Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Os sonhos da ginasta da Torre

Priscilla Tawanny ganha a vida apresentando números de ginástica ritmíca em uma esquina do bairro

Maria Carolina Santos / 06/08/2024
A imagem mostra uma mulher negra e jovem no meio de uma rua, aparentemente realizando uma dança ou performance com um arco (bambolê) de ginástica rítmica. Ela está vestindo um traje elaborado com elementos brilhantes. O traje inclui um adereço de cabeça e é predominantemente azul com estampas coloridas prata e douradas. A pose da mulher envolve um braço levantado acima da cabeça e o outro ao lado, sugerindo movimento. Ao redor do performer, há carros e motocicletas, indicando que a cena ocorre em uma rua ativa, no meio do tráfego. Prédios alinham a rua ao fundo, sugerindo um ambiente urbano.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Quem passa pelos semáforos das ruas Conde de Irajá e Real da Torre, no bairro da Torre, já viu um pouquinho de ginástica rítmica. Há três anos e meio, a artista de rua e baliza de bandas marciais Priscilla Tawanny, 25 anos, faz das faixas de pedestres daquele cruzamento seu ginásio a céu aberto. Com collant decorado com rendas, Priscilla coloca no fone as trilhas sonoras da rotina de apresentação das suas ídolas da ginástica – a brasileira Angélica Kvieczynski e a italiana Sofia Raffaeli – e faz acrobacias nos sinais vermelhos.

É com um X marcado com giz nas faixas de pedestres que Priscilla sabe o meio do seu palco, para exatos 50 segundos de apresentação – o tempo que o sinal fica fechado. Geralmente se apresenta com um arco. “O pessoal que passa já conhece o arco, que é um acessório da ginástica rítmica. Todo mundo passa e diz ‘ah, a menina do bambolê’. Esse ano eu consegui comprar um par de massas conectáveis, que também é da ginástica. Eu venho treinando pra tentar trazer pra cá pra rua também”, conta Priscilla.

A paixão pela ginástica começou na adolescência. “Eu acho que eu tinha uns 12, 13 anos de idade e comecei a ver as competições pelo YouTube e achava tudo muito bonito. Sempre foi uma modalidade que me pegou bastante. Eu procurava muito na internet, ia pra lan house pra assistir as competições”, lembra.

Como não tinha acesso a treinamentos nem aos acessórios, o jeito era improvisar. “Tentava repetir as acrobacias que via na internet no beco da casa da minha mãe, no Vasco da Gama. Eu lembro que a minha primeira bola de ginástica rítmica, era uma bola de futebol. Eu diminuí, murchei a bola, e tentei encaixar nas acrobacias. Onde minha mãe mora inclusive é uma ladeira e aí às vezes, o acessório caía, descia a ladeira, e eu saía correndo pra algum lugar”, conta.

Quando chegava as Olimpíadas, Priscilla parava tudo para ver a ginástica. “Acompanhei muito a Angélica Kvieczynski, sempre fui muito, muito fã dela. E esse ano a gente conseguiu uma vaga olímpica no individual, pela primeira vez, com Bárbara Domingos”, comemora. Nessa Olimpíada, segue acompanhando as competições da ginástica pelo celular, entre um sinal fechado e outro.

Priscilla acredita que se tivesse tido acesso às aulas de ginástica ritmíca na infância, sua vida poderia ter sido bem diferente. “Só pelo fato de eu amar muito esse esporte. Falta um investimento, falta o governo olhar para esse esporte como ele merece ser visto, é uma categoria tão linda. É um esporte tão lindo, tão admirável. As meninas treinam oito horas por dia, dez horas por dia para apresentar um minuto e meio em cada série. Tem que amar muito esporte”, diz.

