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Políticos e empresários de Palmeira dos Índios (AL) incitam população contra povo xukuru-kariri

Marco Zero Conteúdo / 20/10/2025

Crédito: Renato Santana/CIMI

por Wanessa Oliveira, do portal Mídia Caeté

Palmeira dos Índios (AL) – Na medida em que avança o processo de demarcação da Terra Indígena do povo xukuru-kariri, em Palmeira dos Índios – agreste de Alagoas – políticos locais têm intensificado um levante anti-indígena, com o intuito de incitar a população da cidade contra as comunidades originárias no âmbito do processo demarcatório. A campanha utiliza uma série de táticas de desinformação, que vão da história do Brasil – e de Palmeira dos Índios – à escalada de medo fomentada entre trabalhadores rurais que estão ocupando área indígena, assustando-os com informações de que seriam expulsos e ficariam sem terra.

Os episódios das últimas semanas indicam como o conflito tem se acentuado. As hostilizações sofridas por servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) chegaram ao ponto dos técnicos precisarem ser escoltados pela Polícia Militar para realizar o levantamento das benfeitorias realizadas por não -indígenas, etapa que integra o processo de demarcação.

Já numa situação mais recente, vereadores do município realizaram uma audiência pública que culminou com a construção de um “Fórum Permanente de Resistência à Demarcação”, registrado inclusive de forma institucional pela Câmara Municipal de Palmeira dos Índios. Durante o evento, políticos que estavam à mesa emitiram uma série de declarações contra a demarcação, declarando que políticas indigenistas e sociais têm “afugentado empresários” e “interrompido o crescimento da cidade”. Segundo informações recolhidas pelo próprio site da Câmara, a sessão foi presidida pelo vereador Lúcio Carlos Medeiros, “responsável pela convocação do encontro”, e contou com a presença do presidente da Casa, Madson Monteiro, além dos vereadores Gileninho Sampaio, Eduardo Toledo, Pedrinho Gaia, Helenildo Neto e Salomão Torres”.

O encontro aconteceu em um clube campestre, com a presença de políticos, posseiros, pequenos e grandes agricultores, e não teve a transmissão disponibilizada em nenhum local – apenas recortes em redes sociais controladas pelos próprios políticos.

Algumas cenas, entretanto, retrataram o “tom” do debate. Entre as mais icônicas, aparece o ex-deputado Edval Gaia Filho com sua tesede ter chegado antes dos povos indígenas.

“Nós chegamos aqui primeiro do que eles, aqui na terra de Palmeira dos índios. Nós precisamos inclusive solicitar à Assembleia Legislativa para que retire o nome de ‘Índios’ de Palmeira porque só tem atrapalhado nossa terra. Só tem nos atrapalhado”, declarou, prosseguindo a sugerir que a situação afugenta empresários de investirem na cidade. O trecho do vídeo é, logo então, interrompido.

O advogado Adeilson Bezerra, que também estava presente no encontro, é mais um nome que tem se destacado entre os que levantam o embate anti-demarcação. Bezerra vem utilizado redes sociais e imprensa para questionar o número de indígenas na cidade – alegando que há pessoas não-indígenas ‘inflando’ o contigente, que surgem comunidades “do nada”, e questionando o instituto da autodeclaração.

De porta em porta – e de vídeo em vídeo -o advogado se coloca como um mobilizador de ações judiciais para deter os atos demarcatórios, mostrando imagens em Brasília e afirmando suas articulações políticas e judiciais para deter o direito constitucional dos xukuru-kariri.

A Mídia Caeté tentou contactar Edval Gaia Filho e Adeilson Bezerra, mas até o momento de finalização da matéria, nenhum dos dois respondeu ao chamado.

