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PM interrompe evento em comemoração ao Dia do Graffiti no centro do Recife

Crédito: @olhardamedus4

Um público de aproximadamente 90 pessoas, entre artistas, produtores e clientes, comemorava o Dia Mundial do Graffiti, na noite desta quarta-feira, 27 de março, no bairro de Santo Antônio, no centro do Recife, quando foi surpreendido pelas guarnições de sete viaturas da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE). Segundo os relatos repassados à Marco Zero e postados em tempo real nas redes sociais, aproximadamente 30 policiais interromperam o evento independente “Mostra Coletiva de Arte Urbana”, promovido pelo coletivo e loja Cordalama, e, sem apresentar qualquer justificativa, de acordo com a organização, ordenaram que todos os homens presentes no local formassem um paredão para serem revistados.

A abordagem seguiu dentro da loja, sem que nenhum mandado judicial tivesse sido apresentado, dizem os participantes da comemoração, cuja programação incluía batalha de tags, apresentação de DJs, roda de diálogo e venda de obras e produtos de graffiti. A polícia confiscou 33 latas de spray, sendo 26 delas de dentro da bolsa de um dos artistas presentes e que tinham sido adquiridas na promoção feita pela Cordalama para celebrar a data.

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Batalha de tag é um duelo que existe dentro da cultura do graffiti onde os participantes recebem uma palavra da plateia e escrevem essa palavra dentro de um tempo delimitado pela organização do evento.

O coletivo existe há 15 anos, é responsável por reunir nomes importantes da cena do graffiti e atualmente empreende a Cordalama Graffiti Shop e a Galeria Lama, primeira galeria voltada para arte urbana no Recife, no edifício D’ouro, na Rua Ulhôa Cintra, próximo ao também tradicional Pagode do Didi, fechado temporariamente para regularizações de alvarás exigidas pela Prefeitura do Recife.

“Eu me senti, além de tudo, impotente, assustada e altamente preocupada”, diz Mamá, artista e integrante do Cordalama. “Eu tenho 50 anos e as pessoas que estavam aqui têm uma idade de 25, 30, 18 anos, ou seja, uma garotada”, detalha. “É preciso fazer o público ficar ciente que o artista urbano não é inimigo da cidade”, crava.

“O Pagode do Didi, único estabelecimento que às sextas-feiras torna esse lugar vivo, foi fechado. A Cordalama sofrendo uma investida dessa. O que me preocupa é o que vem depois disso. Vão fechar a loja também?”, questiona. As mulheres presentes no local, que não foram revistadas, reuniram as telas de graffiti e formaram uma espécie de paredão com o material, do lado de fora do prédio, para mostrar à Polícia Militar que se tratava de uma programação artística que acontecia com paz e tranquilidade.

Crédito: @skai081

Crédito: @skai081

Crédito: @skai081

Crédito: cortesia

A Cordalama e outros grupos e coletivos artísticos publicaram uma nota de repúdio: “Hoje, Dia Mundial do Graffiti nossa comunidade foi profundamente humilhada e oprimida! Éramos aproximadamente 100 pessoas reunidas, homens, mulheres, crianças e adolescente comemorando e celebrando essa arte tão importante, o Graffiti! Só quem vive sabe como isso nos dá ânimo pra existir, que salva vidas dentro e fora da periferia! Nos somos artistas, grafiteiros e grafiteiras, fotógrafas, produtoras, professoras, arte educadores, ativistas políticos, pixadores, advogados. Nós somos cidadãs, somos trabalhadores e trabalhadoras da arte”, diz o trecho inicial.

