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Ameaçado de cassação por ter reagido com um chute a uma série de provocações de um militante de extrema-direita nos corredores do Congresso, Glauber Braga (PSOL-RJ) está percorrendo o Brasil com o duplo objetivo de defender seu mandato e mobilizar a sociedade contra o orçamento secreto do Congresso Nacional. Na segunda-feira, 2 de junho, ele veio ao Recife participar de um ato organizado pelo seu partido e do protesto que lembrou os cinco anos de impunidade da morte do menino Miguel, que caiu de uma das “torres gêmeas” do Cais de Santa Rita.
Em entrevista exclusiva para a MZ, ainda no aeroporto dos Guararapes, Braga explicou como e porque a estratégia de viajar pelo país é a mais adequada para enfrentar as pressões e a “perseguição do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)”. Para o deputado carioca, Lira passou a persegui-lo para se vingar de suas críticas e iniciativas para por fim ao segredo que envolve a liberação de recursos bilionários a partir das emendas de relator.
O processo de cassação foi interrompido temporariamente em meados de abril por decisão do atual presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB) depois que Glauber entrou em greve de fome.
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Marco Zero – Por que a escolha da estratégia de sair em caravana pelo país, apostando mais na mobilização do que em fazer corpo a corpo com os demais deputados na Câmara Federal?
Glauber Braga – O inimigo é muito forte, tem muito poder, tem muito dinheiro. Nunca se teve uma quantidade tão grande de recursos capturados a partir do tal orçamento secreto. E eu sou exatamente a pessoa que está sofrendo perseguição por denunciar esse esquema.
Avaliei que ficar exclusivamente num diálogo institucionalizado, sem mobilizar de fora para dentro, para além de ser a certeza da derrota, não aproveitaria essa oportunidade para mostrar que existem outras saídas, outras alternativas, outras táticas, para além da articulação institucional da maioria de ocasiões.
Então, é uma tentativa de casar as duas coisas. Isso quer dizer que eu não vou falar com o deputado? Evidentemente que eu vou fazer isso. O deputado que quiser conversar, se quiser que eu apresente os argumentos, estarei à disposição para fazê-lo, como estamos buscando apresentar esse argumento aos parlamentares.
Mas a gente considerou que essa mobilização tinha que se dar à quente, com envolvimento social, mostrando para as pessoas o que está acontecendo, demonstrando de uma forma bastante contundente que eu não ficaria refém da maioria de plantão que, inicialmente, já tinha tomado a decisão por uma cassação sumária. Mas, acredito que, inclusive, muito por conta dessa mobilização que nós estamos tocando, o cenário já é outro.
E qual é o cenário hoje?
Por onde eu já passei, tenho fraternalmente conversado com a imprensa e pedido ‘se vocês puderem fazer um exercício de conversar com deputados do estado e confirmarem ou negarem aquilo que eu estou dizendo’, pois tem um discurso que se repete entre os deputados: ‘que é injusto, é desproporcional, é perseguição, mas o Lira está irredutível’. Isso tem acontecido em tudo quanto é lugar, comigo e com outras pessoas. Então já existe um sentimento hoje majoritário, por incrível que possa parecer, não só no campo da esquerda, mas até dos demais partidos, das outras forças, de que se trata de uma perseguição política fazer a cassação.
Com isso, qual é a nossa tática? A tática pública é amplificar o que está acontecendo para ampliar também a pressão que os próprios aliados de Lira já estão fazendo. Eles já estão chegando por ali, eles estão dizendo ‘tudo bem, você quer caçar, mas isso se transformou em algo com um preço político que não estava calculado anteriormente, então passa a ser um erro político’.
Diante dessa situação, que isso se intensifique. E que possui possibilidade da força para a gente conseguir exatamente esse apoio, essa solidariedade popular? Eu tenho a minha palavra, a minha voz, a minha possibilidade de dizer o que eu tenho dito. E tenho a solidariedade das pessoas.
Então qualquer tática que possa ser vitoriosa nesse processo tem que apostar nisso.
E por que é importante para a sociedade a tua posição de fazer dessa caravana mais uma maneira de denunciar o orçamento secreto?
Hoje os deputados estão desdenhando assumir os ministérios, daqueles que normalmente seria assumido pelas forças do Centrão, afinal hoje um parlamentar executa mais recursos do que muitos ministérios na Esplanada. É esse o poder do orçamento secreto.