Já o vereador Lúcio Carlos Medeiros que reconhece ser um dos líderes da mobilização contra a demarcação, concedeu entrevista à Mídia Caeté, onde negou investir em qualquer incitação de ódio contra os indígenas em Palmeira. “Fico triste quando [o povo xukuru-kariri] dizem que se sentem ameaçados, porque eles conhecem a gente. Foram nascidos e criados com a gente lá, pelo menos os que residem nas aldeias, porque agora Palmeira dos Índios é hoje uma das cidades com maior número de desaldeados”, retrata, passando também a questionar o número de indígenas, na mesma toada de Bezerra.

A foto mostra um homem em pé em uma estrada de terra cercada por vegetação. Ele tem barba curta, usa boné e veste uma camiseta preta da marca Calvin Klein sobre uma blusa de manga comprida cinza-clara. Atrás dele há uma cerca de arame e, mais ao fundo, uma casa simples com telhado de amianto, cercada por bananeiras e árvores. O cenário é rural, com morros e muito verde ao redor. Na parte inferior da imagem, aparece uma faixa amarela com o texto: “É a terra do meu pai”.

Vereador Lúcio Medeiros, um dos líderes da campanha

Crédito: Reprodução/Instagram

Medeiros defende que quem está incitando o medo são os próprios indígenas, ao afirmarem que a demarcação é inevitável, e reclama do uso de termos como “posseiros” e da “desintrusão”. “É como se as pessoas fossem intrusas”, se queixa. Segundo o vereador, a mensagem que o grupo anti-demarcação está repassando não é de medo, mas de tranquilizar e apaziguar – não por estarem atentos para que a demarcação aconteça de forma justa, mas no sentido de que conseguirão deter o processo.

“A mensagem que estamos levando é que tenham paciência e tranquilidade. A demarcação tem seis etapas, e foram concluídas quatro. A homologação é a quinta e estamos tentando barrar a quinta e a sexta”, diz.

Nesse sentido, a principal argumentação – reiterada em vídeos em suas redes sociais – é de que há vários agricultores empobrecidos e idosos que estão com seus familiares há gerações nas casas ocupadas na TI, de modo a não se reconhecerem enquanto posseiros.

“Se infartar um senhorzinho de coração porque teve a terra tomada? Foram pessoas que me criei na casa delas. Como não afeta a cabeça dessas pessoas? Elas estão aterrorizadas com o que a Funai explicou, e com o fato de que os indígenas ficam a todo o momento dizendo que não vai ter como deter o processo”, relata.

Questionado se os vereadores que têm agitado a campanha antidemarcação têm explicado sobre as possibilidades – previstas em lei – de reassentamento e indenização, como a busca de órgãos como o Incra, por exemplo, Medeiros respondeu que não.

“Não nos interessa o reassentamento, nem venda ou negociação. O que interessa é a proposta de que quem quiser vender que negocie com a Funai diretamente, e não que seja obrigada a sair. As lideranças indígenas antigas dialogavam e avançavam. Antes tinham 700 hectares, depois foi para 1.300 e hoje já ocupam 2 mil hectares”, comenta. “E não há um só latifundiário, ou uma terra improdutiva. A área de demarcação ocuparia um terço das terras produtivas de Palmeira dos Índios e um terço produz mais de 70% da nossa produção frutífera”.

Segundo ele, houve tentativas de transformar o processo demarcatório em uma negociação. “Convoquei nas rádios as lideranças indígenas para dialogar e chegar em consenso em comum acordo como sempre foi feito, mas ninguém quis se manifestar”.

A proposta em questão é que, além da demarcação ser facultativa, que a população indígena aceite a possibilidade dereceber 1 mil hectare, ao invés de 7 mil hectares aos quais os xukuru-kariri têm direito.

“Na contagem deles, o número de indígenas chega a 4.700. Já as pessoas que estão nas propriedades são pelo menos 12 mil nessa condição”, alega. “São pessoas q detém propriedade da terras há cerca de 200 anos que chegaram primeiro que os povos originários nessa região”, declara.

