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A execução de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro pelo Psol, na noite da quarta-feira (14), na semana em que se realiza o Fórum Social Mundial, chocou ativistas e movimentos sociais presentes. Em Salvador, o evento agendado nesta quinta pela manhã (15) para discutir propostas de esquerda com os pré-candidatos à presidência Guilherme Boulos e Sônia Guajajara se transformou em ato pela memória da vereadora carioca. Centenas de pessoas estiveram presentes e saíram em marcha, que chegou a reunir cerca de cinco mil pessoas, numa caminhada que saiu do campus da Universidade Federal da Bahia e ocupou as ruas da capital.
Fazer do luto a energia para lutar e resistir parece ser a mensagem das mulheres que, a passos lentos, caminharam de mãos dadas por Marielle e por si mesmas. A morte da ativista desperta o medo do que pode acontecer com quem assume a tarefa de denunciar o extermínio nas periferias brasileiras. Para Janete Rocha Pietá, também mulher negra e vereadora, mas em Guarulhos (SP), Marielle “foi exterminada por ser quem ela é”. “Uma militante mulher negra de base e que sabia demais. Que estava contra o golpe, denunciada o extermínio maior que existe no Brasil, o dos negros da periferia”.
“A gente precisa mostrar para o mundo que nós pretos e de favelas, que o nosso povo, tem sido exterminado. Ter milhares de pessoas no Fórum Social Mundial nas ruas hoje é a resistência para denunciar o extermínio de Marielle e Wanderson”, defendeu Leninha, do MNU (Movimento Negro Unificado) e Sindsprev do RJ, uma das dezenas de ativistas que se revezaram nas falas durante a marcha.
Morta por ser quem ela é
“Como vereadora e militante ativista da Maré ela lutava contra o extermínio das mulheres negras, das crianças negras, estava à frente de uma luta, colhendo informações e denunciando a intervenção federal no Rio”, sustenta Janete. Antes mesmo da instauração da intervenção Marielle já era alvo por denunciar a recorrente matança de jovens negros nas favelas cariocas.
A investida federal no Rio de Janeiro, com a instauração da intervenção federal no último mês, foi denunciada pelas ativistas na marcha. “Essa intervenção militar não tem intenção de promover a segurança da população, é uma forma de manter o domínio sobre os guetos, porque vem a época eleitoral aí e nós sabemos a intencionalidade disso”, diz Aída Viana, da diretoria do Sindicato dos Assistentes Sociais do Rio de Janeiro.
A indignação também exige resposta rápida. Apesar de ter suspendido as atividades do dia para convergir forças com a marcha, os movimentos de mulheres negras pediram uma postura firme da organização do Fórum Social Mundial. “Como o Fórum é um espaço de lutas emancipatórias seria uma incoerência e a demonstração de uma desconsideração com a luta do povo negro se ele não se manifestar. Espero que o comitê internacional se manifeste e que as pessoas que estão lá dentro discutindo venham para a rua. A nossa pauta está aqui, a nossa pauta está na rua”, defendeu Nilma Nilo Gomes, ex-ministra da Igualdade Racial no governo Dilma Rousseff.
Para Aída, que estava voltando da Marcha das Mulheres Negras no Fórum quando recebeu a notícia do homicídio, o luto tem que servir para “ecoar nossa voz no mundo e denunciar o que está acontecendo no Brasil”.
Nascida na Favela da Maré, Marielle foi a quinta vereadora mais votada no Rio de Janeiro. Não à toa, se tornou vítima daquilo para o qual dedicou a sua vida: denunciar a opressão e o racismo. “Essa bala tinha direção, tinha endereço”, diz Aída. Para ela, a resposta à perda brutal de Marielle precisa se tornar um movimento de reorganização das esquerdas que enfrente o racismo de modo unificado. “Ela é um ícone, um exemplo e nós temos que fazer essa luta. Não é momento de fracionar. A luta pela população negra tem que ser unificada”.
“Eu estou acabada por dentro, mas na luta e resistência”
A frase dita pela ex-ministra formula uma imagem do que vivem as mulheres negras hoje no país. No dia anterior, a palestra em que falou sobre a relação do racismo, violência e discriminação lotou um auditório. Nela, Nilma citou a mulher negra como símbolo de luta e maior vítima do golpe. Segundo ela, o golpe dado em 2016 é resultado de uma articulação internacional que “conta com uma fraqueza dos movimentos sociais, uma fraqueza da esquerda” e precisa ser enfrentada pelos movimentos sociais e campos da esquerda.
“Os golpistas do mundo estão alinhados com o capitalismo internacional, unidos às forças militares eles podem tratorar as forças emancipatórias. A gente também precisa se realinhar como forças de esquerda, como forças emancipatórias porque só assim vamos dar conta de resistir tanto local, nacional e internacionalmente. Não só contra esse golpe, mas com o que sendo articulando pelo grande capital”, explicou.
Janete vê um agravamento do cenário político nacional, com possível escalada de violência. “Ou nós nos organizamos e tomamos as ruas para dizer que não queremos esse estado de exceção, ou seremos exterminados um após o outro. Como nós vivemos um golpe jurídico e midiático eles não vão dizer o que está acontecendo. A palavra mais certa agora é ir para a luta”.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.