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Obrigada, meninos

Carol Monteiro / 03/11/2015

Quem acompanha nossas reportagens com mais atenção sabe que a Marco Zero Conteúdo é um coletivo de jornalismo independente. Somos nove pessoas. Seis homens e três mulheres unidos pelo interesse no jornalismo de qualidade, naquele que muda a vida das pessoas, que busca fortalecer os direitos humanos e tenta contribuir com o fim das desigualdades, sejam elas sociais, de raça, de orientação sexual ou de gênero. Este último tema, por sinal, invadiu as mesas de bares, as salas de jantar e principalmente as redes sociais há exatamente uma semana, quando o Enem obrigou 7,7 milhões de pessoas a pensarem ao mesmo tempo sobre as diferenças entre homens e mulheres ao propor de forma acertada e oportuna a persistência da violência contra a mulher como tema da redação.

Aqui na Marco Zero todas as decisões são tomadas de forma totalmente horizontal, sem qualquer hierarquia. Foi assim desde o começo e é assim que estamos cavando nossa trincheira nessa nova maneira de pensar e fazer jornalismo em Pernambuco. Na tarde desta segunda-feira, Luiz Carlos Pinto mandou email ao grupo propondo que o site aderisse à campanha #AgoraÉqueSãoElas, iniciativa organizada pelo Facebook com a proposta de que, durante esta semana, homens que possuem espaços de fala garantidos em colunas, blogs, canais do YouTube e nas redes sociais convidem mulheres para ocupar estes espaços.

Segundo a autora da ideia, Manoela Miklos, a proposta surgiu de uma provocação: “…e se todos os homens, ao invés de publicar textos sobre a importância de escutar, de fato reconhecessem a importância de escutar e cedessem, nessa semana, seus espaços para mulheres falarem?”. Até o momento, Gregorio Duvivier, Marcelo Freixo, Jean Wyllys, Leo Sakamoto, Bruno Torturra, Ronaldo Lemos, Marcelo Paiva, João Paulo Cuenca, José Eduardo Agualusa, Marcus Faustini, Fred Coelho, Antonio Prata, Marco Aurelio Garcia e Juca Kfouri são alguns dos nomes que já aderiram à campanha.

Obrigada, meninos. Agradecemos a gentileza. Alguns textos já postados como o de Camila Kfouri, filha de Juca Kfouri que ocupou o espaço do pai no blog dele no UOL, são fortes e mostram que a iniciativa é bem intencionada e pode manter o tema por mais uma semana no centro dos debates, mas alguma coisa nesta proposta me incomoda.

Talvez seja o fato de que ela traz em si o reconhecimento de que os homens ainda possuem espaços de fala privilegiados, como se a tribuna de onde eles falam fosse mais importante do que a ocupada pelas mulheres. Talvez seja o fato de que a campanha tem um prazo de validade e daqui a uma semana as “tribunas” voltam a ser entregues aos homens. Talvez seja o fato do texto trazer no último parágrafo um alerta apontado como “importantíssimo”: além de ceder seus espaços eles precisam também pensar na diversidade e “escolher” mulheres negras, trans, de comunidades vulneráveis.

O tom soa como o de uma professora de jardim da infância “ensinando” a eles que, entre as mulheres, algumas sofrem mais do que as outras. “Podemos ajudar na escolha se você quiser, amigo”, diz o texto insinuando que os homens com espaço privilegiado de fala não saberiam fazer esta escolha provavelmente por não (re)conhecerem nenhuma mulher nesta situação.

Não tenho dúvidas da boa intenção de quem criou a campanha e dos homens que já se disponibilizaram a ceder seus espaços, mas a proposta soa paternalista e arriscada ao passar a ideia de que as mulheres querem ocupar o espaço dos homens. Não queremos tomar, alugar, ocupar, aproveitar ou usufruir do lugar de ninguém. Queremos que os nossos espaços de fala sejam reconhecidos e que nossas vozes sejam ouvidas com equidade mesmo quando soarem das nossas redes, das nossas tribunas, dos nossos canais ou das ruas, para onde milhares de mulheres foram na semana passada protestar contra os desmandos do Congresso Nacional.

Não queremos ser rudes, recusar ajuda ou parecermos rancorosas e grosseiras como a mulher que não aceita a gentileza de um homem que abre a porta do carro ou puxa a cadeira para sentarmos.

Agradecemos o esforço, reconhecemos o interesse mas, se querem ajudar, falem por nós quando seus amigos, chefes e colegas de trabalho se referirem de forma rude a qualquer uma de nós, posicionem-se nas redes sociais e nos grupos de Whatsapp onde são compartilhadas fotos íntimas de ex-namoradas ou atrizes que tiveram sua privacidade violada, vão para as ruas apoiar nossos protestos, votem em candidatos e candidatas comprometidos com os direitos das mulheres, respeitem suas funcionárias, colegas de trabalho e chefes, resistam a fazer ou compartilhar qualquer piada machista e, principalmente, eduquem seus filhos e filhas para que eles aprendam a respeitar não apenas as mulheres mas qualquer outro grupo em situação de vulnerabilidade.

Façam isso dos seus espaços de fala que nós fazemos dos nossos. Juntos seremos ouvidos.

AUTOR
Foto Carol Monteiro
Carol Monteiro

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (1999), com especialização em Design da Informação pela mesma instituição (2010), master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) e Universidade de Navarra (2010). Tem Mestrado (2012) e Doutorado (2018) em Design, também na UFPE. Atualmente, é professora dos cursos de Jornalismo e Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou durante 17 anos na redação do Diario de Pernambuco, onde foi repórter, editora-assistente e Editora de Internet até o início de 2015. Hoje é presidente do Conselho Diretor do site de jornalismo independente e investigativo Marco Zero Conteúdo.