O revisionismo histórico não é nada tímido para o grupo anti-demarcação. Assim, ao contar a história de Palmeira dos Índios, o vereador começa a partir da capitania hereditária e das sesmarias, divisão de terras já realizada pela coroa portuguesa – de onde apresenta recortes específicos.

“Uma delas (das sesmarias) atendia a região e foi onde chegaram as famílias. Até tinham indígenas na região, mas não nessa que estão solicitando”, conta, não respondendo quando questionado se a inexistência se dava por quadros de expulsão violenta anteriores a esse período.

Segundo o vereador, a posse do território pelos posseiros é fundamentada em documentação. “Não pertence à União. A minha família mesmo tem terra lá há cinco gerações. São terras com título de propriedade, com fé pública. Não há histórico de invasão, expulsão ou conflitos indígenas para que reivindiquem essas terras. Pelo contrário, Palmeira dos Índios tem uma história que é diferenciada, e sempre acolheu os indígenas”.

A foto mostra uma reunião em um espaço coberto com telhado de madeira e colunas verdes. Sete homens estão sentados atrás de duas mesas plásticas brancas, dispostas lado a lado. Um deles, de pé no centro, segura um microfone e fala ao público — ele veste calça jeans, camisa azul e paletó cinza-claro. Os demais o observam; alguns estão com expressão séria, outros atentos. Há garrafas de água, papéis e um microfone sobre as mesas. À esquerda, há uma grande caixa de som preta. O ambiente é simples e ventilado, com iluminação natural. A cena sugere uma reunião ou audiência pública.

Encontro em clube campestre lançou movimento contra a demarcação

Crédito: Divulgação

“Falam em nome do povo, mas estão em causa própria”

De acordo com o coordenador regional da Funai, professor Cícero Albuquerque, é possível fazer uma caracterização dos que têm sido responsáveis pelos conflitos . “São posseiros com mandato, ou que atuam como mandatários, que falam em nome do povo mas estão em causa própria. São pessoas que aparecem como advogados, políticos, ou algo assim, mas são posseiros, alguns mais antigos, e outros com um ano aparecendo nessa cena”, relata.

Segundo ele, apesar de inflarem o número de ocupantes não-indígenas para até mais de 3 mil famílias, ou 12 mil pessoas, trata-se, na verdade, de cerca de 400 pessoas. “Não tenho dúvidas que tenham pequenos posseiros, agricultores que trabalhem na terra. Isso certamente nos incomoda e entendemos que é um dever do Governo do Estado e Federal de atuação no sentido de indenizar e reassentar, e trabalhamos com essa ideia. No entanto, a princípio, esse é um papel de outros órgãos. Nosso papel institucional é defender a homologação”, explica.

Segundo ele, a construção do Fórum é uma das ações realizadas pelo grupo para efetuar pressão política contra a demarcação, mas não é a única estratégia, uma vez que há um série de desinformações que vêm sendo repercutidas pela cidade, além de abaixo-assinado, entre outras ações.

“O Fórum é contra o direito dos povos originários. Palmeira dos Índios atualmente tem cerca de 5 mil indígenas e dizer que a homologação vai acabar com essas ações que estão fazendo é um discurso falacioso”.

Já o Ministério Público Federal informou, por meio de nota, que tem acompanhado a situação da terra indígena, já declarada e demarcada, e observado com atenção as manifestações de ódio e mesmo as ameaças contra a população indígena local, inclusive crianças.

O órgão acrescenta: “Tais condutas são inaceitáveis e configuram grave violação aos direitos fundamentais dos povos indígenas, assegurados pela Constituição Federal. O MPF atua em articulação a Funai para garantir a proteção da comunidade xucuru-kariri e a manutenção da ordem pública”.

Ainda na nota, o MPF reitera que a atuação da Funai não traz qualquer prejuízo para não indígenas.

