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Orçamento, mobilização e comunicação para ampliar a cobertura de vacinas

Marco Zero Conteúdo / 28/10/2022

Vacinação contra a poliomielite na policlínica Lessa de Andrade, no bairro da Madalena, cidade do Recife. Na foto, Hilton Oliveira, 4 anos de idade. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

Por Verônica Almeida

Embora o movimento antivacinas originado fora do Brasil possa influenciar uma ou outra família por aqui, os especialistas em vacinação e saúde pública acreditam que há problemas nacionais urgentes que precisam ser atacados com armas bem conhecidas, mas que foram sendo deixadas de lado nos últimos seis anos. Investimento prioritário para o Programa Nacional de Imunizações e a Atenção Básica do SUS, uma articulação maior entre a coordenação do PNI e as equipes de saúde que atuam nas comunidades, estrutura eficiente para registro e análise dos dados da vacinação, campanhas publicitárias permanentes em todas as mídias, inclusive as tradicionais como TV e rádio e muita mobilização social, com diferentes setores por meios presenciais são algumas das medidas. Em resumo, uma postura a favor das vacinas declarada e transformada em ação pelos governantes.

“Não tem só uma causa para a queda da vacinação no Brasil. É multifatorial. Será importante uma atuação conjunta dos setores da saúde, da educação e da assistência social, além de devolver liderança ao PNI e melhorar o atendimento nos postos de saúde. A experiência muito boa do passado nos deixa otimistas de que somos capazes de retomar a cobertura. Discursos sobre menor vacinação no mundo não justificam a situação no Brasil. Por que está caindo a vacinação no país? Não temos movimento antivacina forte, daí ser o momento para combater o problema. Temos muito o que fazer e a gente dará conta”, afirma a pesquisadora Patrícia Boccolini, do Observatório de Saúde da Infância (Observa Infância), que reúne estudiosos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Centro Universitário Arthur de Sá Earp Neto (Unifase), do Rio de Janeiro.

Patrícia, que é professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis do Unifase, afirma que análises feitas pelo Observa Infância em dados dos Sistemas de Informação do PNI e de Nascidos Vivos apontam, na última década, para uma cobertura vacinal em queda quanto aos quatro imunizantes pioneiros, aqueles que originaram o calendário básico de vacinação no território nacional no fim da década de 1970: as vacinas contra sarampo, poliomielite, formas graves de tuberculose (BCG), difteria, tétano e coqueluche (DTP). Segundo ela, a cobertura vacinal contra pólio em 2021 foi a menor dos últimos 25 anos, com apenas 75% do público recebendo a proteção. Em 2019, lembra, o Brasil perdeu o Certificado de País Livre do Sarampo concedido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em razão dos surtos. Há dez anos o país não atinge a meta de vacinar 95% das crianças contra essa doença altamente contagiosa, caracterizada por coriza, manchas vermelhas na pele, podendo evoluir com pneumonia, problemas neurológicos e deixar sequelas como surdez. As análises do Observa Infância compreendem informações no Brasil, por Estados e capitais


Cobertura vacinal de crianças de 0 a 1 ano contra paralisia infantil nas capitais do Nordeste de Marco Zero

Risco real

Há um risco real de retorno de doenças antes erradicadas ou controladas, segundo Patrícia. “A pólio é endêmica. Um viajante pode trazer a doença e, com cobertura vacinal baixa no país, aquelas crianças mais vulneráveis podem se infectar e adoecer”, explica. Ainda conforme a pesquisadora, “há quatro décadas não tínhamos mortes por sarampo, mas nos últimos três anos no Brasil foram 26 óbitos de crianças com menos de 5 anos e aumento nas hospitalizações”. São mortes, destaca, evitáveis. Além de falta de investimento e de liderança no Programa Nacional de Imunizações, ela observa como agravante o fato de o país ter uma autoridade na presidência da República que é contra vacinas. “O que o PNI ainda faz deve-se unicamente aos técnicos que lá trabalham. Há um projeto de desarticulação do programa, com impacto em todas as esferas”, observa.

Patrícia Boccolini também chama a atenção para o retorno da grave insegurança alimentar. “As famílias que passam fome estão naturalmente mais preocupadas se terão comida hoje ou amanhã do que com vacina ou com uma doença que elas não veem, como a poliomielite”. É importante, na opinião da pesquisadora, que os programas de assistência e renda mínima voltem a acompanhar a vacinação das crianças. “O Bolsa Família fazia isso, o auxílio atual não exige o cartão de vacina em dia”, lembra.

