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Crédito: Ana Nascimento/MDS/Portal Brasil
Com a suspensão da vacina da AstraZeneca para mulheres grávidas na semana passada, veio à tona também outro assunto: a recomendação do Ministério da Saúde para que, por ora, apenas gestantes com comorbidades sejam incluídas na lista de prioridades da vacinação contra a covid-19. Em Pernambuco, essa era a regra seguida até então pela maioria dos municípios. Apenas Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Recife vacinavam todas as grávidas e puérperas, com o imunizante da Pfizer.
A suspensão da AstraZeneca acabou trazendo um benefício para as gestantes pernambucanas. A orientação estadual mudou e, agora, abrange todas as mulheres grávidas e puérperas, sem distinção se tem ou não comorbidades. Para esse público, será usada apenas a vacina da Pfizer, aplicada em polos regionais distribuídos pelo estado.
Outros estados do Brasil, como o Maranhão, também estão vacinando todas as gestantes. A maioria, no entanto, segue a orientação do Ministério da Saúde: apenas as com comorbidades.
Mas toda grávida corre mais riscos de ter complicações para covid-19?
A obstetra Débora Leite, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de Campinas (Unicamp), diz que, a princípio, sim, toda grávida tem mais riscos. “Apesar de os maiores riscos serem para as gestantes que já têm alguma comorbidade (obesidade, por exemplo). Acredita-se que o estado de imunodeficiência próprio da gestação, além de outras modificações anatômicas provocadas pela gravidez, facilitem o surgimento de complicações. É possível também que a infecção seja diagnosticada mais tardiamente, em função de algumas queixas respiratórias (ex., edema nasal, cansaço para respirar) já serem frequentes nas gestantes”, explica.
Médica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e doutora pela Universidade de Maastricht (Holanda), a obstetra Brena Melo reforça que as modificações no organismo de toda grávida já são suficientes para caracterizar um risco maior quando infectadas pelo Sars-Cov2. “De qualquer virose, na verdade. Mesmo antes da covid, as gestantes já precisavam da vacina da influenza para evitar que uma gripe comum virasse uma pneumonia. A covid, tem o elemento respiratório, que pode complicar de maneira mais preocupante, como também os eventos trombóticos, já que as gestantes têm uma trombogênese aumentada”, explica.
Essa maior facilidade em produzir trombos tem a ver com a própria evolução humana, que levou a uma mudança importante nas mulheres grávidas. “Faz parte da fisiologia a mulher coagular melhor depois do parto normal. Quando o bebê sai, e sai a placenta, a mulher precisa parar de sangrar. Por conta dessa alteração natural, a mulher é mais trombogênica no período gestacional e pós-parto”, explica a especialista do Imip.
Como a covid-19 é uma doença que favorece a formação de trombos, a combinação covid-19 e gravidez é extremamente preocupante.
Em mais de um ano de pandemia, as complicações mais frequentes que as médicas veem em gestantes internadas com covid-19 são da Síndrome Respiratória Grave Aguda (SRAG), eventos trombóticos e uma potencialização da pré-eclâmpsia.
Partos prematuros também se tornaram mais frequentes nessas pacientes, principalmente na fase final da gravidez. “Se a paciente evoluir para desconforto respiratório é mais complicado, por conta do volume abdominal. Temos discutido muito a interrupção da gravidez por conta disso. Quando há paciente gestante com desenvolvimento da Síndrome Respiratória Grave Aguda (SRAG) no terceiro trimestre, quando o bebê e a barriga estão maiores, ela tem uma expansibilidade torácica diminuída. Ela tolera menos a falta de ar, rapidamente descompensa. Por isso que se indica o parto precoce”, explica Brena Melo.
“Os estudos tem mostrado um aumento da prematuridade em casos de covid, mas também não se tem uma relação de causa e efeito determinada. Em algumas situações, o parto prematuro foi necessário para o melhor manejo da paciente, que já estava grave. Em outros, a mulher entrou em trabalho de parto espontaneamente”, detalha Débora.
Quanto à pré-eclâmpsia, houve um aumento de casos. “Mas não se estabeleceu uma relação de causa e efeito. De fato, tem sido frequente o relato de pacientes com covid e pré-eclâmpsia no mesmo momento. Acredito ser difícil essa comprovação, de maior risco ou de causa, uma vez que a pré-eclâmpsia, como entendemos hoje, é uma doença que se inicia bem cedo na gravidez, mas que se manifesta tardiamente”, conta a obstetra Débora Leite.
Não se tem visto, porém, aumento de complicações por idade. “As gestantes acima de 35 apresentam mais complicações não pela idade per se, mas porque, demograficamente, elas têm outros fatores, como hipertensão crônica, sobrepeso…”, afirma Brena.
Ahipertensão arterial específica da gravidez recebe o nome de pré-eclâmpsia e,em geral, instala-se a partir da 20ª semana, especialmente no 3° trimestre. Apré-eclâmpsia pode evoluir para a eclâmpsia, uma forma grave da doença, que põeem risco a vida da mãe e do feto. Ascausas dessas enfermidades ainda não foram bem estabelecidas. O que se sabe éque estão associadas à hipertensão arterial, que pode ser crônica ou especificada gravidez.
