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PEC que abre caminho para usina nuclear em Itacuruba divide governistas na Alepe

Mariama Correia / 11/10/2019

A tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 09/2019), que modifica a Constituição pernambucana para permitir a instalação de usinas nucleares, divide a opinião dos governistas na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Até agora o Governo do Estado não tem um posicionamento claro em relação ao tema, mas a liderança da bancada já hasteou bandeira contra a mudança, que abre caminho para a construção de usina no município de Itacuruba, no Sertão pernambucano. Porém, não há unanimidade entre os aliados.

É tanto que o autor da PEC, Alberto Feitosa (Solidariedade), é um deputado da base governista. “Não é verdade que a base do governo é contra. O que falta é coragem política de alguns para discutir o tema e dizer abertamente que é favorável”, alfinetou Feitosa.

O parlamentar explicou que os deputados da bancada estão aguardando o pronunciamento do governador Paulo Câmara (PSB) para definir posições. Mas ele acha que “seria muito complicada uma decisão contrária do governo”, considerando os impactos econômicos do projeto, que prevê investimentos de R$ 30 bilhões na construção de seis reatores nucleares, com geração de 10 mil empregos na construção e cinco mil na fase operacional da usina. “Não acredito que o governador será contra. Somente na operação significa dobrar a população do município, que tem cinco mil habitantes. Imagine! É mais arrecadação e estímulo ao comércio, como aconteceu em Suape”, citou.

O governador de Pernambuco, que representou o Nordeste na Conferência do Clima (Climate Week) em Nova Iorque, no mês passado, falando sobre energias renováveis e tem se destacado na oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL), silencia quando o assunto é a instalação de usina nuclear em Itacuruba. Até agora, o Palácio do Campo das Princesas emitiu apenas uma nota seca sobre o tema, onde cita o impeditivo constitucional para o projeto (veja abaixo). O texto não responde, contudo, qual é a avaliação do governo estadual em relação à proposta caso essa barreira seja transposta pela aprovação da PEC? Ou ainda, se a apresentação da PEC por deputado aliado representa uma mobilização do governo no sentido de viabilizar a construção da usina nuclear?

Líder da bancada governista na Alepe, o deputado Isaltino Nascimento (PSB) garante que, em breve, o governo estadual divulgará abertamente sua posição. “Inicialmente é contrário”, adiantou. Sem contagem oficial, ele garante que a maioria dos parlamentares aliados na Casa também se opõe à mudança constitucional e à instalação de planta nuclear no Sertão. Por isso, a PEC teria poucas chances de aprovação. “Inclusive porque muitos parlamentares da oposição também são críticos ao projeto”, apontou. Para passar, a PEC precisa de 30 votos a favor em dois turnos. A Alepe tem 49 deputados.

Mas o cenário real parece estar menos definido do que a fala do líder da bancada governista sugere. Priscila Krause (DEM), deputada da oposição, por exemplo, ainda não tem posição fechada sobre o tema, que considera complexo. Para ela, entretanto, o assunto está acima das questões políticas. “Temos que fazer esse debate longe das ideologias. Precisamos resolver de maneira muito pragmática e muito serena, buscando respostas em estudos técnicos”, opinou, dizendo que está estudando o assunto.

O que está em jogo?

A ideia de instalar uma usina nuclear em Itacuruba, às margens do rio São Francisco, é debatida desde 2011. Na época, a Eletronuclear (subsidiária da Eletrobras) divulgou um estudo que apontava o local como melhor opção no Nordeste. O ex-governador Eduardo Campos era favorável à proposta, mas esbarrou na Constituição estadual, que veda a construção de usinas nucleares por aqui.

Itacuruba voltou a ser destaque nos debates nacionais sobre geração de energia no primeiro semestre deste ano, quando foi citada pelo presidente da Eletronuclear como um dos pontos para construção de novas usinas nucleares no Brasil. A afirmação veio na esteira do pronunciamento de Reive Barros, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, sobre o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), que prevê novos investimentos federais nessa matriz energética.

Ambientalistas, ativistas e moradores de Itacuruba reagiram imediatamente. Entre as entidades contrárias ao projeto está a igreja católica, que tem sido atuante na defesa dos direitos dos moradores da região. Esses grupos se organizam na Articulação Sertão Antinuclear, realizando eventos onde são debatidos os impactos ambientais e sociais da construção da usina em Itacuruba.

Leia mais: Itacuruba se mobiliza contra usina nuclear no sertão nordestino

O município abriga comunidades quilombolas e indígenas, e tem um histórico de violação dos direitos desses povos, que foram retirados de seus territórios tradicionais para a construção da usina hidrelétrica de Itaparica. Essa questão é associada, inclusive, aos altos índices de suicídio e de adoecimento mental na região. “A bancada governista está articulando uma audiência pública em Itacuruba porque a sociedade não foi ouvida até agora”, antecipou Isaltino Nascimento.

Na defesa do projeto, Alberto Feitosa diz que a desinformação tem baseado os debates. “Dizem que as vacas que beberem água do rio vão sofrer mutações. Que as mulheres ficarão estéreis. Falta conhecimento sobre a energia nuclear, que é uma fonte limpa e altamente segura”, garante. “Estamos falando de uma usina de terceira ou quarta geração, diferente das que tiveram problemas no passado. Países que são reconhecidos por suas políticas ambientais, como o Canadá, têm usinas nucleares. O material radioativo gerado na produção de energia, aliás, tem alto valor agregado. Tem gente disputando isso no mundo inteiro”, disse.

O líder do governo, Isaltino Nascimento, contraria a análise do aliado. Com a transposição do rio São Francisco, o deputado alertou para os riscos ambientais, considerando o histórico de acidentes nucleares, como os ocorridos em Chernobyl, na Ucrânia, e em Fukushima, no Japão, que tiveram consequências catastróficas. “Com a perspectiva do Governo Federal de privatizar a Eletrobras, quais garantias teremos de que a iniciativa privada tomará todas as precauções para evitar contaminação do rio?”, questionou. “Qualquer acidente pode gerar um caos no Nordeste, inviabilizando o abastecimento de água em dezenas de municípios de vários estados”.

Isaltino chamou atenção para a questão do descarte do material radioativo, que precisa ser armazenado por 10 mil anos. A construção de uma usina nuclear em Itacuruba vai, inclusive, de encontro às iniciativas de geração de energia limpa que têm mobilizado investimentos do governo estadual, como plantas eólicas e solares, na avaliação do parlamentar. “Nossa realidade é diferente de outros países. No Nordeste temos vento e sol o ano inteiro”.

 Leia a íntegra da nota do Governo de Pernambuco sobre usina nuclear em Itacuruba:

NOTA OFICIAL
Com relação ao questionamento levantado a respeito de a cidade de Itacuruba, no Sertão do Estado, ser um possível local de instalação de uma usina nuclear, o Governo de Pernambuco ressalta que a Constituição Estadual, através do Artigo 216, veda a instalação de usinas nucleares em todo o território pernambucano.

Governo de Pernambuco

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).