Atenção básica atuante

A pesquisadora defende uma melhor atuação da Atenção Básica do SUS, “com horários prolongados nas salas de vacinação dos postos, onde a população majoritariamente leva suas crianças para serem imunizadas” e uma integração desse tipo de ação com a rotina de outras atividades das unidades de saúde. Uma mãe que vai vacinar o filho na hora do intervalo do trabalho e encontra a sala de vacina fechada ou outro argumento do serviço para não oferecer a vacina, pode não ter uma segunda oportunidade para retornar, ressalta Patrícia. Ações no final de semana poderiam ajudar a regularizar o cartão de vacina, que precisa ser seguido com doses e prazos para cada faixa de idade.

Ela também observa que se perdeu muito da comunicação com a população. “Temos observado uma redução importante no investimento do governo federal em campanhas. É preciso falar o ano inteiro sobre a importância de vacinar as crianças e mostrar as consequências quando não se vacina. Antes o Zé Gotinha estava em todo o lugar, nos programas de TV e rádio, ele precisa reocupar espaços no imaginário popular”. A pesquisadora destaca a importância do investimento amplo na comunicação, além da adoção de uma linguagem que seja entendida pelos diferentes públicos e ações voltadas aos escolares. “Os municípios precisam de apoios dos governos federal e estaduais”.

Mais investimento

Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a baixa cobertura vacinal ocorre desde 2016, quando também foi promulgada a Emenda Constitucional 95, estabelecendo o teto nas despesas públicas. “Com isso, muitos gastos deixaram de ser realizados por não caberem no teto. Um dos primeiros, no Ministério da Saúde, foi com campanhas, consideradas então desnecessárias. O nosso Programa de Imunização, com sucesso, é baseado em campanhas”. Desde então, completa, não é feita convocação para vacinar. Os negacionistas da vacina, acredita, devem representar 2% a 3%, mas numa proporção maior, de 15% a 20%, haveria pessoas que só querem mais explicações sobre as vacinas. Na Covid-19, exemplifica, a convocação para as dose foi feita pela imprensa, conseguindo mobilizar a população e possibilitando a cobertura alcançada.

Outro fator que, segundo Vecina, afeta a ida ao posto de saúde é o horário de funcionamento. “Nessa crise econômica, muitos pais têm medo de perder o emprego e o posto continua funcionando em horário comercial. A periferia funciona à noite, no sábado e domingo”, diz. Os serviços devem estar preparados para acolher o cidadão em horário estendido e nos fins de semana, defende.

Mobilização nos territórios

Para a superintendente de Imunizações em Pernambuco, Ana Catarina Melo, é preciso retomar estratégias que deram certo na década de 1990 e nos anos 2000, com campanhas publicitárias em massa por rádio e TV, convocações por rádios comunitárias, vacina porta a porta, em creches e escolas. “Tem que haver mobilização social nas comunidades, com o Agente Comunitário de Saúde visitando as famílias para conferir o cartão de vacina das crianças, e estratégias para facilitar a vacina, que vão desde o horário prolongado das salas de vacina nas unidades de saúde, vacinação na rede de ensino e nos domicílios”. Segundo ela, a população mudou, novas tecnologias foram incorporadas, como as redes sociais, “mas nem todos se comunicam por Face ou Instagram. Uma parte depende de TV e rádio para se informar”.

Em Pernambuco, desde 2009 a Lei 13.770, tornou obrigatória nas unidades de ensino púbicas e privadas a apresentação da carteira de vacinação na matrícula. Na ausência do documento, recomenda-se, segundo Ana Catarina, prazo de seis meses para que seja apresentado e, diante de mais uma negativa, deve-se acionar o Conselho Tutelar.

Para Elizabeth Azoubel, que coordena as Imunizações no Recife, as campanhas permanentes de mídia são importantes para convocar a população para a vacina e combater as notícias falsas. Ela destaca também a importância de uma Atenção Básica ativa, com visita domiciliar pelos Agentes Comunitários de Saúde para verificar o cartão de vacina das crianças e ações em diferentes espaços, como a campanha feita no momento pelo município nas creches, escolas e unidades móveis.

Este conteúdo integra a série Eleições 2022: Escolha pelas Mulheres e pelas Crianças. Uma ação do Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal

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