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O Brasil ocupa o posto de país com mais mortes de gestantes/puérperas pela covid-19, com 1.099 óbitos. E um dado assustador: os óbitos de grávidas e puérperas chegaram a 642 apenas em 2021 (dados até 12 de maio), já superando todos os óbitos destas mulheres em 2020, com 457 mortes.
O levantamento é do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBr Covid-19), que também identificou que uma a cada cinco gestantes e puérperas mortas por covid-19 não teve acesso a um leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em Pernambuco, o Observatório contabiliza 27 mortes, sendo que dez não chegaram a ir para uma UTI.
Para as médicas ouvidas pela Marco Zero, esse recorde nas mortes de gestantes e puérperas acontece por uma soma de fatores. Além das fisiológicas, há todo um desmonte da assistência a essas mulheres. “Houve falta de verbas e remanejamento de pessoal, também por conta da pandemia. O pré-natal ficou comprometido. Então, a assistência que já era frágil ficou ainda mais frágil. Mulheres que deveriam estar sendo mais bem monitoradas não foram e o suporte de contracepção também foi comprometido”, enumera Brena Melo.
A obstetra Débora Leite reforça que o acesso aos serviços de saúde foi bastante fragilizado durante a pandemia. “Em algumas cidades, perdeu-se a mínima estrutura para o pré-natal. Além disso, as maternidades, de uma forma geral, são os últimos serviços a terem rotinas de rastreio de covid na população a qual assiste. Isso atrasa o diagnóstico e a tomada de decisão. Por último, mas não menos importante, as gestantes/puérperas que precisam de atendimento em UTI sofrem as mesmas dificuldades quanto a falta de vagas que as demais populações”, afirma.
Na segunda-feira passada, o Ministério da Saúde anunciou a suspensão da vacinação de grávidas em todo o país com a vacina da AstraZeneca. A medida foi tomada após a notificação da morte de uma gestante de 35 anos no Rio de Janeiro com “causa provável” da Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (TTS), reação que tem sido associada a vacinas produzidas com a tecnologia de vetor viral, como a da AstraZeneca.
Até o momento não havia sido notificado nenhum caso de TTS em gestantes em todo o mundo. É uma síndrome extremamente rara, com incidência estimada na Europa em um caso a cada 100.000 doses administradas da vacina. Ainda não foi estabelecido fatores de riscos para que ela ocorra e quase todas as notificações na Europa — os Estados Unidos, país que concentra hoje o maior número de vacinados, não usa o imunizante da AstraZeneca — ocorreram após a primeira dose. O óbito da grávida brasileira segue em investigação.
De acordo com o Ministério da Saúde, 22.295 gestantes haviam sido vacinadas no país até a terça-feira passada e 11 eventos adversos graves haviam sido notificados. Em Pernambuco, o boletim mais recente do Governo do Estado aponta que 9.126 gestantes e puérperas foram vacinadas com a primeira dose e nenhum evento adverso foi relatado.
A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde demorou quatro dias para emitir, na sexta-feira, a nota técnica com recomendações sobre a suspensão da AstraZeneca. Na nota, recomenda que as gestantes/puérperas que já receberam a primeira dose da AstraZeneca, sejam vacinadas excepcionalmente na segunda dose com outra vacina (CoronaVac ou Pfizer, as outras duas únicas disponíveis no Brasil). Quem tomou a primeira dose de CoronaVac ou Pfizer deve completar o esquema normalmente.
A nota ainda traz um alerta para as grávidas/puérperas que tomaram a primeira dose da AstraZeneca. Elas devem procurar atendimento médico imediato se sentirem algum desses sintomas entre o 4º e 28º dia depois da vacinação: falta de ar; dor no peito; inchaço na perna; dor abdominal persistente; sintomas neurológicos, como dor de cabeça persistente e de forte intensidade ou visão borrada; pequenas manchas avermelhadas na pele para além do local em que foi aplicada a vacina.
A nota técnica reforça “a interrupção da vacinação das gestantes e puérperas sem outros fatores de risco para covid-19”, recomendação, que, como se vê nesta reportagem, é criticada por especialistas.
“Faz parte do protocolo alertar e fazer uma avaliação. Mas os dados mostram que os riscos da covid são muito maiores do que qualquer efeito colateral das vacinas até agora observados. Temos dados da Pfizer, com milhares de mulheres vacinadas, que mostram a segurança da vacina. E mesmo no caso da AstraZeneca os casos de reações graves são poucos. No padrão de transmissão do novo coronavírus do Brasil, a vacinação supera e muito os riscos”, alerta a obstetra Brena Melo.
Para a médica Débora Leite, nunca as medidas preventivas foram tão importantes como agora. “O potencial do pré-natal em estratificar os casos de gravidade, fazer promoção em saúde e prevenir doenças com a vacinação é de importância inestimável para a melhora do prognóstico da população. A vacina deve chegar em todas as cidades, seja a da Pfizer ou a Sinovac, para que possamos manter a saúde de nossas mulheres e, por extensão, das famílias. Estudos iniciais mostram que as mulheres transferem a imunidade (anticorpos) pelo cordão umbilical, de modo que, ao vacinar gestantes, estendemos a proteção também ao recém-nascido”, comenta.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org