Aí vamos para um número rápido: o Governo Federal tem, para fazer investimentos do tipo construir uma nova escola, fazer uma estrada, tocar um novo projeto, R$ 200 bilhões. E o Congresso tem de emendas R$ 50 bilhões. É um quarto do total do que tem o Governo Federal.
Daí já está a desproporção evidente. Eu espero que, um dia, as emendas nem existam mais, que todo o orçamento público seja discutido e acompanhado pelo povo. No nosso mandato, por exemplo, a gente faz emendas participativas, 100% das emendas são decididas em plenárias públicas em que as pessoas apresentam as ideias, votam, além dos comitês de acompanhamento, que monitoram como esses recursos vão ser aplicados.
Mas, nesse caso, não estamos nem discutindo o caráter da emenda. Não é essa a discussão. A discussão é que não há o mínimo de transparência na aplicação dessas emendas que estão sendo liberadas, desses 50 bilhões. É isso. Afinal, por que um deputado que indica uma emenda para determinada região não quer ser identificado? Evidentemente que tem coisa que não está certa aí.
Mas, nesse caso, não estamos nem discutindo o caráter da emenda. Não é essa a discussão. A discussão é que não há o mínimo de transparência na aplicação dessas emendas que estão sendo liberadas, desses 50 bilhões. É isso. Afinal, por que um deputado que indica uma emenda para determinada região não quer ser identificado? Evidentemente que tem coisa que não está certa aí.
Ter entrado com a ação do Supremo Tribunal Federal, fazer a denúncia, explicar para as pessoas o que está ocorrendo, mostrar a distorção que é essa captura do orçamento público que se intensificou com o orçamento secreto, eu acho que é uma tarefa muito importante. Porque senão você fica ad eternum, a vida toda, refém de uma institucionalidade que hoje capturou a possibilidade de uma modificação de instrumentos mínimos na política.
Ah, eu quero salvar o mandato? Com certeza, queremos salvar nosso mandato, achamos que é importante, mas nós queremos mudar a política. E para mudar a política, uma das lutas que tem que se fazer nesse momento presente, é a luta contra o orçamento secreto e o que ele representa.
Antes desse processo todo, como os demais parlamentares reagiam quando você tocava nesse assunto, já que a maioria está se beneficiando?
É evidente que, quem não concorda comigo, ou não pode concordar, não gosta. Eu acabei sendo o deputado que mais vezes subiu na tribuna para denunciar o orçamento secreto, foram vinte e tantas vezes. Antes do processo de cassação, entrei e articulei o mandado de segurança no STF, tem uma ação do PSOL também, que o resto da bancada assinou. Também sou testemunha em um inquérito da Polícia Federal, que foi aberto para tratar exatamente disso.
Assim, o deputado tem o direito, ou ela pode não gostar daquilo que eu digo, mas os deputados não podem querer calar, ele não pode querer inviabilizar que eu diga. Porque hoje sou eu, amanhã é outro, por uma outra razão, outra coisa. Vou dar um exemplo: um deputado que não é da esquerda, deputado Fausto Pinato, do PP, partido do Lira, de São Paulo, foi na Comissão de Constituição e Justiça, e começou dizendo o seguinte: ‘já vi que eu vou ser o próximo a ser cassado, mas Glauber está certo, esse orçamento secreto está um absurdo mesmo’. Olha como é que ele começa a frase, ele começa dizendo: ‘já vi que eu serei o próximo’.
Em que ponto que nós estamos, em que a pessoa não pode expressar publicamente uma posição de contrariedade contra uma política majoritária dentro do Congresso. Isso é muito grave. A turma não gosta quando falo, mas, mesmo aqueles que não gostam, uma parte significativa deles, e na minha avaliação, hoje é a maioria, entende que não é justificativa pública para uma cassação. Diferente do Lira.
E aí eles tentam me pegar com o quê? Pela minha reação ao provocador do MBL, que por sete vezes foi me atacar em espaço público e, na quinta vez, atacou minha mãe, de maneira covarde. Esse é um elemento que eles precisam ter nessa narrativa para justificar a perseguição. A turma pode não gostar, mas entende que não há justificativa pública para fazê-lo. E o Lira está fazendo esse movimento por duas razões, na minha interpretação. Por um lado é vingança, e por outro lado é recado: ‘olha o que acontece com quem mexe comigo’.
“Lira faz esse movimento por duas razões: por um lado é vingança, e por outro lado é recado: ‘olha o que acontece com quem mexe comigo’.