“Pelo contrário, é uma etapa fundamental para identificar e registrar corretamente as benfeitorias existentes, evitando que se crie a falsa impressão de que não há nada a ser indenizado no futuro. A Funai vem cumprindo uma decisão judicial, proferida no âmbito Processo nº 0801468-76.2019.4.05.8001, ajuizado pelo Ministério Público Federal”.

Segundo o órgão, os casos de ameaça ou violência contra cidadãos indígenas e indigenistas que chegarem ao conhecimento do MPF serão devidamente encaminhados à Polícia Federal, para adoção das medidas legais cabíveis.

Entre as medidas adotadas, os órgãos também constituíram um Gabinete de Crise, que tem sido acompanhado inclusive pelo Ministério dos Povos Indígenas.

O coordenador regional da Funai, Cícero Albuquerque, expressa a necessidade de se respeitar e lembrar a participação dos povos indígenas no município.

“Indígenas compram no comércio, produzem e comercializam sua produção. São cidadãos e cidadãs que participam da vida social e política de Palmeira dos Índios, então todo esse discurso só aumenta a o ódio e é produzido por quem ocupa ilegalmente as áreas indígenas. As pessoas sabem quando estão ocupando uma área que é território indígena. Desde 2010 houve demarcação da área física e hoje há obras que foram feitas de má fé por pessoas que se posicionam politicamente e usam o discurso de direitos negados”, relatou o professor Cícero.

Um das obras em questão trata-se de um parque aquático construído após doação da Prefeitura de Palmeira dos Índios a um empresário, de uma área situada dentro da Terra Indígena. A Justiça Federal decidiu embargar e determinou a demolição da obra, informando ainda que havia comprovação vasta de que tanto prefeitura como construtora sabiam que tratava-se de uma construção irregular e, mesmo assim, prosseguiram, alimentando expectativa da população sobre um projeto que não teria futuro.

Os transtornos gerados pela construção irregular acentuaram a opinião pública contra a população indígena, transformando em ferramentas para políticos locais se valerem de narrativas de que os direitos dos povos indígenas “atrapalham a economia e o crescimento da cidade”.

Esse tipo de declaração vem sendo difundida, e constantemente ilustrada com dados e informações descontextualizadas, além de mais difamação contra os povos indígenas e sua relação com a terra.

Obra de parque aquático em terra indígena foi embargada

Crédito: Divulgação/povo Xukuru Kariri

Um exemplo é colocado pelo próprio vereador. “Não estou julgando, mas o valor da terra para povos originários não é o mesmo que para nós. Nós queremos terra para produção alimentar, vender, comprar insumos, sustentar nossa família e gerar economia. Todas as terras pagam impostos, as vendas pagam imposto. De todo os âmbitos, a economia sairia enfraquecida”, alega. Segundo ele, um exemplo foi de uma área comprada pela Funai que foi entregue para comunidades indígenas.

“Era uma área produtiva e virou ‘capoeira’, e isso causou estranhamento na população, não sei porque ninguém faz nada com ela”.

A apelação para o debate econômico termina por indicar mais discursos falaciosos, que reforçam a ideia da população indígena alheia à produção e reprodução de vida. Essas declarações são rebatidas pelo povo xukuru-kariri, que apresenta as atividades agroecológicas, a participação na produção e nas ações vinculadas às políticas de agricultura familiar, e na própria cidade de Palmeira dos Índios.

As atividades agroecológicas culminam inclusive em distribuição para programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e mesmo doações para a cidade.

Outro aspecto levantado está nas perspectivas de reflorestamento na linha da proteção climática. Ao longo das décadas, os indígenas acompanharam a devastação crescente da mata, sendo transformada em pastagem – toda uma devastação acompanhada pelas narrativas dos brancos de que se tratava de terra produtiva.

Ao recuperarem parte da terra, deixando a polêmica capoeira, foram então recepcionados por mais um discurso de improdutividade. “Queremos capoeira mesmo. É o mato que vai garantir a existência do povo, a cultura, e a sociedade, a justiça climática. Não é a exploração e a pastagem”, explica.

