas comuns na diversidade brasileira.”

Bernadete Peres, médica sanitarista, professora do Centro de Ciências Médicas da UFPE


“Mudar o status de pandemia para endemia nesse momento não é algo bom. O vírus não vai desaparecer porque a situação mudou de status e, na verdade, pode até passar uma ideia errada para a população. Por exemplo, o Brasil é um país endêmico para dengue e nós sabemos o problema que esse vírus nos causa todo ano. É importante lembrar que o Sars-CoV-2 é um vírus altamente transmissível e que não podemos baixar a guarda agora. Ainda temos muita coisa para aprender sobre esse vírus e sobre a doença que ele causa. O futuro ainda é incerto, afinal ainda estamos tentando entender a dinâmica sazonal do vírus e as melhores medidas sanitárias no combate à covid-19.”

Lorena Chaves, virologista e pesquisadora da Universidade Emory Atlanta (EUA)

O vírus não vai desaparecer porque a situação mudou de status e, na verdade, pode até passar uma ideia errada para a população.

Lorena Chaves, virologista


“Estamos em um período de transição entre hiper pandêmico e pandêmico. Pandemia é a presença de várias epidemias causadas pelo mesmo organismo em vários continentes. E continuamos com uma pandemia de Sars-CoV-2, o causador da covid19. No entanto, podemos dizer que a cepa original, lá de 2019 agora é endêmica, mas pode voltar a ser epidêmica novamente. No entanto a pandemia da cepa ômicron, e outras cepas, continuam independentemente do que cada um acha. Ou seja a pandemia do Sars-CoV-2 continua, são 1,5 milhão de pessoas infectadas por dia e causando mais de seis mil mortes diariamente, no mundo. Não percebo o surgimento de um canal endêmico normal e acho que vai levar tempo para que o vírus se adapte por completo e entre em equilíbrio com o estado imunológico da população.”

Ernesto Marques, médico virologista e professor da Universidade de Pittsburgh (EUA)


“A covid-19 caminha para ser endêmica, no Brasil e no mundo, mas reforço que ainda é precoce afirmar que entramos nessa fase. Os estudos mais recentes e, sobretudo, os dados de queda proporcional de mortes diante do aumento de casos, são indícios claros da importância da vacinação. No entanto, as coberturas vacinais ainda estão longe de serem consideradas as ideais e, atualmente, em particular no que tange ao universo infantil. Este é um problema que necessitaria enfrentamento urgente e coordenado, o que, sabemos, não partirá dos gestores nacionais. Caberia então, aos estados e munícios ampliarem campanhas de vacinação das crianças, e esclarecimento aos familiares acerca da comprovada segurança das vacinas. Acredito que, assim como fazemos anualmente em relação à influenza, teremos que adotar doses anuais de reforços, adequadas às cepas preponderantes. Mas para que esta medida alcance sucesso, temos que retomar o que sabíamos fazer tão bem: campanhas de vacinação, ampla divulgação, capilarização de postos de aplicação das doses, etc. Outro hábito que deveria ser incorporado é o uso de máscaras diante do surgimento de sintomas respiratórios. Mas, reforço: ainda não podemos decretar o fim da pandemia, embora este seja o desejo de todos nós.”

Tereza Maciel Lyra, professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e médica sanitarista na Fiocruz-PE


“A vacinação no Brasil começou lentamente, mas depois foi expandindo e hoje temos quase ¾ da população completamente imunizada e mais de 80% que receberam pelo menos uma dose. O novo coronavírus tem se mostrado como um vírus imprevisível e dinâmico. Assim, muita coisa pode mudar de uma semana para outra. Entretanto, acredito que haverá uma redução contínua do número de novos casos e o vírus vai continuar circulando de forma endêmica. Creio que será importante realizar a revacinação da população pelo menos uma vez ao ano e que as vacinas necessitarão ser atualizadas para refletir a variante mais prevalente em circulação.”

Lindomar Pena, virologista e pesquisador na Fiocruz-PE


“O avanço da vacinação está diretamente associado à redução dos casos de agravamento e óbito por covid-19, em todo o mundo. Por mais mórbido que pareça, o número de óbitos tende a cair ainda mais não só pelo avanço da vacinação, mas também pelo número cada vez menor de pessoas intencionalmente não-vacinadas… visto que são hoje as principais vítimas do Sars-Cov-2. Indivíduos completamente vacinados tem 17 vezes menos chances de ir à UTI, e 20 vezes menos chances de ir à óbito, em comparação com os indivíduos parcialmente vacinados ou sem vacinação (4 de cada 5 brasileiros que vão à UTI e ao óbito, estão parcialmente ou não-vacinados).