E o papel do presidente da Câmara Hugo Motta até aqui?
No início dessa história, quando o processo tramitou no Conselho de Ética, ele segurou a abertura da Ordem do Dia no plenário, o que fez com que não fosse possível adiar a votação no Conselho de Ética com a obstrução que a gente estava fazendo, que os meus companheiros e companheiras estavam fazendo. Mas, depois disso, quando eu entrei em greve de fome, ele verbalizou e assumiu um compromisso público que, na prática, foi um recuo à posição original de cassação sumária.
Acho que o Lira não faria esse recuo que ele fez. Agora nós temos que ver as próximas etapas. Como é que ele quer ficar descrito historicamente? Serão os próximos capítulos que vão dizer. Eu, pessoalmente, acho que do ponto de vista político, ele não quer cassar porque politicamente é ruim para ele cassar.
Uma cassação de meu mandato não dá a ele a demonstração de autonomia política de quem está exercendo aquele cargo precisa construir. Trata-se do presidente de um poder. E ele ser aquele que vai conduzir uma execução de um mandato que foi trabalhado, encomendado e pactuado pelo presidente anterior? Um ex-presidente que está irredutível, em um movimento que está sendo considerado pelos seus próprios aliados mais próximos como um movimento irracional. Acho que o Hugo Motta não tem nada a ganhar com isso, inclusive porque ele é deputado federal pela Paraíba, um estado que em todos os seus municípios, no segundo turno das últimas eleições, não votou na extrema direita, não votou na direita, votou em Lula. Então não acho que tenha, da parte dele, ganho com isso.
Agora, evidentemente, a pressão que o Lira está fazendo sobre parlamentares é grande. Mas eu acho que a nossa tese vai prevalecer.
Ele continua fazendo essa pressão?
Continua. Pelo menos as últimas informações que eu tive, principalmente na articulação no Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça, era pegando telefone, ligando para deputados. Mas eu acho que a gente consegue reverter esse cenário, o que passou a ser, acima de tudo, uma movimentação politicamente irracional.
Por que, mesmo com o Congresso tendo acumulado um poder inédito desde o golpe contra Dilma Rousseff, que ficou ainda mais fortalecido durante o governo Bolsonaro, os grupos que dominam o parlamento ainda não partiram para defender a implantação do parlamentarismo no Brasil?
Eles ensaiam isso. De vez em quando, eles ensaiam essa possibilidade. Já foi ensaiado por vários presidentes de Câmara, mas eu acho que tem um elemento nessa história, que é o imponderável daquilo que estaria nesse script, que inicialmente pode parecer fácil a execução, mas pode contar com uma reação que eles não esperam.
Ou seja, o povo ficar puto e dizer, ‘não, isto é golpe, eu quero votar para o presidente. Não pode ser desse jeito’. Você pega a pesquisa Atlas, que faz a avaliação de todas as lideranças políticas do Brasil, durante todo o tempo que o Lira esteve na presidência da Câmara, ele foi o mais mal avaliado de todos os políticos. Aí você pega esse sujeito, que é o mais mal avaliado, e ele vai tocar uma operação como essa, para constituir e estabelecer um chefe de governo indicado pelos próprios deputados?
A minha avaliação é que isso seria uma reação, e eles consideram isso, que não necessariamente vai estar num script pré-determinado, como se fácil fosse. Então acho que eles calculam.
Vou dar um exemplo de projeto em que eles voltaram atrás porque as coisas saíram do script: por exemplo, a PEC do Estupro. O Lira botou para votar e tal. Teve mobilização das mulheres em todo o Brasil. Ele voltou atrás. Então acho que tem um pouco disso também. Tem um cálculo político com a preocupação do que pode ser o resultado com a aprovação de uma matéria como essa.
Mas o que temos agora, do ponto de vista orçamentário, é um parlamentarismo de fato.
Será que esse cálculo não passa pelo medo dos deputados passarem a ser alvo das cobranças e da indignação que, no modelo de hoje, são destinadas apenas ao presidente da República da vez?
É, eu acho que é um outro elemento também. E se o cara já vai um pouco também na tua pergunta, no jeito que você formulou, e que já contém um tanto da resposta, se ele já tem o poder que tem sem precisar fazer uma operação que contém algum risco, para que fazê-la?
