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O óleo retirado das praias de Pernambuco está alimentando caldeiras das indústrias de cimento. Crédito: Mariama Correia/MZ Conteúdo
O Governo do Estado contratou uma empresa para processar o petróleo cru que está sendo retirado das praias de Pernambuco. O material chega em caminhões à Central de Tratamento de Resíduos (CTR), Ecoparque, em Igarassu, no Litoral Norte do estado, e é transformado em um resíduoquealimenta os fornos das fábricas de cimento. Até agora, 1,4 mil tonelada de óleo retirada das praias foi enviada à CTR. Na Bahia, em Sergipe, no Rio Grande do Norte e na Paraíba, o óleo retirado das praias ainda está sendo apenas estocado.
O valor que o Governo do Estado está pagando para descarregar o produto na Ecoparque não foi divulgado. A secretaria estadual de Meio Ambiente não confirmou o preço de R$ 150 por tonelada de resíduo (óleo + outros materiais contaminados), que chegou a circular na imprensa. Também não respondeu se, de algum modo, o dinheiro arrecadado com a venda às cimenteiras poderia ser usado nas ações de limpeza das praias, por exemplo. A Ecoparque não disse quanto está ganhando para receber o produto, nem por quanto está vendendo. O presidente do Sinprocim (Sindicato da indústria de Cimento de PE), Bruno Veloso, disse que se paga em média mais de R$ 100 por tonelada.
Fomos até a Ecoparque para conferir o processo. O espaço fica a mais de 70 quilômetros da praia de Itapuama, uma das mais atingidas pelo desastre ambiental, no município do Cabo de Santo Agostinho, Litoral Sul. Pela toxidade, o produto não pode ser enviado para centrais de tratamento de lixo urbano nos municípios atingidos. Precisa ser tratado em uma unidade preparada para receber lixo industrial, como é o caso da Ecoparque, queatende fábricas de vários estados nordestinos.
O petróleo cru retirado em Pernambuco chega à CTR em caminhões. Junto com ele também estão algas, areia e outros materiais da praia que ficam grudados na mancha tóxica, assim como luvas, botas, sacos de lixo e todos os itens contaminados pelo óleo durante a limpeza. Tudo isso vai para uma grande vala chamada de blendagem. A área comporta vários tipos de resíduos industriais, incluindo tecidos, plásticos e tintas. Mantas isolantes impedem que esse lixo entre em contato com o solo.
O manuseio dos produtos é todo mecanizado. Os trabalhadores são vistos apenas no comando dos tratores, que movem o lixo para dentro da área de blendagem, entre as esteiras e as máquinas por onde o material circula durante o processamento. Mesmo sem contato direto com os produtos, foi possível ver que eles estavam usando Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
O resíduo que resulta da mistura do petróleo com todos os outros itens é seco e fragmentado. Se assemelha a pequenas pastilhas.É chamada de blend energético pelo seu poder calorífico, traduzindo, por sua capacidade de gerar calor. Nas indústrias cimenteiras esse blend substitui o coque, que é um derivado de petróleo usado para aquecer os fornos na produção do cimento. “O poder calorífico do blend é mais baixo, entre quatro a cinco mil PCI (Poder Calorífico Inferior). O PCI do coque é dez mil”, explicou o diretor de operações da Ecoparque Laércio Chaves.
O blend calorífico é queimado pelas cimenteiras. Os hidrocarbonetos presentes no petróleo geram gases tóxicos, que podem ser emitidos pelas fábricas caso não sejam adequadamente tratados, contribuindo para o aquecimento global. “Esse problema também acontece com a queima do coque de petróleo, mas as indústrias têm aparado para abater essas emissões”, garantiu o químico Leopoldo Tupy, que trabalha na Ecoparque.
A Ecoparque recebe uma média de oito a dez caminhões com resíduos vindo das praias por dia. Chaves não soube informar quantos caminhões com petróleo do litoral ainda serão enviados para lá. No Cabo de Santo Agostinho, o ritmo do envio diminuiu esta semana porque a maior parte do óleo já foi removido. Desde o dia 23, 900 toneladas de óleo cru foram retiradas das praias do Cabo.
“Agora sobraram pequenas partículas que estamos recolhendo com peneiras. Cada vez que o mar seca e enche, essas partículas chegam à areia”, explicou Raimundo Souza, secretário de Serviços Públicos. “Todos os corais estão contaminados com óleo. Sabemos que não estamos resolvendo o problema, apenas mitigando. Precisamos de estudos sérios que apontem um caminho para recuperarmos o meio ambiente”, criticou.
O transporte do óleo no Cabo é feito por caminhões da prefeitura, segundo o secretário. Por causa disso, desde o domingo passado a limpeza do município está parada.“Deslocamos todos os nossos caminhões de limpeza, 15 no total, para o trabalho emergencial de retirada do óleo. O Governo do Estado destinou apenas cinco caminhões para isso”, contou. A operação logística no município precisou ser montada de forma tão urgente que nem deu tempo de calcular os custos.
“Vamos fazer esse levantamento depois. Entendemos que essa é uma questão maior, onde não podemos poupar esforços. Agora, é preciso dizer que os municípios estão sendo muito prejudicados, tanto na economia, quanto do ponto de vista ambiental”, opinou.
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).