“Agora imagine, cerca de 40 homens negros foram retirados do seu lazer, do seu momentos diversão, de aquisição de bens imprescindíveis para nosso trabalho, como latas de spray, para simplesmente passar pela maior violação de direitos que o movimento hip hop viu em um evento no centro da cidade dentro de, pelo menos, dez anos! Todos foram direcionados para o muro e em silêncio abaixaram a cabeça, porque todo homem negro sabe que não pode enfrentar a polícia sem o risco de MORRER!”, diz ainda o texto. Confira a íntegra da nota:

Íntegra da nota dos coletivos de grafitti

Hoje, Dia Mundial do Graffiti nossa comunidade foi profundamente humilhada e oprimida! Éramos aproximadamente 100 pessoas reunidas, homens, mulheres, crianças e adolescente comemorando e celebrando essa arte tão importante, o Graffiti! Só quem vive sabe como isso nos dá ânimo pra existir, que salva vidas dentro e fora da periferia! Nos somos artistas, grafiteiros e grafiteiras, fotógrafas, produtoras, professoras, arte educadores, ativistas políticos, pixadores, advogados.

Nos somos cidadãs, somos trabalhadores e trabalhadoras da arte. Viemos através dessa NOTA DE REPÚDIO denunciar a ação desproporcional da Polícia Militar (alguns indivíduos estavam com farda do GATI), chegaram no local mandando “ que todos os homens encostassem na parede” .
Mostraram aquele despreparo típico da polícia quando se depara com a cultura negra, isso é histórico no nosso país, o funk, o brega, a capoeira, o maracatu , o afoxé já viveu e vive isso!

Entenda melhor o caso: O evento que Comemora o Dia Mundial do graffiti estava sendo realizado na frente da loja Cordalama, um espaço que vende material de arte urbana e promove diversos eventos, a polícia militar chegou a entrar no estabelecimento mandando os clientes homens e funcionários sair da loja para entrar na abordagem deles!

Agora imagine, cerca de 40 homens negros foram retirados do seu lazer, do seu momentos diversão, de aquisição de bens imprescindíveis para nosso trabalho, como latas de spray, para simplesmente passar pela maior violação de direitos que o movimento hip hop viu em um evento no centro da cidade dentro de pelo menos dez anos! Todos foram direcionados para o muro e em silêncio abaixaram a cabeça, porque todo homem negro sabe que não pode enfrentar a polícia sem o risco de MORRER!

Após a abordagem desnecessária e hedionda A polícia “confiscou” 33 latas de spray. Querendo destacar que os movimentos que assinam essa nota consideram isso violência patrimonial vinda direto do Estado! Queremos nosso material de trabalho de volta! A comissão de advocacia popular da OAB já está acompanhando o caso.

Assinam: Cor da Lama, Coletivo Pão e Tinta, Pixe Girls, Point Bomb Recife, Px Produtora, Kalunga Project, ColetivaS, Cores Femininas, Kardume, Osmo Crew

“Fui vista como artista incrível, mas sou tratada como marginal”

A grafiteira e educadora social responsável por produzir o primeiro megamural feito por artistas negras no centro do Recife, Nathê Ferreira, participou do evento e registrou a ação da PM. “Não é a primeira vez que nós grafiteiros lidamos com abordagens policiais durante nossas atividades, mas geralmente conseguimos dialogar com os policiais e explicamos que nosso trabalho acontece de forma legal e eles são compreensivos. Mas o que aconteceu ontem foi de uma violência que eu nunca tinha presenciado antes, eles chegaram de forma muito truculenta e já foram dando ordens sem nem conversar”, contrapõe. “É muito triste porque, quando eu fiz o megamural, eu fui vista como uma artista incrível, mas na rua eu sou tratada como uma marginal”, desabafa.

“O evento estava lotado em plena quarta-feira e isso demonstra uma necessidade que a população do Recife tem em acessar atividades de arte de forma gratuita. Esse era o nosso objetivo, realizar uma atividade de educação e arte de forma gratuita. E o que recebemos em troca foi uma repressão descabida da polícia. Polícia essa que muitas vezes não faz a segurança do local porque aquela é uma área onde acontecem muitos assaltos, mas nós fomos tratados como marginais, quando só estávamos querendo ocupar um lugar da cidade que está abandonado pelo próprio poder público”, criticou Nathê Ferreira.