Lira agora não tem algo mais para se preocupar não do que a sua cassação? Eu estou falando sobre Alagoas, que Renan Calheiros está para puxar o tapete dele com uma aliança surpreendente com o João Henrique Caldas, prefeito de Maceió.
Ele tem muito mais coisa do que eu para se preocupar. Muito mais. Mas muito mais mesmo. Agora, resolveu se preocupar comigo, né? Em uma operação que eles sempre fizeram desse jeito. Mas, por isso mesmo, não posso dar bobeira. Porque eles esfriam um pouquinho, daqui a pouco eles se mobilizam rápido e já colocam em votação.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no Conselho de Ética. O sujeito ficou demorando a apresentar esse relatório e, em dezembro, ele apresenta o relatório, bota no sistema, sob sigilo. E fica ali? Fica ali, fica ali, fica ali. Até que, de março para abril, do dia para a noite, ele fala está pronto, semana que vem eu apresento. E aí já era para a cassação.
Esperou ficar um pouquinho melhor o clima pra ele, deu uma diminuída em relação às denúncias na Polícia Federal. Mesma coisa que estão fazendo agora. As pessoas pensam ‘não deu uma esfriada? não deu uma esfriada?’ Deu, mas eles rearticulam rápido, né? Por isso que tem que manter a mobilização ativa.
Mas ele tem muito mais preocupações do que eu, acho que em todas as esferas.
Nessa peregrinação você passou por 15 estados. Já houve alguém ou algum fato que tenha te emocionado assim profundamente?
Muitas, muitas. Eu pensei que você ia perguntar o contrário. Se teve alguma reação negativa, algum ataque contra, aí eu fiquei lembrando que nesses 15 estados, só teve um rapazinho, só teve um caso na Paraíba. Foi um rapaz que, na hora que eu estava entrando na Assembleia Legislativa, parou naquela coisa do MBL, nem sei se era MBL, acho que era um bolsonarista, mas ele estava tão nervoso com o que tava fazendo, mas tão nervoso, que le se tremia todo, que eu fiquei respondendo às perguntas por aí, dando uma força. A turma que foi se irritando, mas foi um episódio sem nenhuma consequência mais grave, né? Ele queria circular o vídeo nas redes e tal.
Agora, fora isso, todos os espaços cheios de gente. Tudo lotado. Solidariedade! As pessoas dizendo que estão firmes. As pessoas já conhecem o que está acontecendo, nem tem a necessidade de eu amplificar tanto a história porque todo mundo já conhece. Aí, eu acabo trazendo elementos mais dos bastidores mesmo do que está acontecendo. Da minha leitura, da minha interpretação do caso. Então tem sido muito bacana. Onde chego, como aconteceu agora aqui em Recife, uma pessoa me deu uma rede aqui no aeroporto.
Agora, fora isso, todos os espaços cheios de gente. Tudo lotado. Solidariedade! As pessoas dizendo que estão firmes. As pessoas já conhecem o que está acontecendo, nem tem a necessidade de eu amplificar tanto a história porque todo mundo já conhece. Aí, eu acabo trazendo elementos mais dos bastidores mesmo do que está acontecendo. Da minha leitura, da minha interpretação do caso. Então tem sido muito bacana. Onde chego, como aconteceu agora aqui em Recife, uma pessoa me deu uma rede aqui no aeroporto.
Eu estou com um quarto em Brasília cheio dos presentes das viagens que vieram nesse período todo, né? Pô, isso é reconfortante.
Em várias falas suas, você admite claramente que fez a greve de fome para chamar atenção. Funcionou?
A greve de fome eu não discuti com ninguém antes, porque se discutisse, eu sabia que a posição ia ser minoritária, mas tem coisa que tem de ser assim, tem de fazer, vamos fazer.
E, sim, foi isso mesmo, fazer greve de fome
Sim, é isso. É isso mesmo, era pra ampliar essa denúncia. E deu o resultado.
Você pretende ir a Alagoas, a terra de Arthur Lira? O que está sendo organizado em Alagoas?
Vai ser com um grupo de movimentos sociais, de companheiros de partidos políticos. Tem se repetido um pouco o formato nos encontros em que eu converso com a imprensa local e vou pra um ato público onde as variadas forças políticas falam manifestando a sua solidariedade ou as suas dúvidas. No fim, eu faço uma fala mais longa mostrando como é que tá o processo e a minha interpretação sobre tudo o que está acontecendo. Em Alagoas, vai ser mais ou menos esse mesmo formato.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.