Um aspecto importante a ser considerado é que variantes de preocupação como a delta e a ômicron, por exemplo, conseguem escapar parcialmente dos anticorpos induzidos pelas vacinas contra Sars-Cov-2. O significado disso, é que mesmo pessoas completamente vacinadas, inclusive com a terceira dose, ainda podem se infectar e transmitir o vírus. Essa constatação é ainda mais relevante para indivíduos com a saúde fragilizada, como os imunosuprimidos, que já devem tomar a quarta dose de reforço, e os idosos que, por serem também grupo de risco devem continuar, mantendo rigorosamente os seus cuidados de prevenção. Em síntese, infelizmente o Sars-Cov-2 veio para ficar, portanto, temos que aprender a conviver com ele da forma mais segura possível, em relação ao impacto na saúde de nossa população. Isso significa dizer que temos de manter a nossa imunidade, indo se vacinar sempre que chegar a sua vez, e evitar situações maiores de exposição. Não é hora de baixar a guarda, e só com a ajuda de todos (governo, empresas e cidadãos) que conseguiremos sair dessa situação de emergência sanitária.”

Rafael Dhalia, cientista e pesquisador da Fiocruz-PE


“Como estamos vendo nos dados epidemiológicos de vários países, e também nos estudos clínicos das vacinas, as vacinas reduzem muito o nível de óbitos e agravamento (hospitalizações), em um nível coletivo (após alta cobertura vacinal). Também vemos uma redução na quantidade de pessoas sintomáticas (o que ajuda a reduzir transmissão), mas essa redução é bem menor. Tendo isso em vista, é importante saber que, para termos um status endêmico e seguro, precisamos “ajudar” as vacinas com outras medidas de redução da transmissão. Se deixarmos o status endêmico da covid ser nesse nível, teremos um excesso de óbitos em vulneráveis muito maior do que tínhamos até então. É importante estabelecer essa diferença entre endêmico e seguro! Hoje, o futuro que se desenha, infelizmente, é esse de um alto nível de casos e, por consequência disso, um número absoluto de mortes muito além do esperado.”

Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19


“Acho ainda muito temeroso tratar como uma endemia uma vez que tem várias coisas ainda incertas quanto ao Sars-Cov-2. Uma das coisas que se pensou lá no início é que o vírus realmente ia se tornar endêmico e ia ter um padrão sazonal como influenza. Mas até agora não temos visto esse padrão sazonal. Na verdade, isso representa mais o surgimento de novas linhagens e essas novas linhagens que têm uma característica diferente de escape imune ou de de maior transmissibilidade. E esse surgimento de linhagem está diretamente relacionado a uma transmissão muito alta, então quanto mais pessoas infectadas maior a chance do surgimento dessas linhagens. Que podem acarretar uma nova onda de infecção, fugindo assim do padrão sazonal dos outros vírus respiratórios. Realmente ainda não entendemos a dinâmica do Sars-COv-2 a ponto de conseguir tratá-lo como os outros vírus respiratórios onde existem padrões muito claros. O Sars-Cov-2 ainda está nos pregando peças com o surgimento de novas linhagens. São aparecimentos imprevisíveis e o máximo que nós conseguimos fazer é detectá-las rapidamente e tentar tomar decisões baseada em fatos. Precisamos ainda ter cautela e manter determinadas medidas restritivas, como o uso da máscara, distanciamento para diminuir a transmissão, porque realmente com a transmissão alta sempre vamos ter uma maior probabilidade de do surgimento de novas linhagens com capacidade de causar ondas de infecção e novamente sobrecarregar o sistema de saúde.”

Gabriel Wallau, biólogo e pesquisador da Fiocruz-PE


“É um processo natural da pandemia se tornar endemia, uma coisa que vai acontecer. Questão é querer fazer isso de forma forçada. Não é bem assim. Vai chegar o momento em que nós vamos passar dias sem ter mortes ou uma transmissibilidade muito baixa e, naturalmente, isso vai acontecer e vai ser definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma coisa importante também pra levar em consideração. A OMS vai avaliar os parâmetros no mundo para definir se acabou ou não a pandemia. Claro que os os países não são obrigados a aceitar, mas no geral aceitam. Quando a gente vive uma endemia, não é essa situação de gerar um caos no sistema de saúde, além dos prejuízos principalmente humanos, de vidas, e também financeiro onde tudo é afetado. Uma endemia não chega a esse ponto, mas é uma forma também de mantermos a vigilância pra que não fique essa gangorra, esse vai e vem. Essa é uma vigilância contínua, vai chegar o momento que vai se tornar endemia, mas esse não é o momento. Temos muitas mortes diariamente, ainda temos o vírus circulando consideravelmente, a gente ainda precisa ter a vacinação de reforço, que hoje está na casa dos 30%. Ainda precisamos avançar na vacinação da segunda dose de crianças e adolescentes, ainda precisamos da vacinação de crianças de zero a quatro anos, que é o grupo de maior risco e de fatalidade entre crianças e adolescente. Não é simplesmente falar, “olha, acabou, agora é endemia”. Os números precisam mostrar isso, os casos precisam mostrar isso.”