A DJ, produtora e comunicadora Kananda esteve no local e também relatou uma sensação de revolta e medo. “Eu fiquei extremamente morgada. Fiquei muito assustada. Foi uma situação muito ruim para as mulheres que tiveram que ficar vendo isso. As armas ficaram de frente para a gente. Porque eles estavam lá, impedindo que a gente chegasse perto para dialogar, inclusive. E aí fica lá, um monte de mulher negra também vendo homens negros sendo baculejados em um evento que deveria ser de comemoração”, diz.

PM alega falta de autorizações

À reportagem, a PMPE afirmou que o evento aconteceu “sem as devidas autorizações e sem o conhecimento dos órgãos de Segurança Pública”. “A Polícia Militar reitera seu compromisso e respeito com os preceitos legais que regem o Estado democrático de direito e esclarece que eventos públicos de natureza cultural, para serem realizados, necessitam de autorização prévia da Prefeitura Municipal e da emissão de suas respectivas licenças de uso de solo, plano de limpeza e sonorização, além da comunicação, pelos organizadores do evento, aos órgãos de Segurança Pública como a Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros”, diz trecho inicial da nota.

“A partir de denúncias de pichação em edificações no centro do Recife e, não havendo nenhuma informação sobre o citado evento, foram deslocadas viaturas e realizada a abordagem policial, ao público presente. Ressaltamos que, em análise preliminar das imagens veiculadas nas redes sociais e, a partir dos relatos, não foi verificado excessos ou violência policial, na ação do efetivo do 16° BPM, responsável pelo policiamento na área”, segue o texto. Confira, ao final da matéria, a íntegra da nota oficial.

Íntegra da nota oficial da Polícia Militar

“A Polícia Militar reitera seu compromisso e respeito com os preceitos legais que regem o Estado democrático de direito e esclarece que eventos públicos de natureza cultural, para serem realizados, necessitam de autorização prévia da Prefeitura Municipal e da emissão de suas respectivas licenças de uso de solo, plano de limpeza e sonorização, além da comunicação, pelos organizadores do evento, aos órgãos de Segurança Pública como a Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros.

Através do 16º BPM informamos ainda que, nesta quarta-feira (27), na rua Uchôa Cintra, bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, aconteceu a “Mostra Coletiva de Arte Urbana” com a participação de cerca de 80 pessoas reunidas, sem as devidas autorizações e sem o conhecimento dos órgãos de Segurança Pública.

A partir de denúncias de pichação em edificações no centro do Recife e, não havendo nenhuma informação sobre o citado evento, foram deslocadas viaturas e realizada a abordagem policial, ao público presente.

Ressaltamos que, em análise preliminar das imagens veiculadas nas redes sociais e, a partir dos relatos, não foi verificado excessos ou violência policial, na ação do efetivo do 16° BPM, responsável pelo policiamento na área.

Até o final da ocorrência nenhum dos participantes presentes se apresentou ao policiamento como organizador do ato ou proprietário do material apreendido. A partir da ausência dos responsáveis, o material apreendido foi entregue, mediante boletim de ocorrência, na Delegacia da Área.

Lembramos que possíveis irregularidades cometidas por servidores civis e militares da SDS podem ser informadas à Ouvidoria Geral da SDS através do 0800-0815001 ou pelo (81) 31835298. O cidadão também pode ir pessoalmente na Ouvidoria, que funciona no prédio em frente à Secretaria de Defesa Social, na Rua São Geraldo, 110, no Bairro de Santo Amaro. Ou ainda pelo e-mail ouvidoria@sds.pe.gov.br .

Quaisquer segmentos da sociedade que queiram realizar eventos na região central do Recife, além de procurar os órgãos responsáveis pelas autorizações, também podem manter contato com o comando do 16° BPM, através do e-mail: 16bpmp3freicaneca@gmail.com e pelo telefone 31811780.

AUTORES
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Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com

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Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.