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Podas mal feitas realizadas pela Neonergia podem provocar mais quedas de árvores no Recife

A imagem mostra uma rua urbana cercada por prédios altos e modernos, com fachadas de vidro e azulejos em tons neutros. No centro, destaca-se uma grande árvore de tronco curvado para a direita e copa verde, contrastando com a paisagem urbana. No primeiro plano, uma mulher de vestido estampado caminha na calçada, enquanto outra pessoa de cabelos brancos está no jardim de um edifício. A rua possui uma ciclovia vermelha e alguns carros e motos estacionados. Um poste com diversos fios atravessa a cena, reforçando o aspecto urbano. O céu está nublado, proporcionando uma luz suave ao ambiente.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Em meio a chuva torrencial que caía na manhã daquela quarta-feira, 5 de fevereiro, Maridí dos Anjos nem precisou olhar pela janela para entender o significado do estalo que ouviu, seguido do ruído de telhas estilhaçadas e metal sendo retorcido. Ela soube imediatamente que a enorme árvore da espécie ficus plantada em sua calçada havia caído e atingido a casa onde ela mora sozinha no bairro do Rosarinho.

De tanto ser podada em apenas um lado pelas equipes da Neoenergia, a empresa espanhola responsável pela distribuição de energia elétrica em Pernambuco, a queda da árvore era esperada por Maridí e pelas vizinhas. Mesmo antes de bater na casa de Maridí, o repórter e o fotógrafo da Marco Zero foram abordados por outras três moradoras da rua. “A senhora que mora aí cansou de ligar para a prefeitura e para a Neoenergia, mas ninguém deu a mínima”, alertou Lúcia, professora aposentada que mora no edifício em frente, enquanto passeava com seu cachorro shihtzu pela calçada oposta.

Explicando que não gostaria de ser fotografada com lágrimas nos olhos, Maridí contou que a sequência mais recente das muitas reclamações que fez começou no dia 14 de janeiro, após mais uma poda da Neoenergia. “Eles cortaram só os galhos que podiam encostar nos fios e disseram que eu tinha de ligar para a prefeitura vir consertar. É sempre isso que dizem. Fui na prefeitura, disseram que só poderia resolver no dia 29 de março. Liguei novamente no dia 30, mas não adiantou nada. No dia 5, a árvore caiu”, relata.

A vizinha da frente, a fotógrafa Fernanda Freire Souza, registrou a árvore tombada sobre o muro da casa da amiga. “Se a prefeitura não tem condições de monitorar a saúde, deveria fazer um convênio com a Universidade Rural (UFRPE), como já existe em outras capitais”, sugere.

Não precisa andar muito pelas ruas do Recife para encontrar inúmeras árvores com podas feitas em V, apenas para livrar os fios. Muitas se encontram com um lado maior do que o outro. Professora do departamento de Ciência Florestal da UFRPE, Ana Lícia Feliciano afirma que esse tipo de poda é um erro. “A árvore precisa ter um equilíbrio, tanto nas suas raízes como na própria copa. Tem vários lugares no Recife que eu passo e vejo que tem uma parte da copa só de um lado. Essa árvore, mais dia, menos dia vai cair”, alerta Ana Lícia, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU).

A árvore que caiu no Rosarinho, uma ficus, é uma espécie exótica, originária da Ásia, e que não faz parte do Manual de Arborização Urbana do Recife, que privilegia espécies nativas da Mata Atlântica. “Há muitas árvores ficus na cidade, principalmente no centro, perto do Parque 13 de Maio. São árvores de grande porte e que precisam de muito espaço permeável para suas raízes. Não são adequadas para calçadas, sendo indicadas para parques que tenham espaço”, diz a professora.

Ana Lícia conta que, na época da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), a UFRPE chegou a dar oficinas para ensinar como as podas devem ser realizadas. Facões, por exemplo, são proibidos. “Porque dilacera o galho, que fica exposto, aberto a pragas, doenças e tudo mais. Há serras com cabo longo, apropriadas para a poda. E, dependendo do local, pode ser usada a motosserra”, diz.

Para diminuir as podas indevidas ou mal feitas, Ana Lícia defende que a prefeitura do Recife e a Neoenergia trabalhem juntas e que sigam as melhores práticas. “Há técnicos capacitados na prefeitura do Recife, engenheiros florestais, biólogos, que podem dar o treinamento para quem está fazendo a poda. É preciso que esse conhecimento seja colocado em prática”, afirma. “Não há necessidade de escolher entre postes e fios e as árvores. As árvores são seres vivos, que só nos ajudam. Já temos conhecimento e tecnologia para acompanhar a saúde das árvores em espaços urbanos. Há cidades que usam ultrassom e aparelhos com infravermelho para ver se as árvores estão saudáveis. Esse acompanhamento é muito importante”, destaca.

A imagem mostra uma rua urbana arborizada com prédios altos ao fundo. Árvores grandes e inclinadas, algumas em formato de V, crescem próximas à fiação elétrica. Veículos como uma picape, uma moto e um carro branco estão estacionados. Um pequeno bloqueio amarelo e preto aparece na via. A calçada é bem cuidada, com palmeiras e plantas.

Não é difícil encontrar árvores inclinadas para um lado nas calçadas da capital

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Emlurb x Neoenergia

A Marco Zero questionou a Energia e a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) sobre a qualidade das podas na cidade. A Emlurb, que é a responsável pela manutenção arbórea dos logradouros públicos, afirmou que durante a abertura de “chamado de poda ou de vistoria do próprio engenheiro, existe um protocolo a ser seguido, e nele é vista a necessidade ou não de apoio da Neoenergia devido ao contato de galhos com rede de média e alta tensão. Averiguada a necessidade é feita uma programação conjunta”.

A Emlurb também afirmou que o monitoramento das árvores em ruas é feito periodicamente. “Diariamente um fiscal, que normalmente é um engenheiro florestal, agrônomo ou um biólogo, fica responsável por determinado trecho da cidade, realizando a vistoria para avaliar a necessidade de poda ou supressão do individuo arbóreo”.

A Marco Zero também questionou se a Emlurb faz algum treinamento com a Neoernegia, de como deve ser o corte para livrar os fios. A resposta foi que “semanalmente, são enviadas para a concessionária Neoenergia demandas de poda ou supressões a serem executadas na cidade. Existe uma comunicação de retorno das demandas que foram feitas em operação conjunta ou da planilha de apoio da Emlurb”.

A Emlurb, no entanto, criticou a Neoenergia por podas mal feitas de livravemento de fios. “Há ainda demandas de livramento de rede que a Neoenergia executa sem o conhecimento da autarquia. E essas, em sua maioria, não têm retorno, salientando que a Neoenergia não realiza poda, apenas um livramento de rede, onde muitas vezes a Emlurb notifica o serviço feito à Secretaria de Meio Ambiente pelo manejo arbóreo totalmente inadequado, ocasionando muitas vezes desequilíbrio no vegetal.

Ainda segundo a Emlurb, durante o ano de 2024, foram feitas 42.134 podas. Já no mês de janeiro deste ano já foram feitas aproximadamente 4.200 árvores.

O silêncio da Neonergia

A Marco Zero solicitou uma resposta da Neoenergia sobre as podas mal feitas e como é feito o treinamento dos podadores, mas a empresa não respondeu.

AUTORES
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org

Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.