Gustavo Cabral, imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP)


Muitos políticos querem que a covid seja uma doença endêmica por questões meramente econômicas,

Gauss Cordeiro, estatístico

“Muitos políticos querem que a covid seja uma doença endêmica por questões meramente econômicas, tentando assim que a população possa ter uma vida normal. Por exemplo, o número total diário nesta semana de novos infectados na Europa supera 500 mil e os novos óbitos diários oscilam em torno de mil infectados. No Brasil, a média móvel de 7 dias de novos infectados supera atualmente 45 mil casos,mesmo sendo subestimada (não contempla os autotestes). E devemos saber que a eficácia da última dose daqueles que se vacinaram está sendo reduzida com o tempo. Entendo que seja um grande risco considerar a covid como uma doença endêmica, por conta de novas variantes atuais e futuras. Tenho convicção que o vírus persistirá evoluindo em certos lugares e medidas não farmacológicas mais efetivas deverão ser consideradas.”

Gauss Cordeiro, estatístico e professor da UFPE


“Em relação a tratar com uma uma endemia eu acho precoce, ainda não é hora disso. Para caracterizar como endemia precisamos ter um um patamar de estabilidade, ter minimamente uma previsão sobre os próximos passos, ter valores “aceitáveis”, bem entre aspas, de mortos e de casos. E ainda estamos longe disso. Me parece que querer chamar de endemia é forçar o fim de uma pandemia que não acabou. A gente está tentando mudar os conceitos que já existiam antes da covid-19 para tentar adequar para dizer ‘pronto, agora voltou à normalidade’. É uma negação da realidade. Está melhorando, tem vacina, tem medicamento. Estamos caminhando para sair e pra virar uma endemia sim, mas eu ainda acho cedo dizer que, a partir de agora, é uma endemia. É um discurso conveniente no ano eleitoral, o que precisa ser levado em consideração. E o que esperar para o futuro da covid-19? Eu acredito que a covid-19 vai fazer parte das nossas infecções virais anuais. Assim como o vírus da influenza faz desde o surto lá de 1918. Acredito que o caminho que a covid vai tomar é parecido. Vai se transformar numa gripe e espero que caia a letalidade. Hoje a covid-19 mata duas, três vezes mais que a gripe, mesmo em locais onde a população está mais imunizada que no Brasil, então eu acho que a gente vai caminhar pra algo nesse cenário. Vamos entrar no equilíbrio com a existência do vírus na nossa sociedade. E resta saber se vamos ter picos de infecções anuais, assim como acontece com a influenza e, de tempos em tempos, vai ter um surto pior com uma uma variante mais letal, uma variante que escape minimamente das vacinas que existem. É difícil a gente fazer esses exercícios de futurologia, porque estamos tentando prever um comportamento da natureza,de um evento completamente incerto.”

Bruno Issao Matos Ishigami, médico infectologista do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (UPE)


“A imunidade coletiva, com as n-variantes em circulação, parece mesmo impossível de ser alcançada como publicado há exatamente 1 ano [mais precisamente, em 18 de mar de 2021]. Assim, seguimos avançando, mais ainda figuramos como um dos países que menos vacinou no mundo, considerando terceira dose e tamanho da população. O mais grave disso, e aqui no Brasil também, parece ter sido mesmo a ausência de comunicação sobre Risco Pandêmico e a forma errônea de comunicar à população como as vacinas emergenciais funcionariam. Por isso, parece que estamos perdendo a efetividade das vacinas muito rapidamente, mesmo as doses de reforço. Basta compararmos os dados de alguns dos países que hoje mais imunizaram suas populações, com suas respectivas taxas de ocupação de leitos. Assim, para o futuro, observando o risco mundial, que vinha em boa trajetória em direção à zona verde (baixo risco), mantém uma piora desde 2 de março de 2022, reapontando o risco [bolinha branca, ultimo dia medido] para zona vermelha (risco alto). sugere piora na pandemia, na infecção mundial, não endemia, não ainda.”

Jones Albuquerque, cientista do IRRD e do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami – UFPE e professor da UFRPE

Também perguntamos aos especialistas quais teriam sido as principais lições aprendidas ao longo desses dois anos de pandemia. As respostas estão no link abaixo:

AUTOR
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Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com