No mais, o intuito da demarcação vem sendo expresso de diversas formas, seja nos pronunciamentos de lideranças, seja em manifestos como foi o caso da Carta do VII Encontro da Juventude Xukuru-Kariri, em 2023, quando descreveram: “Não queremos deixar como herança para nossos filhos/as, netos/as uma terra arrasada, jovens sem perspectivas, famílias sem trabalho, pessoas em sofrimentos. A terra é nossa preciosa casa comum, a mãe benevolente de todas as vidas. Os povos indígenas têm feito sua parte: lutam contra as muitas formas de poluição, urbanas e rurais; acreditam na capacidade das energias renováveis, e defendem a qualidade de vida dos mais pobres. O povo xukuru-kariri compreende ser suficientemente possível criar uma unidade nacional, fortalecer o cuidado com a mãe terra e amadurecer os laços fraternais entre as culturas. Por isso, queremos nossa terra livre e demarcada”.

Nenhum direito a menos: a resiliência dos xukuru-kariri

Diante das proximidades da COP30, a pauta da assinatura de homologação das terras indígenas vem sendo apresentada como uma das soluções mais estratégicas para o enfrentamento às injustiças climáticas. demarcar significa, para indígenas, devolver – em parte- direitos históricos que lhes foram roubados violentamente, fortalecendo sua cultura, tradição e respeito ciência e cosmovisão; para não-indígenas, significa também uma oportunidade de entregarmos aos maiores protetores das matas e florestas a possibilidade de construírem novas oportunidades de regeneração, freando o caos climático.

Atualmente, a Terra Indígena xukuru-kariri é uma das 13 que já tiveram a demarcação física realizada, nesse caso desde 2010, restando nesse momento as etapas de homologação e reintegração de posse, com a retirada de ocupantes não-indígenas e o registro da terra em nome da União.

Entretanto, a trajetória da TI em Palmeira dos Índios não começa em 2010, tampouco era restrita aos 7 mil hectares já confirmados no processo demarcatório.

Em entrevista à Mídia Caeté, lideranças xukuru-kariri, que falam a partir de voz coletiva, declararam que – a despeito dos conflitos gerados e fomentados por políticos e empresários, o povo xukuru-kariri permanece em clima de resiliência e expectativa para que o direito da demarcação seja concluído – e, sobretudo, que não haja mais perdas.

“A área de demarcação foi definida primeiramente desde 1822, num Estado de Alagoas regido por coronéis, em que as famílias indígenas não voltaram a ter posse plena do seu próprio território, porque sempre eram expulsos. Há três malocas que nunca saíram apesar disso, que são a Coité, Capela e Cafurna de Baixo, e que são consideradas refúgio em área de difícil acesso”, retrata. Desde então, diversos relatórios foram produzidos definindo a área – e reduzindo cada vez mais. O primeiro deles, datado de 1979, identificava 13.020 hectares. “Da origem até hoje, se perdeu seis vezes a extensão. O relatório atual que estabelece os 7 mil hectares deixa toda a parte da cidade de fora, e no próprio relatório se coloca a necessidade de aquisição de áreas para atender as necessidades do povo xukuru-Kariri”, explicou.

É exaustiva a literatura e documentação que aponta a história de Palmeira dos Índios iniciada a partir dos primeiros registros dos povos xukurus e dos povos Kariris, de nação Tupi, datados desde o século XVIII.