Além dos sinais, o sonho da ginástica se realiza também nas bandas marciais, onde Priscilla é baliza. É das competições, por exemplo, que ela traz os collants que usa nas apresentações nas ruas. “Tem os meus amigos estilistas, que ajudam muito. Porque eu dependo daqui dos sinais, é o que paga minhas contas. Então às vezes eu só consigo fazer o dinheiro do figurino dois dias antes da competição. E é uma correria, noites acordadas para terminar as roupas”, conta. O dinheiro dos sinais é instável: às vezes trabalha o dia todo e não consegue R$ 20, outras vezes recebe R$ 100, R$ 150 no dia.

Priscilla não recebe dinheiro para participar das competições das bandas marciais, nem quando ganha prêmio como melhor baliza. “Eu acho que não tem troféu maior no mundo que o reconhecimento do público”, pondera ela, que também marca presença nos desfiles de 7 de Setembro, quando sai pela Escola Conde Pereira Carneiro, de São Lourenço da Mata.

De terça-feira a domingo, Priscilla fica nos semáforos das 8h às 17h. “Não consigo sair daqui, porque se eu saio o povo me cobra. Eu acabei criando um vínculo, tanto com as crianças quanto com os idosos que passam e me fazem um bem tão grande”, diz ela.

A foto mostra Priscilla Tawanny, mulher negra e jovem em um ambiente externo durante o dia, segurando duas balizas de banda marcial. A pessoa está vestida com uma fantasia elaborada, adornada com lantejoulas e miçangas que criam padrões intrincados e brilham à luz. A fantasia inclui mangas longas e cobre totalmente o torso, sugerindo que pode fazer parte de uma roupa de carnaval ou festiva. Ao fundo, há carros estacionados e árvores,

Priscilla sonhou em ser ginasta, mas hoje tira seu sustento do que recebe nos semáforos

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Entre uma pergunta e outra da entrevista para essa matéria, Priscilla recebe vários acenos e “bom dia” das pessoas que passam pelas ruas e também das que estão nos carros. Mas também já sofreu preconceito e ameaças. “Mas tento levar sempre só o que é bom”, releva.

As apresentações nos semáforos são seu único meio de vida. Quando sofreu uma lesão em 2022 e ficou um mês e meio sem poder fazer as acrobacias nos sinais, moradores da Torre se juntaram para ajudar com doações. “Vi que ela estava sem poder trabalhar no Torre Notícias e fiz minha contribuição. Gosto muito de Priscilla, ela é querida por todos aqui no bairro. O que ela faz é muito bonito”, diz Verônica Belo, uma das moradoras do bairro que apoiam o trabalho da artista.

Nome retificado e campeã invicta da baliza trans

Priscilla Tawanni foi a primeira campeã da categoria baliza trans da Copa Pernambucana de Bandas e Fanfarras, categoria criada em 2021. Antes, ela tinha que desfilar de macacão e concorria na categoria masculina. “Era um constrangimento. Mas a competição está evoluindo a cada ano. De lá pra cá, graças a Deus, venho sendo a campeã da categoria trans”, comemora a tricampeã que, na última edição do evento, concorreu com outras 12 mulheres trans.

“A final do ano passado do concurso aconteceu agora em junho, porque o governo não liberou a verba para a copa acontecer no ano passado, só liberou esse ano. Aí agora em agosto vai começar outra copa. a de 2024. Atrasou tudo”, reclama.

No começo da pandemia, Priscilla foi abordada no semáforo pela Nova Associação de Travestis e Pessoas Trans (Natrape). “Através da associação, consegui cestas básicas nos momentos mais difíceis da pandemia”, agradece. Foi também pelas orientações da Natrape que Priscilla conseguiu fazer a retificação do seu nome: Priscilla do Nascimento é como está na carteira de identidade.

Outro ponto de orgulho para Priscilla é estar viva e trabalhando. “Sabemos que muitas mulheres trans e travestis morrem muito cedo, a expectativa de vida é de cerca de 30 anos. Outra ponto é que muitas meninas acabam indo para a prostituição. Estou muito feliz que não estou em nenhuma dessas duas estatísticas”.

Para quem quiser apoiar o trabalho de Priscilla, o pix dela é o CPF 132.426.784-43

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org