Uma das numerosas obras – o livro Os xukuru e os kariri de Palmeira dos Índios, de Luiz Torres – revela o motivo dos posseiros e suas famílias não terem encontrado indígenas nas áreas que ocuparam, no momento da ocupação:

“Os poucos que sobreviveram, quando dos embates iniciais, ou não caíram em poder do branco que os escravizava, chegaram a conclusão de que lhes seria impossível vencer o inimigo tão poderoso. Se algumas vitórias houve, tornaram-se minimizadas em face das repetidas penetrações do invasor que se adentrava persistentemente, depôís de ter conquistado já quase todo o litoral. Nem os deuses nativos tinham poder para se opor à onda de bandeirantes (…) Esta conclusão amedrontava-os, obrigando-os a mergulharem ·mais e mais no sertão desconhecido, onde talvez pudessem conservar-se escudados pelas selvas e caatingas,e provisoriamente distantes dos exploradores.”, descreve na página O branco pretendia implantar uma nova civilização que não lhe fora solicitada pelos vencidos. Nenhum habitante do Brasil, recém descoberto, havia apresentado. às cortes européias qualquer petição rogando-lhes outra forma de vida diferente daquela herdada através de milhares de anos”.

A imagem em preto e branco mostra quatro homens em pé, lado a lado, posando para a foto em um ambiente externo com vegetação ao fundo. Três deles estão sem camisa e usam cocares ou adornos de palha na cabeça; o quarto homem, à esquerda, veste uma camisa de mangas curtas. Um dos homens cobre parcialmente o rosto com um adorno feito de folhas ou fibras. Acima da foto, há um trecho de texto impresso em português que menciona o número de indígenas e colonos brancos na região de Palmeira por volta de 1822, destacando a presença de cerca de 700 indígenas.

Registros históricos indicam que os dois povos viviam na região desde o século XVIII

Crédito: Reprodução

A despeito da vasta informação disponibilizada, a remontagem histórica desenhada pelo grupo anti-demarcação insiste na tese de que são mais antigos do que os primeiros habitantes. As lideranças indígenas reiteram, entretanto, que não há mais o que ser questionado:

“Nesse processo, já houve a etapa de contestação. Todos os argumentos já foram exaustivamente considerados desde o levantamento fundiário. Os ocupantes sabem que estão em terra indígena e agora praticamente querem dizer que Pedro Álvaro Cabral veio com os xukurus para cá e eles já estavam aqui”, ironiza.

Segundo os xukuru-kariri, essas pessoas sabem que o processo de demarcação será produzido sob observância da justiça social. “Cada perda de cada pessoa vai ser indenizada, e a Funai inclusive paga um valor de algo novo por tudo, mesmo que seja algo que não é novo. O pé de bananeira, a cerca, a pastagem, tudo pago como novo”, relata. “É formada a comissão de boa fé com as benfeitorias feitas pelos ocupantes não indígenas”. Acrescentaram, ainda, que caberá ao Estado garantir o reassentamento dos trabalhadores rurais ocupantes, dentro do âmbito legal.

“Agora, no extremo das negociações, eles terão mesmo que sair, porque terão sido superadas todas as fases do processo. Eles sabem disso, tanto que esse debate politiqueiro que eles têm lançado mão não usa a legislação, porque sabem que tudo está correndo dentro da legalidade. E a gente sabe o apelo eleitoreiro, porque onde tem conflito com Terra Indígena é fácil você ganhar eleição fazendo campanha difamatória, porque elevam o impacto dos discursos, reconhecem famílias de mais de 100 anos, mas não admitem todas as comercializações de terra indígena que estão acontecendo a todo o momento”, completa.

É nesse sentido que os xukuru-kariri declaram que, dessa conversa, não pretendem participar. “Não vamos para nenhum evento que promovam. Primeiro por questão de segurança e, segundo, porque jamais vamos negociar direitos que já são nossos e que já perdemos demais. Todo esse processo quem sempre acompanha são Ministério Público Federal, Funai e DPU e nós trazemos todas essas autoridades para as ações porque eles que estão prosseguindo com todo esse processo de demarcação, que não se trata mais de negociação”, explica. “Conforme novas gerações vão surgindo, tendo estudo e conhecimento, nós vamos compreendendo como essas negociações só nos fizeram perder direitos ao longo da história, só representaram retrocesso.A gente não tem mais o que ceder. O que tinha ser cedido já foi cedido. Agora é garantir o mínimo restou.”

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